Yura Udumyan
Instituto Superior Politecnico Sinodal
Lubango-Angola
INTRODUÇÃO
A problemática das particularidades culturais dos diferentes povos e a unidade de diferentes culturas sempre interessou aos investigadores. Tais investigações tinham e têm valor teórico mas sobretudo valor prático, pragmático até.
Teóricos, filósofos, sociólogos, grupos sociais ou indivíduos tentam absolutizar, exagerar o papel e lugar do particular ou do geral na cultura e não só.
A diferença, até contradição, entre a cultura mundial, nacional e local é mais evidente nos países em vias de desenvolvimento, incluindo Angola. É que nestes países, particularmente em Angola, muitos valores e sistemas da cultura, incluindo os sistemas de valorização, foram introduzidos de fora, no caso de Angola da Europa, de Portugal. Os europeus vieram e trouxeram a sua superestrutura social (o sistema de governação europeu, o seu sistema jurídico, sistemas da comunicação social, a sua filosofia, arte, moral, religião). Tentaram obrigar os locais a esquecer a sua memória social, a sua história. Num certo sentido Angola deixou de ser o sujeito da história, tornou-se só objeto da história. Como resultado disto os angolanos, no seu caminho para o futuro, frequentemente encontram não os seus antepassados, mas antepassados dos outros. Isto cria sérias dificuldades na via do desenvolvimento. Claro que, como quase todos os fenómenos sociais, este também pode ser qualificado unilateralmente como só negativo. Tem aspetos positivos também.
A introdução, a obrigação e a utilização da cultura do outro, da cultura mundial, durante séculos, teve os seus resultados negativos e positivos. Por exemplo, na Angola atual, como resultado disto, muitos estão inclinados para a Europa, para a cultura mundial, olhando para a cultura nacional ou local com certa ironia. Alguns, sobretudo na capital, orgulham-se de não dominarem nenhuma língua nacional. Alguns jovens, estudantes abertamente, mesmo na sala de aula, vão ao ponto de dizer que preferiam ser brancos, europeus, por exemplo francêses.
Ao contrário desta visão unilateral formou-se e existe uma outra aproximação diametralmente oposta que, num certo sentido, é resposta à visão acima referida; é autodefesa e, em certos quadros, tem um conteúdo democrático. Esta visão exagera o lugar e papel do tradicional, local, nacional. Por vezes olha com algum ódio para a cultura e valores de fora. Os representantes desta conceção consideram que, por exemplo, se os europeus não chegassem a Angola, hoje ela poderia ser um dos países mais desenvolvidos do mundo e talvez a língua de comunicação mundial fosse umbundo. Como explicação lembram que antes da chegada dos europeus ao território da Angola atual haviam estados, organizações politicas bem formadas até com elementos de democracia. A maior parte dos representantes desta visão são patriotas. Mas às vezes o patriotismo exagera, aproximando-se do nacionalismo, que pode ter certas explicações mas não justificações. Sobre a diferença de patriotismo e nacionalismo falaremos adiante.
Há uma terceira visão: a cultura mundial e a cultura nacional, a cultura europeia e a cultura angolana, o moderno e o tradicional estão, ou pelo menos devem estar, em unidade, numa interligação dialéctica. Complementam-se entre si. Esta harmonia hoje ocorre mais fácilmente nos países desenvolvidos e, por vezes de forma pouco adequada, nos países em vias do desenvolvimento, incluindo Angola
Durante esta investigação penso basear-se em primeiro lugar na realidade angolana, tentando juntar os meus conhecimentos de Angola (há sete anos que trabalho em Angola nos sistemas das Nações Unidas e ensino universitário: visão de dentro) aos de outros países (viajei muito, trabalhei em diferentes países, conheço línguas: visão de fora).
Para alcançar os objetivos da estrutura do trabalho acima referida e não deturpar a primeira lei da lógica aristotélica, a lei da identidade, vamos clarificar os conteúdos e sentidos das palavras e expressões chaves para este trabalho.
Vamos começar pela dialéctica do singular (particular) e do geral. O nosso objetivo não é entrar em detalhes. Apoiado na dialéctica hegeliana, este trabalho considera mais aceitável que o singular ou particular é um objeto que possui uma série de traços especiais, inerentes somente a ele. São estes traços que destacam este objeto entre muitos outros.
No entanto qualquer coisa singular ou particular, não existe por si própria, sem nexo com outros objetos e fenómenos. Cada objeto, além dos traços individuais, próprios somente a ele, tem também traços comuns com outros objetos. O geral constitui aquilo que é inerente a uma quantidade de objetos singulares, particulares. Em qualquer objeto, o singular e o geral estão em unidade dialéctica. Por um lado, o singular encerra o geral e não existe de outra forma senão no quadro do nexo conducente ao geral. Levando em consideração a relação entre singular, geral e a existência do geral no particular, a dialéctica hegeliana considera que qualquer particular é de uma ou outra forma o geral. Por outro lado, o geral é essência do particular.
O particular e o geral não só estão interligados, mas também mudam constantemente. O limite entre eles é móvel. No processo de desenvolvimento, em determinadas condições, transformam-se no outro: o particular torna-se geral e vice versa. Por exemplo, a cultura angolana em relação à cultura mundial é particular mas, em relação as culturas dos grupos étnicos angolanos torna-se geral. A consideração da dialéctica do particular e do geral tem uma grande importância para a atividade científica e prática. Somente o conhecimento do nexo mútuo e da dialéctica do singular e do geral permite orientar-se profundamente em toda a complexidade dos diversos processos da realidade, revelar as leis do seu desenvolvimento e utilizá-las corretamente na atividade prática.
Quanto ao termo cultura, existem mais de 150 definições, mas nenhuma delas pretende incluir todos os aspetos e perceções do fenómeno. Isto significa que a categoria ainda está longe de ser bem investigada. Os filósofos neste caso dividem o mundo em duas partes: a tudo aquilo que surgiu e existe sem participação ou interferência do homem chamam natura (natureza), a tudo que foi criado pelo homem, incluindo os métodos da criação e sistemas de avaliação, chamam cultura (mundo humano e humanizado). Por exemplo, a mata criada pela natureza é natura e a mata plantada pelo homem é cultura. Podemos dizer quanto menos é desenvolvida uma sociedade tanto mais é circundada pela natura. A filosofia divide a cultura em material e espiritual. Elas estão interligadas, uma não pode existir sem a outra. Muitas vezes é bastante difícil conhecer os limites entre elas, distinguir a obra de dada cultura, se faz parte da cultura espiritual ou material. Neste caso a orientação pode ser a seguinte: se uma dada obra satisfaz as necessidades espirituais do homem, então faz parte da cultura espiritual e se antes de mais nada satisfaz as necessidades materiais, é parte da cultura material.
Pensamos que não vale a pena entrar em detalhes. Para este trabalho consideramos mais aceitável a interpretação antropológica da cultura. Antropologia entende a cultura como a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Segundo a definição de Edward Burnett Tylor, sobre a etnologia (ciência relativa ao estudo da cultura) a cultura seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, morais, leis, costumes, outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Portanto, corresponde neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração em geração (1).
No âmbito deste trabalho, sobre a civilização entenderemos o estágio mais avançado de determinada sociedade humana. Num sentido mais amplo, a civilização designa toda uma cultura de determinado povo e o acervo de suas características sociais, científicas, políticas, económicas e artísticas próprias (2). A civilização é a essência da cultura, é a unidade cultural no nível máximo.
O patriotismo é sentimento e auto consciência da unidade espiritual do respetivo povo e da sua peculiaridade cultural – dos costumes, tradições, crenças. O patriotismo possui uma grande força regulativa e vivificante: contribui para a unificação dos homens da mesma nacionalidade, de certa maneira tem o papel de defesa, que permite salvaguardar a sua unidade e determinação sociocultural na comunidade contra outros povos e nações que tentem humilhar os seus interesses, contra a assimilação etc.
O patriotismo contribui para elevação da cultura geral da nação, do seu desenvolvimento histórico na família das nações. Do processo de educação do homem resulta a formação do gosto pela arte nacional, do respeito às condutas, costumes, tradições, sentimento de orgulho aos heróis da sua história e cultura, cuja memória vive na alma dos homens, transmitida de geração a geração. Contribui para unificação do povo e da nação como unidade especial. O significado educativo do patriotismo é muito grande: é uma escola onde se desenvolve a perceção das ideias e sentimentos nacionais, toma-se consciência da necessidade de atenção sólida e máxima para com o todo nacional, desde a natureza até à esfera da arte e aos sentimentos de dignidade nacional.
Mas tudo deve ter a sua medida. Da mesma forma que a hipertrofia nas orientações da consciência do sujeito em si mesmo, conduz ao egoísmo, a hipertrofia das especificidades nacionais, o exagero da importância dos valores nacionais pode conduzir ao nacionalismo. Alguns autores comparam o nacionalismo com a peste.
O nacionalismo revela egoísmo nacional. Nação e nacionalismo são coisas muito diferentes, tal como o individuo e o seu eventual egoísmo agudizado. O fundamento do nacionalismo são as ideias da superioridade nacional e exclusividade nacional, que engendra arrogância nacional. Amor à pátria é coisa bela, mas há algo maior – amor à verdade. Nós nunca devemos esquecer isto, pois o amor cego à pátria liga-nos ao patriotismo instintivo. Uma das tentações do nacionalismo é justificar o seu povo em tudo e sempre, exagerar a qualidade (mérito, dignidade) dele e deitar as culpas às forças “sempre-raivosas”, “traidores-inimigos”.
Qualquer povo que queira uma vida rica de conteúdo, não pode ficar separado – tem de ultrapassar-se a si mesmo, sentir-se mesmo mais do que ele é: tem de mergulhar nos interesses supra nacionais, na vida histórica mundial da humanidade. Para qualquer povo com grandes características naturais e históricas, não é de nenhuma maneira natural fechar-se em si mesmo, nem viver apenas para si mesmo, sublinhando sempre o seu ego nacional ou, pior ainda – impor-se aos outros. Isto significaria isolar-se de sua vocação e de todo progresso histórico mundial da humanidade.
Há uma verdade simples: quanto mais alta for a consciência nacional do povo e forte o sentimento de dignidade nacional, tanto mais respeito e amor terá aos outros povos. Sem verdadeiro amor pela humanidade não há e não pode haver verdadeiro amor pela pátria.
Em Angola a palavra nacionalismo, por exemplo no jornalismo, em palestras, discussões, conversas em geral, confunde-se com a palavra patriotismo.
PARTE I
DIFERENÇAS E PARTICULARIDADES NAS CULTURAS
Cada cultura tem a sua própria lógica, a sua visão do mundo. O que é significativo e importante numa cultura pode não ser importante nem essencial na outra. Por isso é preciso sempre relacionar-se com muito respeito е cautelosamente com o seu parceiro de outra cultura. Ele realmente é diferente e tem direito de ser diferente. Este respeito e atenção será motivado não só pela simples curiosidade, mas ainda pelo interesse em conhecer algumas particularidades e características de outro país ou região.
Quando eu estudava em Moscovo tinha boas relações com um grupo de estudantes angolanos. Geralmente comiamos juntos. Muitas vezes queixavam-se que a comida de Moscovo não era saborosa e se fosse um funje eu poderia perceber o que é a verdadeira comida. Depois, trabalhando em Angola, percebi que o funje tem valor na cultura de Angola, porém nada de especial para mim, pois prefiro as comidas da minha nacionalidade. Os vestidos das mumuilas são cómodos e bonitos para elas, embora para representantes de outros grupos étnicos possam até parecer estranhos.
O tempo e o espaço também têm leituras distintas nas diferentes culturas.
Se na cultura ocidental o tempo mede-se com exatidão e o atraso considerado como uma falha (lembre-se: a pontualidade é regra dos reis), na África, na América Latina ou em muitos países da Ásia o atraso não será surpresa para ninguém. Além disso, ser tratado com seriedade, obriga a gastar algum tempo com conversas triviais, rituais. Apresentar precipitação e pressa pode gerar conflito cultural. Em 1997 eu trabalhava nas Nações Unidas. Deveria transportar medicamentos da Jamba (Kuando-Kubango) para Mucusso, na fronteira com a Namíbia. No carro levei comigo também um enfermeiro da UNITA. Todos lhe chamavam doutor Libombo. Ultrapassamos o deserto com dificuldades e aventuras, mas no dia seguinte começamos a cerimónia da entrega. Percebi que o doutor Libombo já tinha encontrado o chefe do serviço de saúde de Mucusso alguns anos antes, quer dizer já se conheciam um pouco e o doutor Libombo perguntou-lhe muitas coisas não ligadas à nossa missão. O chefe contou-lhe tudo o que aconteceu nos últimos anos, sobretudo lembrando que na sua família faleceu uma pessoa. Para mim tolerar toda esta cena foi difícil, finalmente interrompi para realizar a entrega dos medicamentos. Á noite o doutor Libombo falou comigo zangado, disse que eu quebrei a cultura deles, que o chefe do serviço de saúde tinha o direito de colocar as suas perguntas. Os árabes tomam café conversando, podendo isto durar muito tempo e consideram-no como “fazer algo”, enquanto os americanos olham para isso como desperdício, perda de tempo (3). Assim, para muitos árabes a pontualidade exata, rigorosa, pode ser considerada como uma ofensa pessoal. Os etíopes, de modo geral, consideram tudo o que se faz por longo tempo como algo muito prestigiante: quanto mais dura melhor.
A perceção do espaço nas diferentes culturas também assinala diferenças. Angola é um pais multiétnico e num certo sentido multicultural. As culturas diferenciam-se não só pelo fator étnico mas também em virtude das regiões, gerações, educação etc. Seja como for na, maior parte dos casos para os angolanos, sobretudo a nível tradicional, o espaço é aberto. Na maioria das aldeias e subúrbios das cidades, as casas são construídas muito próximas com quintais comuns, sem limites rigidos. Se acontecer um facto pouco rotineiro ou se falar mais alto os vizinhos vão ouvir também. Quer dizer, vivem quase numa família ampla, tentam resolver os problemas juntos. O espaço social é comum. Na maior dos casos o espaço é comum dentro da casa também. Nas casas tradicionais, mesmo com divisão entre os quartos, os tetos não são fechados com paredes até cima, o teto é comum a toda a casa. A família angolana é ampla pela linha vertical (sob o mesmo teto, na mesma família vivem diferentes gerações, bisavôs, avós, filhos, netos) e pela linha horizontal (em baixo do mesmo teto vivem sobrinhos, primos etc.). Todos eles ocupam o mesmo espaço físico e social. Não obstante, hoje muitos angolanos constroem casas como castelos, cercados por muros altos, onde vive só uma geração. É uma mudança na interpretação do espaço.
Os latino-americanos e europeus, nos seus habitats costumeiros conversam a diferentes distâncias (4). Colocados lado a lado, o latino vai tentar estar numa distância normal para ele, quer dizer bem próximo enquanto o europeu pode sentir isto como intervenção, penetração no seu espaço privado e tentará se afastar. Em resposta, o latino-americano, vai aproximar-se mais uma vez, o que, do ponto de vista europeu, será percebido como uma expressão de agressão. O norte-americano, entrando para o pátio, quintal ou jardim do latino-americano, sente-se murado, pois na sua terra natal os quintais ou jardins de residência não têm sequer cercas. George Bush e Mikhail Gorbachev em 1989 encontraram-se, não no território de um deles, mas em navios militares perto de Malta, introduzindo alguma liberdade e igualdade nas relações, com cada um fora do ambiente habitual e fora também das condicionalidades de um ou de outro lado.
As diferentes culturas usam diversas comunicações não verbais. Por exemplo, dentro da cultura “negra” norte-americana é considerado rude olhar diretamente nos olhos do professor. Há também diversas variantes em manifestações simples diárias: uma maneira especial de andar ou um movimento especial dos olhos que pessoas de outra cultura podem nem notar. Um angolano para mostrar a altura de uma pessoa ergue o braço com a palma da mão virada para cima e para a altura de um animal ergue o braço na posição horizontal com a palma da mão vertical. O europeu para mostrar a altura da pessoa ou do animal faz isso com a palma da mão na posição horizontal.
Diferentes povos têm diferentes visões sobre relações hierárquicas. China e Japão respeitam-nas muito, enquanto os americanos tentam demonstrar igualdade.
No caso de Angola o valor das relações hierárquicas está muito exagerado. Neste caso, talvez no lugar da expressão “cultura de chefe” deva utilizar-se “culto de chefe”. Penso que antes da chegada do europeu, a população que vivia no território da Angola atual, também tinha um culto dos chefes, os reis eram considerados próximos dos deuses. Portugal introduziu o seu sistema de hierarquia feudal, muito burocrática. Hoje Portugal já ultrapassou a maior parte desta burocracia feudal, mas Angola ainda tem caminho a percorrer. Claro que a burocracia tem alguns aspetos positivos: por exemplo, reduz as hipoteses de erros em muitas pessoas e pode diminuir a corrupção. Nas cerimónias, reuniões ou encontros, o moderador perde muito tempo apresentando os presentes um por um, sublinhando os seus títulos (excelentíssimo, meritíssimo, digníssimo etc. puro feudalismo). Ou ainda como se escrevem as cartas oficiais, requerimentos utilizando uma linguagem formal, arcaica, papel especial (25 linhas). Há muitos casos, mesmo simples, nos quais primeiro faz-se uma solicitação para em seguida escrever o requerimento, paga-se selo e carimba-se. O diretor subscreve e manda para o ministro, o ministro subscreve e manda para o diretor e assim por diante.
Os empresários ou negociantes ocidentais, como os angolanos, tentam realizar as suas negociações num ambiente confidencial, olho no olho. Na cultura árabe, dentro da sala existem outras pessoas também (5). Eventuais contradições das diferentes atitudes podem facilmente levar a conflito.
Entre várias culturas há diferenças nos sistemas dos valores também. Um objeto ou fenómeno pode ter um valor alto numa cultura e ser insignificante numa outra. Vamos imaginar uma situação. Você viaja num navio com filho, esposa e mãe. O navio começou a afundar. Você pode ajudar apenas uma pessoa. Quem será? Na cultura ocidental, 60% iria salvar ao filho, 40% a esposa. E ninguém vai salvar a mãe. Na cultura oriental 100% salvará a sua mãe. Os representantes desta cultura explicam que a gente pode se casar novamente, ter mais filhos mas nunca terá outra mãe.
Realmente a cultura dá-nos muitas possibilidades para formação da personalidade. E aqui tem grande papel o conhecimento das línguas. Aprender uma nova língua é adquirir um novo mundo. Na minha terra (Arménia), dizem, o número de línguas que conheces fazem de ti um numero equivalente de pessoas. Muitos problemas surgem no caso de tradução inadequada. Por exemplo, a palavra intermediária nas diferentes línguas pode ter diferentes significados.
Assim, temos com frequência pela frente não só outra cultura mas, sem exagero, um outro mundo. Muitos autores para conhecer o carácter nacional destes “outros mundos” analisam os contos mais amados e queridos do povo, tentando perceber porque é que eles são amados e que elementos destes contos desempenham o papel mais importante para os leitores e ouvintes(6).
Alguns sinais idênticos têm diferentes significados consoante as culturas. Os búlgaros, por exemplo, fazem (em relação a nós) diferentes movimentos para marcar o “sim” ou o “não”. Em algumas culturas o elemento comum das negociações é um brinde. A cultura ocidental claramente considera isso como um suborno, já em outras culturas é visto como atenção, boas maneiras.
A cultura não é uma coisa fixa, petrificada, passa por muitas mudanças ao longo dos séculos. Livros escritos na nossa própria língua, tal como agora a conhecemos, escritos alguns séculos atrás ficariam incompressíveis. Assim, lendo as obras de Camões, Shakespeare, Cervantes, Pushkin não se percebem muitas coisas sem conhecer a cultura da época deles. Para facilitar a perceção destas e outras obras, muitas vezes publicam-se dicionários e enciclopédias da cultura aristocrática da época (7).
O mesmo podemos dizer sobre a cultura da Idade Media. Para conhecê-la temos que conhecer os parâmetros especiais da época (8, 9, 10, 11, 12 , 13, 14). Seguindo a mesma lógica podemos dizer que na perceção e interpretação da essência das lendas, contos ou historias angolanas, alem de conhecimento da língua, será necessário conhecer os parâmetros especiais da época de criação.
Diferentes culturas apresentam diferentes regras para troca de informações. Um representante da cultura oriental, em princípio mais fechado, pode usar um longo tempo para tomar decisões, como fazem, por exemplo, japoneses ou chineses. Os japoneses têm mais uma característica, que frequentemente induz os negociantes em erro: em pricípio eles não podem dizer um “não” categórico. Cuidadosamente inventam variadas formas, expressões, tentam mesmo não objetar. No quadro da sua cultura dizer “não” diretamente pode ser considerado como falta de educação. Boa parte dos angolanos frequentemente dão respostas positivas, que muitas vezes podem não corresponde à realidade, talvez como reflexo de boa vontade. Quando nas ruas eu pergunto alguma coisa a alguma pessoa, peço-lhe que se não souber diga que não sabe e não dê qualquer “resposta positiva”.
Quando as culturas são bastante próximas, uma delas pode absorver a outra. Por exemplo, uma investigação interessante sobre a beleza feminina na sociedade americana mostrou que os brancos americanos e os negros americanos já têm os mesmos ideais de beleza (15). Mas isso cria uma situação de conflito, entre negros americanos ou em relação a eles, em virtude de, por exemplo, existirem critérios de beleza feminina tipicamente “brancos”. Este exemplo vem novamente demonstrar que até a fusão de culturas apresenta conflitos.
Devido às diferenças ou contradições culturais certos pensadores prognosticam até uma terceira guerra mundial. Por exemplo o famoso investigador americano Samuel Huntington na sua obra Choque das Civilizações, prognosticou guerra mundial nas fronteiras das civilizações, ou seja, para ele a próxima guerra será uma guerra de civilizações, de culturas. Escreveu que os conflitos já foram entre reis, depois entre nações, depois entre ideologias mas, com o fim da guerra fria teria acabado a politica internacional tradicional, substituida pelas contradições entre Ocidente e civilizações independentes. Nesta nova etapa, os povos e governos das civilizações independentes já não são só objetos da História, alvos da politica ocidental colonial. Em paralelo com o Ocidente criam História e tornam-se sujeitos nela. S. Huntington pensa que a maior parte da História é Historia das civilizações. Para A, Toinby a História humana conheceu 21 civilizações. A maioria surgiu, desenvolveu-se e desapareceu. Hoje ainda continuariam seis civilizações: Ocidental, Confucionista, Japonesa, Islâmica, Hinduísta, Ortodoxo-Eslava, Latino-americana. Fala-se também da formação da civilização Africana mas penso que os países africanos estão muito inseridos nas civilizações Ocidental ou na Islâmica.
As diferenças entre estas culturas ou civilizações revelam-se essenciais. Elas não são parecidas nem por língua, nem por historia, nem por tradições e, o que é mais importante, nem pela religião. Tem diferentes imagens sobre direito, liberdade, igualdade, hierarquia, família, etc. São mais diferentes do que as existentes entre ideologias políticas e regimes políticas, elemento que não vai desaparecer no curto prazo. Claro, diferença não significa obrigatóriamente conflito e violência.
As pesquisas e opiniões sobre o papel, lugar e perspectiva desta ou daquela civilização, variam bastante e muitas são até opostas. Há um bloco de estudos assinalando que a época de triunfo da civilização ocidental chegou ao fim e prevêm liderança num futuro próximo da China, Índia, Japão ou mesmo Brasil. Pensamos que independentemente das últimas mudanças essenciais (crise económica mundial, problemas de globalização etc.) a civilização ocidental ainda continua a liderar e provavelmente no futuro próximo assim vai continuar, ainda que prever o futuro a longo prazo seja algo ingrato ou impossivel. A vida e a realidade sociais são muito mais ricas e complicadas do que os nossos conhecimentos sobre elas. A “moda” da futurologia dos anos 60 do século passado não durou muito. Os “famosos futurologistas” quase sempre falharam. Conseguirem prever alguns desenvolvimento da técnica, mas não o fim da guerra fria, nem a queda da União Soviético, a globalização etc.
Seja como for, atualmente, só a civilização japonesa pode competir com a civilização ocidental, graças à força da sua economia. Pouco a pouco o mundo move-se no sentido da civilização ocidental. Claro que esta aproximação muitas vezes ocorre doentiamente.
O mundo modifica-se, moderniza-se e a palavra “modernização” muitas vezes é versão disfarçada da palavra “ocidentalização”. A cultura ocidental, sobretudo americana, através da mercadoria, da televisão, dos cinemas, da música, do turismo etc. penetra em todos os continentes, todos os países, todas as áreas. Forma outros ideais, outras visões do mundo, outra mentalidade para as novas gerações. Há países onde, mesmo a nível estatal oficial, luta-se contra esta intervenção cultural (sobretudo em alguns países islâmicos), mas nem sempre com êxito, pois não podem fechar todas as portas e janelas à penetração da cultura ocidental, embora este processo não seja unilateral. De facto, ocorre também uma certa convergência civilizacional. Disto falaremos no próximo número.
REFERÉNCIAS BIBLOGRAFICAS
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- Civilizacao, Wikipédia, a enciclopédia livre, http://pt.wikipedia.org/wiki/CivilizaC%A7%C3%A3o, pagina acessada 24/02/2011.
- Copeland L., Grigas L. Going international. — N.Y., 1985, p. 9
- Почепцов Г.Г. Имидж-мейкер. — К., 1996
- Сзлэкьюз Дж. Ч. Секреты заключения международных сделок.
- Тернер Р. Контент-анализ биографий // Сравнительная социология. Избранные переводы. — М., 1995 с. 186.
- Лотман Ю.М. Беседы о русской культуре. Быт и традиции русского дворянства (XVIII — начало XIX века). – СПб., 1994.
- Гуревич А.Я. Проблемы средневековой народной культуры. – М., 1981.
- Гуревич А.Я. Средневековый мир: культура безмолвного большинства. — М., 1990.
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- Эйкен Г. История и система средневекового миросозерцания. – СПб., 1907.
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- Martin J.G. Racial Ethnocentrism and Judgementor Beauty // Intercultural.
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- Конрад Н.И. Запад и Восток. М., 1972
Bom dia; Boa tarde; Boa noite!!! Gostei muito de ler o artigo pois é um tema bastante pertinente. E sempre que fazer lançamentos de novos artigos irei ler com muito gosto pois é uma pessoa cheia de conhecimentos! Um abraço Professor Yura
Gostei muito de ler o artigo. Achei brilhante a forma como aborda a realidade angolana. Abraços, querido Professor Yura😊👍🏾
Na verdade é bastante sabia a maneira como o professor discorre sobre a realidade multicultural da África em particular da Angola partindo da dialética
Hegeliana : Tese antítese e síntese
Tese , que vai ser a realidade sobre a mistura de cultura;ocidental e Africana em particular as de Angola que na maioria dos casos despresa-se a cultura nacional e superioriza-se a cultura mundial,gerando assim um conflito cultural e um obstáculo para o crescimento e desenvolvimento da África .
Antítese, que será o ponto de vista dos Angolanos alguns deles muito nacionalistas defendendo que Angola teria um desenvolvimento sustentável mesmo se os Europeus não a colonizassem .
Sintese , que vai ser o resultado da harmonização da tese com a antítese , defendendo ainda que amiúde um certo equilíbrio entre a cultura mundial e a cultura nacional.
Bem como defendo em meu artigo a dialectica do multiculturalismo e a misticidade cultural em Angola, nós Angolanos somos dotados não de uma identidade cultural própria mas sim, resultados de uma mistura cultural entre a europeia e africana .
Deste modo inconcebível falar de desenvolvimento, sem a união entre estás culturas.Em Angola, há uma discrepância entre aqueles que se identificam com a cultura europeia e aqueles que se identificam com acultura africana fruto dessa diferença verifica-se indivíduos muitos ricos e aqueles que nem pão conseguem dar aos seus filhos .
Portanto concordando com a ideia do professor o Angolano é dividido em duas partes que são: Base africana , superestrutura europeia , assim, O homem africano precisa de uma compreensão filosófica para perceber-se a si mesmo.
Gostaria que o professor continuasse com o atrigo e quiçá transforma-lo em um livro e todos teriam a oportunidade de ler este rico esrcrito .