Dialética do particular e do geral nas culturas

 Yura Udumyan

                                                               Instituto Superior Politecnico Sinodal

                            Lubango-Angola

                                                         

INTRODUÇÃO

 

A problemática das particularidades culturais dos diferentes povos e a unidade de diferentes culturas sempre interessou aos investigadores. Tais investigações tinham e têm  valor teórico mas sobretudo  valor prático,  pragmático até.

Teóricos, filósofos, sociólogos, grupos sociais ou indivíduos tentam absolutizar, exagerar o papel e lugar  do particular ou do geral na cultura e não só.

A diferença, até contradição, entre a cultura mundial, nacional e local é mais evidente nos países em vias de desenvolvimento, incluindo Angola. É que nestes países, particularmente em Angola, muitos valores e sistemas da cultura, incluindo os sistemas de valorização, foram introduzidos de fora, no caso de Angola da Europa, de Portugal. Os europeus vieram e trouxeram a sua superestrutura social (o sistema de governação europeu, o seu sistema jurídico, sistemas da comunicação social, a sua filosofia, arte, moral, religião).  Tentaram obrigar os locais a esquecer a sua memória social, a sua história. Num certo sentido Angola deixou de ser o sujeito da história, tornou-se só objeto da história. Como resultado disto os angolanos, no seu caminho para o futuro, frequentemente  encontram não os seus antepassados, mas antepassados dos outros. Isto cria sérias dificuldades na via do desenvolvimento. Claro que, como quase todos os fenómenos sociais, este também pode ser qualificado unilateralmente como só negativo. Tem aspetos positivos também.

A introdução, a obrigação e a utilização da cultura do outro, da cultura mundial, durante séculos, teve os seus resultados negativos e positivos. Por exemplo, na Angola atual, como resultado disto, muitos estão inclinados para a Europa, para a cultura mundial, olhando para a cultura nacional ou local com certa ironia. Alguns, sobretudo na capital, orgulham-se de não dominarem nenhuma língua nacional. Alguns jovens, estudantes abertamente, mesmo na sala de aula, vão ao ponto de dizer que preferiam ser  brancos, europeus, por exemplo francêses.

Ao contrário desta visão unilateral formou-se e existe uma outra aproximação diametralmente oposta que, num certo sentido, é resposta à visão acima referida; é autodefesa e, em certos quadros, tem um conteúdo democrático. Esta visão exagera o lugar e papel do tradicional, local, nacional. Por vezes  olha com algum ódio para a cultura e valores de fora. Os representantes desta conceção consideram que, por exemplo, se os europeus não chegassem a Angola, hoje ela poderia ser um dos países mais desenvolvidos do mundo e talvez a língua de comunicação mundial fosse umbundo. Como explicação lembram que antes da chegada dos europeus ao território da Angola atual haviam estados, organizações politicas bem formadas até com elementos de democracia. A maior parte dos representantes desta visão são patriotas. Mas às vezes o patriotismo exagera, aproximando-se do nacionalismo, que pode ter certas explicações mas não justificações. Sobre a diferença de patriotismo e nacionalismo falaremos adiante.

Há uma terceira visão: a cultura mundial e a cultura nacional, a cultura europeia e a cultura angolana, o moderno e o tradicional estão, ou pelo menos devem estar, em unidade, numa interligação dialéctica. Complementam-se entre si. Esta harmonia hoje ocorre mais fácilmente nos países desenvolvidos e, por vezes de forma pouco adequada, nos países em vias do desenvolvimento, incluindo Angola

Durante esta investigação penso basear-se em primeiro lugar na realidade  angolana, tentando juntar os meus conhecimentos de Angola (há sete anos que trabalho em Angola nos sistemas das Nações Unidas e ensino universitário: visão de dentro) aos de outros países (viajei muito, trabalhei em diferentes países, conheço línguas: visão de fora).

Para alcançar os objetivos da estrutura do trabalho acima referida e  não deturpar a primeira lei da lógica aristotélica, a lei da identidade, vamos clarificar os conteúdos e sentidos das palavras e expressões chaves para este trabalho.

Vamos começar pela dialéctica do singular (particular) e do geral. O nosso objetivo não é entrar em detalhes. Apoiado na dialéctica hegeliana, este trabalho considera mais aceitável que o singular ou particular é um objeto que possui uma série de traços especiais, inerentes somente a ele. São estes traços que destacam este objeto entre muitos outros.

No entanto qualquer coisa singular ou particular, não existe por si própria, sem nexo com outros objetos e fenómenos. Cada objeto, além dos traços individuais, próprios somente a ele, tem também traços comuns com outros objetos. O geral constitui aquilo que é inerente a uma quantidade de objetos singulares, particulares. Em qualquer objeto, o singular e o geral estão em unidade dialéctica. Por um lado, o singular encerra o geral e não existe de outra forma senão no quadro do nexo conducente ao geral. Levando em consideração a relação entre  singular, geral e a existência do geral no particular, a dialéctica hegeliana considera que qualquer particular é de uma ou outra forma o geral. Por outro lado, o geral é essência do particular.

O particular e o geral não só estão interligados, mas também mudam constantemente. O limite entre eles é móvel. No processo de desenvolvimento, em determinadas condições, transformam-se no outro: o particular torna-se geral e vice versa. Por exemplo, a cultura angolana em relação à cultura mundial é particular mas, em relação as culturas dos grupos étnicos angolanos torna-se geral. A consideração da dialéctica do particular e do geral tem uma grande importância para a atividade científica e prática. Somente o conhecimento do nexo mútuo e da dialéctica do singular e do geral permite orientar-se profundamente em toda a complexidade dos diversos processos da realidade, revelar as leis do seu desenvolvimento e utilizá-las corretamente na atividade prática.

Quanto ao termo cultura, existem mais de 150 definições, mas nenhuma delas pretende incluir todos os aspetos e perceções do fenómeno. Isto significa que a categoria ainda está longe de ser bem investigada. Os filósofos neste caso dividem o mundo em duas partes: a tudo aquilo que surgiu e existe sem participação ou interferência do homem chamam natura (natureza), a tudo  que foi criado pelo homem, incluindo os métodos da criação e sistemas de avaliação, chamam cultura (mundo humano e humanizado). Por exemplo, a mata criada pela natureza é natura e a mata plantada pelo homem é cultura. Podemos dizer quanto menos é desenvolvida uma sociedade tanto mais é circundada pela natura. A filosofia divide a cultura em material e espiritual. Elas estão interligadas, uma não pode existir sem a outra. Muitas vezes  é bastante difícil conhecer os limites entre elas, distinguir a obra de dada cultura, se faz parte da cultura espiritual ou material. Neste caso a orientação pode ser a seguinte: se uma dada obra  satisfaz as necessidades espirituais do homem, então faz parte da cultura espiritual e se antes de mais nada satisfaz as necessidades materiais, é parte da cultura material.

Pensamos que não vale a pena entrar em detalhes. Para este trabalho consideramos mais aceitável a interpretação antropológica da cultura. Antropologia entende a cultura como a totalidade de padrões aprendidos e desenvolvidos pelo ser humano. Segundo a definição de Edward Burnett Tylor, sobre a etnologia (ciência relativa ao estudo da cultura) a cultura seria “o complexo que inclui conhecimento, crenças, artes, morais, leis, costumes, outras aptidões e hábitos adquiridos pelo homem como membro da sociedade”. Portanto, corresponde neste último sentido, às formas de organização de um povo, seus costumes e tradições transmitidas de geração em geração (1).

No âmbito deste trabalho, sobre a civilização entenderemos o estágio mais avançado de determinada sociedade humana. Num sentido mais amplo, a civilização designa toda uma cultura de determinado povo e o acervo de suas características sociais, científicas, políticas, económicas e artísticas próprias  (2). A civilização é a essência da cultura, é a unidade cultural no nível máximo.

O patriotismo é  sentimento e auto consciência da unidade espiritual do respetivo povo e  da sua peculiaridade cultural – dos costumes, tradições, crenças. O patriotismo possui uma grande força regulativa e vivificante: contribui para a unificação dos homens da mesma nacionalidade, de certa maneira tem o papel de defesa, que permite salvaguardar a sua unidade e determinação sociocultural na comunidade contra outros povos e nações que tentem humilhar os seus interesses, contra a assimilação etc.

O patriotismo contribui para elevação da cultura geral da nação, do seu desenvolvimento histórico na família das nações. Do processo de educação do homem resulta a formação do gosto pela arte nacional, do respeito às condutas, costumes, tradições, sentimento de orgulho aos heróis da sua história e cultura, cuja memória vive na alma dos homens, transmitida de geração a geração. Contribui para unificação do povo e da nação como unidade especial. O significado educativo do patriotismo é muito grande: é uma escola onde se desenvolve a perceção das ideias e sentimentos nacionais, toma-se consciência da necessidade de atenção sólida e máxima para com o todo nacional, desde a natureza até à esfera da arte e aos sentimentos de dignidade nacional.

Mas tudo deve ter a sua medida. Da mesma forma que a hipertrofia nas orientações da consciência do sujeito em si mesmo, conduz ao egoísmo, a hipertrofia das especificidades nacionais, o exagero da importância dos valores nacionais pode conduzir ao nacionalismo. Alguns autores comparam o nacionalismo com a peste.

O nacionalismo revela egoísmo nacional. Nação e nacionalismo são coisas muito diferentes, tal como o individuo e o seu eventual egoísmo agudizado. O fundamento do nacionalismo são as ideias da superioridade nacional e exclusividade nacional, que engendra arrogância nacional. Amor à pátria é coisa bela, mas há algo maior – amor à verdade. Nós nunca devemos esquecer isto, pois o amor cego à pátria liga-nos ao patriotismo instintivo. Uma das tentações do nacionalismo é  justificar o seu povo em tudo e sempre, exagerar a qualidade (mérito, dignidade) dele e deitar as culpas às forças “sempre-raivosas”, “traidores-inimigos”.

Qualquer povo que queira uma vida rica de conteúdo, não pode ficar separado –  tem de ultrapassar-se a si mesmo, sentir-se mesmo mais do que ele é:  tem de mergulhar nos interesses supra nacionais, na vida histórica mundial da humanidade. Para qualquer povo com grandes características naturais e históricas,  não é de nenhuma maneira natural fechar-se em si mesmo, nem viver apenas para si mesmo, sublinhando sempre o seu ego nacional ou, pior ainda – impor-se aos outros. Isto significaria isolar-se de sua vocação e de todo progresso histórico mundial da humanidade.

Há uma verdade simples: quanto mais alta for a consciência nacional do povo e forte o sentimento de dignidade nacional, tanto mais respeito e amor terá aos outros povos. Sem verdadeiro amor pela humanidade não há e não pode haver verdadeiro amor pela pátria.

Em Angola a palavra nacionalismo, por exemplo no jornalismo, em palestras, discussões, conversas em geral, confunde-se com a palavra patriotismo.

 

 

 

 

 PARTE  I

                  DIFERENÇAS E PARTICULARIDADES NAS CULTURAS

 

 

 Cada cultura tem a sua própria lógica, a sua visão do mundo. O que é significativo e importante numa cultura pode  não ser importante nem essencial na outra. Por isso é preciso sempre relacionar-se com muito respeito е cautelosamente com o seu parceiro de outra cultura. Ele realmente é diferente e tem direito de ser diferente. Este respeito e atenção será motivado não só pela simples curiosidade, mas ainda pelo interesse em conhecer algumas particularidades e características de outro país ou região.

Quando eu estudava em Moscovo tinha boas relações com um grupo de estudantes angolanos. Geralmente comiamos juntos. Muitas vezes queixavam-se que a comida de Moscovo não era saborosa e se fosse um funje eu poderia perceber o que é a verdadeira comida. Depois, trabalhando em Angola, percebi que o funje tem valor na cultura de Angola, porém  nada de especial para mim, pois prefiro as comidas da minha nacionalidade. Os vestidos das mumuilas são cómodos e bonitos para elas, embora para representantes de outros grupos étnicos possam até parecer estranhos.

O tempo e o espaço também têm leituras distintas nas diferentes culturas.

Se na cultura ocidental o tempo mede-se com exatidão e o atraso considerado como uma falha (lembre-se: a pontualidade é regra dos reis), na África, na América Latina ou em muitos países da Ásia o atraso não será surpresa para ninguém. Além disso, ser  tratado com seriedade, obriga a gastar algum tempo com conversas triviais, rituais. Apresentar precipitação e pressa pode gerar conflito cultural. Em 1997 eu trabalhava nas Nações Unidas. Deveria transportar medicamentos da Jamba (Kuando-Kubango) para Mucusso, na fronteira com a Namíbia. No carro levei comigo também um enfermeiro da UNITA. Todos lhe chamavam  doutor Libombo. Ultrapassamos o deserto com dificuldades e aventuras, mas no dia seguinte começamos a cerimónia da entrega. Percebi que o doutor Libombo já tinha encontrado o chefe do serviço de saúde de Mucusso alguns anos antes, quer dizer já se conheciam um pouco e o doutor Libombo perguntou-lhe muitas coisas não ligadas à nossa missão. O chefe  contou-lhe  tudo o que aconteceu nos últimos anos, sobretudo lembrando que na sua família faleceu uma pessoa. Para mim tolerar toda esta cena foi difícil, finalmente interrompi para realizar a entrega dos medicamentos. Á noite o doutor Libombo falou comigo zangado, disse que eu quebrei a cultura deles, que o chefe do serviço de saúde tinha o direito de colocar as suas perguntas. Os árabes tomam café conversando, podendo isto durar muito tempo e consideram-no como “fazer algo”, enquanto os americanos olham para isso como desperdício, perda de tempo (3). Assim, para muitos árabes a pontualidade exata, rigorosa, pode ser considerada como uma ofensa pessoal. Os etíopes, de modo geral, consideram tudo o que se faz por longo tempo como algo muito prestigiante: quanto mais dura melhor.

A perceção do espaço nas diferentes culturas também assinala diferenças. Angola é um pais multiétnico e num certo sentido multicultural. As culturas diferenciam-se não só pelo fator étnico mas também em virtude das regiões, gerações, educação etc. Seja como for na, maior parte dos casos para os angolanos, sobretudo a nível tradicional, o espaço é aberto. Na maioria das aldeias e subúrbios das cidades, as casas são construídas muito próximas com quintais comuns, sem limites rigidos. Se acontecer um facto pouco rotineiro ou se falar mais alto os vizinhos vão ouvir também. Quer dizer, vivem quase numa família ampla, tentam resolver os problemas juntos. O espaço social é comum. Na maior dos casos o espaço é comum dentro da casa também. Nas casas tradicionais,  mesmo com divisão entre os quartos, os tetos não são fechados com paredes até cima, o teto é comum a toda a casa. A família angolana é ampla pela linha vertical (sob o mesmo teto, na mesma família vivem diferentes gerações, bisavôs, avós, filhos, netos) e pela linha horizontal (em baixo do mesmo teto vivem sobrinhos, primos etc.). Todos eles ocupam o mesmo espaço físico e social. Não obstante, hoje muitos angolanos constroem casas como castelos, cercados por muros altos, onde  vive só uma geração. É uma mudança na interpretação do espaço.

Os latino-americanos e europeus, nos seus habitats costumeiros conversam a diferentes distâncias (4). Colocados lado a lado, o latino vai tentar estar numa distância normal para ele, quer dizer bem próximo enquanto o europeu pode sentir isto como intervenção, penetração no seu espaço privado e tentará se afastar. Em resposta, o latino-americano, vai aproximar-se mais uma vez, o que, do ponto de vista europeu, será percebido como uma expressão de agressão. O norte-americano, entrando para o pátio, quintal ou jardim do latino-americano, sente-se murado, pois na sua terra natal os quintais ou jardins de residência não têm sequer cercas. George Bush e Mikhail Gorbachev em 1989  encontraram-se, não no território de um deles, mas em navios militares perto de Malta, introduzindo alguma liberdade e igualdade nas relações, com cada um fora do ambiente habitual e fora também  das condicionalidades de um ou de outro lado.

As diferentes culturas usam diversas comunicações não verbais. Por exemplo, dentro da cultura “negra” norte-americana é considerado rude olhar diretamente nos olhos do professor. Há também diversas variantes em  manifestações simples diárias: uma maneira especial de andar ou um movimento especial dos olhos que pessoas de outra cultura podem nem notar. Um angolano para mostrar a altura de uma pessoa ergue o braço com a palma da mão virada para cima e para a altura de um animal ergue o braço na posição horizontal com a palma da mão vertical. O europeu para mostrar a altura da pessoa ou do animal faz isso com a palma da mão na posição horizontal.

Diferentes povos têm diferentes visões sobre relações hierárquicas. China e Japão respeitam-nas muito, enquanto os americanos tentam demonstrar igualdade.

No caso de Angola o valor das relações hierárquicas está muito exagerado. Neste caso, talvez no lugar da expressão “cultura de chefe”  deva utilizar-se “culto de chefe”. Penso que antes da chegada do europeu, a população que vivia no território da Angola atual, também tinha um culto dos chefes, os reis eram considerados próximos dos deuses. Portugal introduziu o seu sistema de hierarquia feudal, muito burocrática. Hoje Portugal já ultrapassou a maior parte desta burocracia feudal, mas Angola ainda tem caminho a percorrer. Claro que a burocracia tem alguns aspetos positivos: por exemplo, reduz as hipoteses de erros em muitas pessoas e pode diminuir a corrupção. Nas cerimónias, reuniões ou encontros, o moderador perde muito tempo apresentando os presentes um por um, sublinhando os seus títulos (excelentíssimo, meritíssimo, digníssimo etc. puro feudalismo). Ou ainda como se escrevem as cartas oficiais, requerimentos utilizando uma linguagem formal, arcaica, papel especial (25 linhas). Há muitos casos, mesmo simples, nos quais  primeiro faz-se uma solicitação para em seguida escrever o requerimento, paga-se  selo e carimba-se. O diretor subscreve e manda para o ministro, o ministro subscreve e manda para o diretor e assim por diante.

Os empresários ou negociantes ocidentais, como os angolanos, tentam realizar as suas negociações num ambiente confidencial, olho no olho. Na cultura árabe, dentro da sala existem outras pessoas também (5). Eventuais contradições das diferentes atitudes podem facilmente levar a conflito.

Entre várias culturas há diferenças nos sistemas dos valores também. Um objeto ou fenómeno pode ter um valor alto numa cultura e ser insignificante numa outra. Vamos imaginar uma situação. Você viaja num navio com filho, esposa e mãe. O navio começou a afundar. Você pode ajudar apenas uma pessoa. Quem será? Na cultura ocidental, 60% iria salvar ao filho, 40% a esposa. E ninguém vai salvar a mãe. Na cultura oriental 100% salvará a sua mãe. Os representantes desta cultura explicam que a gente pode se casar novamente, ter mais filhos mas nunca terá outra mãe.

Realmente a cultura dá-nos muitas possibilidades para formação da personalidade. E aqui tem grande papel o conhecimento das línguas. Aprender uma nova língua é adquirir um novo mundo. Na minha terra (Arménia), dizem, o número de línguas que conheces fazem de ti um numero equivalente de pessoas. Muitos problemas surgem no caso de tradução inadequada. Por exemplo, a palavra intermediária nas diferentes línguas pode ter diferentes significados.

Assim, temos com frequência pela frente não só outra cultura mas, sem exagero, um outro mundo. Muitos autores para conhecer o carácter nacional destes “outros mundos”  analisam os contos mais amados e queridos do povo, tentando perceber porque é que eles são amados e que elementos destes contos desempenham o papel mais importante para os leitores e ouvintes(6).

Alguns sinais idênticos  têm diferentes significados consoante as culturas. Os búlgaros, por exemplo, fazem (em relação a nós) diferentes movimentos para marcar o “sim” ou o “não”. Em algumas culturas o elemento comum das negociações é um brinde. A cultura ocidental claramente considera isso como um suborno, já em outras culturas é visto como atenção, boas maneiras.

A cultura não é uma coisa fixa, petrificada, passa por muitas mudanças ao longo dos séculos. Livros escritos na nossa própria língua, tal como agora a conhecemos, escritos alguns séculos atrás ficariam incompressíveis. Assim, lendo as obras de Camões, Shakespeare, Cervantes, Pushkin não se percebem muitas coisas sem conhecer a cultura da época deles. Para facilitar a perceção destas e outras obras, muitas vezes publicam-se dicionários e enciclopédias da cultura aristocrática da época (7).

O mesmo podemos dizer sobre a cultura da Idade Media. Para conhecê-la temos que conhecer os parâmetros especiais da época (8, 9, 10, 11, 12 , 13,  14). Seguindo a mesma lógica podemos dizer que na perceção e interpretação da essência das lendas, contos ou historias angolanas, alem de conhecimento da língua, será necessário  conhecer os  parâmetros especiais da época de criação.

Diferentes culturas apresentam diferentes regras para troca de informações. Um representante da cultura oriental, em princípio mais fechado, pode usar um longo tempo para tomar decisões, como fazem, por exemplo, japoneses ou chineses. Os japoneses têm mais uma característica, que frequentemente induz os negociantes em erro: em pricípio eles  não podem dizer um “não” categórico. Cuidadosamente inventam variadas formas, expressões, tentam mesmo  não objetar. No quadro da sua cultura  dizer “não” diretamente pode ser considerado como falta de educação. Boa parte dos angolanos frequentemente dão respostas positivas, que muitas vezes podem não corresponde à realidade, talvez como reflexo de boa vontade. Quando nas ruas eu pergunto alguma coisa a alguma pessoa, peço-lhe  que se não souber diga que não sabe e não dê qualquer “resposta positiva”.

Quando as culturas são bastante próximas, uma delas pode absorver  a outra. Por exemplo, uma investigação interessante sobre a beleza feminina na sociedade americana mostrou que os brancos americanos e os negros americanos já  têm os mesmos ideais de beleza (15). Mas isso cria uma situação de conflito, entre  negros americanos ou em relação  a eles,  em virtude de, por exemplo, existirem critérios de beleza feminina tipicamente “brancos”. Este exemplo vem novamente demonstrar que até a fusão de culturas apresenta conflitos.

Devido às diferenças ou contradições culturais  certos pensadores prognosticam até uma terceira guerra mundial. Por exemplo o famoso investigador americano  Samuel Huntington na sua obra Choque das Civilizações,  prognosticou  guerra mundial nas fronteiras das civilizações, ou seja, para ele a próxima guerra será uma guerra de civilizações, de culturas. Escreveu que  os conflitos  já foram  entre reis, depois entre nações, depois entre ideologias mas, com o fim da guerra fria teria acabado a politica internacional tradicional, substituida pelas contradições entre Ocidente e civilizações independentes. Nesta nova etapa, os povos e governos das civilizações independentes já não são só  objetos da História,  alvos da politica ocidental colonial. Em paralelo com o Ocidente criam História e tornam-se sujeitos nela. S. Huntington pensa que a maior parte da História é Historia das civilizações. Para A, Toinby a História humana conheceu 21 civilizações. A maioria surgiu, desenvolveu-se e desapareceu. Hoje  ainda continuariam  seis civilizações: Ocidental, Confucionista, Japonesa, Islâmica, Hinduísta, Ortodoxo-Eslava, Latino-americana. Fala-se também da formação da civilização Africana mas penso que os países africanos estão  muito inseridos nas civilizações Ocidental ou na Islâmica.

As diferenças  entre estas culturas ou civilizações revelam-se essenciais. Elas não são parecidas nem por língua, nem por historia, nem por tradições e, o que é mais importante, nem pela religião. Tem diferentes imagens sobre direito, liberdade, igualdade, hierarquia, família, etc. São mais diferentes do que as existentes entre ideologias políticas e regimes políticas, elemento que não vai desaparecer no curto prazo. Claro,  diferença não significa obrigatóriamente conflito e violência.

As pesquisas e opiniões sobre o papel, lugar e perspectiva desta ou daquela civilização, variam bastante e muitas  são até opostas. Há um bloco de estudos assinalando que a época de triunfo da civilização ocidental  chegou ao  fim e prevêm liderança num futuro próximo da China, Índia, Japão ou mesmo  Brasil. Pensamos que independentemente das últimas mudanças essenciais (crise económica mundial, problemas de globalização etc.) a civilização ocidental ainda continua a liderar e provavelmente no futuro próximo assim vai continuar, ainda que prever o futuro a longo prazo seja algo ingrato ou impossivel. A vida e a realidade sociais são muito mais ricas e complicadas do que os nossos conhecimentos sobre elas. A “moda”  da futurologia dos anos 60 do século passado não durou muito. Os “famosos futurologistas” quase sempre falharam. Conseguirem prever  alguns desenvolvimento da técnica, mas não o fim da guerra fria, nem a queda da União Soviético, a globalização etc.

Seja como for, atualmente, só a civilização japonesa  pode competir com a civilização ocidental, graças à força da sua economia. Pouco a pouco o mundo move-se no sentido da civilização ocidental. Claro que esta aproximação muitas vezes ocorre doentiamente.

O mundo modifica-se, moderniza-se e a palavra  “modernização”  muitas vezes é versão disfarçada da palavra “ocidentalização”. A cultura ocidental, sobretudo americana, através da mercadoria, da televisão, dos cinemas, da música, do turismo etc. penetra em todos os continentes, todos os países, todas as áreas.  Forma outros ideais, outras visões do mundo, outra mentalidade para as novas gerações. Há países onde, mesmo a nível estatal oficial, luta-se contra esta intervenção cultural (sobretudo em alguns países islâmicos), mas nem sempre com êxito, pois não podem fechar todas as portas e janelas à penetração da cultura ocidental, embora este processo não seja unilateral. De facto, ocorre também uma certa convergência civilizacional. Disto falaremos no próximo número.

 

 

       REFERÉNCIAS BIBLOGRAFICAS

  1. Cultura, Wikipédia, a enciclopédia livre, http://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura, pagina acessada 24/01/2011.
  2. Civilizacao, Wikipédia, a enciclopédia livre, http://pt.wikipedia.org/wiki/CivilizaC%A7%C3%A3o, pagina acessada 24/02/2011.
  3. Copeland L., Grigas L. Going international. — N.Y., 1985, p. 9
  4. Почепцов Г.Г. Имидж-мейкер. — К., 1996
  5. Сзлэкьюз Дж. Ч. Секреты заключения международ­ных сделок.
  6. Тернер Р. Контент-анализ биографий // Сравнитель­ная социология. Избранные переводы. — М., 1995 с. 186.
  7. Лотман Ю.М. Беседы о русской культуре. Быт и тра­диции русского дворянства (XVIII — начало XIX ве­ка). – СПб., 1994.
  8. Гуревич А.Я. Проблемы средневековой народной куль­туры. – М., 1981.
  9. Гуревич А.Я. Средневековый мир: культура безмолвно­го большинства. — М., 1990.
  10. Кардини Ф. Истоки средневекового рыцарства. — М., 1987.
  11. Карсавин Л.П. Культура средних веков. — П., 1918.
  12. Ле Гофф Ж. Цивилизация средневекового Запада. -М., 1992.
  13. Эйкен Г. История и система средневекового миросо­зерцания. – СПб., 1907.
  14. Eco U. Art and beauty in middle ages. – New Haven etc., 1986.
  15. Martin J.G. Racial Ethnocentrism and Judgementor Be­auty // Intercultural.
  16. СоловьевC. Сочинения: В 2 т. М., 1988. Т, 2. С. 579—580.
  17. Конрад Н.И. Запад и Восток. М., 1972

 

Análise da História de Martin Luther King e o Movimento Pelos Direitos Civis Do Negro Americano: O Amor Como Força Mobilizadora da Luta Não Violenta

  Angela Rebelo da Silva Arruda

                                               Mestre em História Social pela Universidade Federal do

                                                                                                                          Amazonas   

  E-mail:angelarebeloarruda@gmail.com

 

Resumo

Refletir sobre a história do movimento civil dos negros americanos é refletir sobre a liderança de Martin Luther King e sua radical opção pela luta não violenta. Um radicalismo mergulhado em sua coerência cristã que foi capaz de mobilizar homens e mulheres negros, principalmente nos estados mais segregados da América, a alcançar importantes conquistas com projeções nacionais e no mundo inteiro. O amor, valor este refletido em toda a experiência desse movimento, é um desafio a ser explorado pelas abordagens historiográficas, já que assim como o ódio também é capaz de desencadear e sustentar as insurreições sociais. Este trabalho pretende contribuir na análise da experiência de King e do movimento antissegregacionista compreendendo o amor como substância do protesto não violento.

 

PALAVRAS-CHAVE: Martin Luther King, movimento negro, amor.

 

 

 

 

ANALYSIS OF MARTIN LUTHER KING’S HISTORY AND THE MOVEMENT BY THE AMERICAN BLACK CIVIL RIGHTS: LOVE AS FIGHTING MOBILIZING FORCE NOT NON-VIOLENT

 

ABSTRACT

Reflecting on the history of the black American civil movement is to reflect on the leadership of Martin Luther King Jr. and his radical option for nonviolent struggle. A radicalism immersed in his Christian coherence that was able to mobilize black men and women, especially in the most segregated states of America, to achieve important achievements with national and worldwide projections. Love, a value that is reflected in the whole experience of this movement, is a challenge to be explored by historiographic approaches, since just as hate is also capable of unleashing and sustaining social insurrections. This paper intends to contribute to the analysis of the experience of King and of the antisegregationist movement comprising love as the substance of nonviolent protest.

KEYWORDS: Martin Luther King, black movement, love.

 

 

 

Ao longo da vida, deve se ter sensibilidade e moral o bastante para romper os grilhões do mal e do ódio. A melhor maneira de fazer isso é pelo amor. Creio firmemente que o amor é um poder transformador capaz de erguer toda uma comunidade a novos horizontes de retidão, boa vontade e justiça. (Martin Luther King Jr.).

 

 

            O historiador E. P. Thompson (1981: 190) observou que “toda luta de classes é ao mesmo tempo uma luta acerca de valores”, pois “as pessoas não experimentam sua própria experiência apenas como ideias, no âmbito do pensamento e de seus procedimentos”, mas, “elas também experimentam sua experiência como sentimento e lidam com esses sentimentos na cultura”, como “valores” e nas “convicções religiosas”. Avaliar a trajetória da luta pelos direitos civis do negro americano pela presença marcante de Martin Luther King Jr., não só é ratificar o processo histórico enquanto uma experiência de valores, como talvez se deparar com o pessimismo da crise de princípios que se abateu na sociedade contemporânea, isto é, “vivemos num mundo de exclusões, agravadas pela desproteção social, apanágio do modelo neoliberal, que é também criador da insegurança”. (SANTOS, 2004: 48; 59).

            O geógrafo Milton Santos (2004: 61) observou que “a nova lei do valor é uma filha dileta da competitividade” e “desse modo, o caminho fica aberto ao abandono das solidariedades e ao fim da ética”. Nesse sentido, uma onda de nostalgia poderia nos invadir diante da experiência de King e a luta do movimento pacifista do negro americano colocando-a mais ainda no terreno da utopia, isto é, enquanto sociedade ideal e, irreal.

             Tal pessimismo, contudo, revelaria uma visão equivocada da questão. O mesmo movimento que, em nome do amor, clamou por dignidade era contemporâneo dos que não estavam do lado da justiça e da promoção humana. Na mesma época, história e sociedade homens e mulheres submeteram-se ao martírio e com orgulho honraram sua luta enfrentando seus algozes, tais como os membros da Ku Klux Klan e autoridades como Bull Connor que com suas ações recorriam à violência e à brutalidade.

             Isso significa que assim como a presença e a ausência de valores faz parte de todas as épocas e é comum em todo processo histórico – tomando como referência a polaridade dos valores onde o aspecto negativo é frequentemente denominado desvalor (MORA, 2001: 2972) –, a dignidade humana enquanto necessidade permanece como bandeira de luta ao longo dos tempos e por essa razão, acordar ou lembrar a eficácia do movimento não violento de King permanece igualmente relevante e necessário.

Povos oprimidos de todo o mundo anseiam por liberdade, usualmente, a história tem preferido lidar com esse grande e pertinente tema focando na luta armada, e, muito marginalmente, na resistência pacífica. Assim, de certa forma, ela tendeu a subestimar os protestos que, sob os moldes pacifistas, foram capazes de mobilizar homens e mulheres por justiça social.

Nesse sentido, a sublevação dos povos propagou-se muito mais pelo embate sangrento alimentado pelo ódio, fúria e revolta na conquista por direitos. Mas, tais estímulos não representaram em absoluto as insurreições sociais. É preciso não esquecer que Gandhi conseguiu galvanizar mais de 390 milhões de pessoas a alcançar a liberdade sob o valor da não violência (KING, 2014: 159).

 

A história como a conhecemos é um registro das guerras do mundo, tanto que há um provérbio entre os ingleses de que uma nação que não tem história, ou seja, sem guerras, é uma nação feliz. Como os reis agiram, como se tornaram inimigos uns dos outros, tudo isso se encontra registrado com precisão na história; se fosse só isso que houvesse ocorrido no mundo ele teria terminado há muito tempo. Se a história do universo houvesse começado com as guerras, nenhum homem seria encontrado com vida hoje em dia. (…) O fato de que há tantos homens ainda vivos no mundo nos mostra que ele se baseia não na força das armas, mas na força da verdade ou do amor. (GANDHI, 2010: 82).

 

A liderança de Martin Luther King Jr. (2014: 125) inaugurou no cenário americano “a ferramenta social da não violência”. A começar pela cidade de Montgomery que teve uma revolução “diferente das rebeliões de escravos, isoladas, fúteis e violentas. Também foi diferente dos muitos incidentes esporádicos de revolta contra a segregação protagonizados por indivíduos, resistindo do seu próprio jeito às forças da opressão que os submetia”

Estimulados por uma filosofia de um cristianismo socialmente aplicado, a comunidade negra do Sul dos Estados Unidos em sua luta contra a discriminação, permitia-se desabrochar a uma grande causa, em nome de um valor oposto ao ódio. A partir de King, adotara-se o amor como maior estímulo, apresentando uma experiência que se consolidaria muito além da fé religiosa e do terreno da utopia.

Pode ser demasiadamente ousado afirmar que King escolheu o amor para lutar, (e esta foi realmente a sua ousadia), mas não se pode ignorar que as experiências de homens e mulheres de tempos em tempos foram movidas pela multiplicidade de suas paixões. “Tínhamos dignidade porque sabíamos que nossa causa era justa. Não tínhamos raiva, mas paixão – paixão pela liberdade”. (KING, 2014: 267).

        A propósito, a partir das últimas viradas epistemológicas da história, especialmente a Nova História Cultural, tem esta ciência alguns desafios interessantes, como o enfrentamento do amor como tema. Assim, o ódio é dado muito naturalmente, fomentando as dinâmicas sociais sem aparente dificuldade de explicação, mesmo nas abordagens mais conservadoras. De fato, muito mais fácil é provocar o ódio das massas como combustível de revoltas, como pode ser observado nos mais diversos estudos de revoltas populares e grandes revoluções. Contrariamente, a opção racional e consequente da luta não violenta é obviamente uma missão que exige muito esforço, seriedade e equilíbrio, talvez por essa razão, não ocupou ainda o seu devido foco.

        Seria talvez muito mais cômodo simplificar esta abordagem investigando as razões do pacifismo que nascia no movimento negro da América, ao invés de enfrentar o amor como tema na história. Mas a experiência de King exige que se tente esse esforço. É preciso compreender o teor da técnica da não violência que ele havia conquistado entre seus seguidores e isso não seria possível sem notar o amor como um valor fundamental na identidade daquele movimento.

O amor aqui referido certamente pode ser traduzido como dignidade e justiça, os pilares essenciais para a luta corajosa da não violência que estava longe de ser uma postura comodista e passiva, pelo contrário, cobriria a causa de legitimidade, despertando uma força extraordinária capaz de enfrentar toda a opressão e todo o martírio que se abateu sobre tantos que foram capazes de sacrifícios pessoais pela causa, chegando até mesmo a pagar com a própria vida, à exemplo do próprio King.

O amor de King, traduzido na luta não violenta, fora também a escolha racional para lidar com as injustiças sociais sem promover ainda mais vítimas. Como Mandela na África do Sul, King também percebeu que responder às opressões com ódio resultaria em uma sangrenta e gigantesca guerra civil em que negros seriam massacrados.

 

Qualquer um que lidere uma rebelião violenta deve se dispor a fazer uma avaliação honesta com respeito às possíveis baixas de uma minoria da população confrontando uma minoria rica e bem-armada, com uma direita fanática que se deliciaria em exterminar milhares de negros, homens, mulheres e crianças. (KING, 2014: 388).

 

Isso remete à análise feita pelo historiador Eugene Genovese (1983; 1988) que conseguiu realizar um admirável estudo macro/micro, atuante entre o geral e o particular ao escolher regiões diferentes da América onde a escravidão era praticada, com especificidades próprias e distintas entre elas, num jogo habilidoso de visão abrangente e foco sem se perder em quaisquer das duas perspectivas. Sua análise de conjunto acabou por evidenciar os aspectos históricos das relações entre escravos e senhores; iluminando questões sobre docilidade e submissão e diagnosticando que no lugar disso, existia uma análise da correlação de forças entre eles, alianças e acomodações estratégicas, mas que no final de tudo: havia sempre resistência.

 

O desenvolvimento de um relacionamento orgânico entre senhores e escravos, inserido nas teias do paternalismo, não explica por si só, ou mesmo elementarmente, a baixa incidência das revoltas de escravos durante o século XIX e prova muito menos que os escravos eram infantilizados ou dóceis. (GENOVESE, 1983: 28)

 

Naturalmente, nas condições específicas da época no Velho Sul, ao avaliarem a revolta como suicídio, os negros precisaram utilizar de uma resistência adequada à sua sobrevivência enquanto povo escravizado, mas isso não significou de modo algum, a aceitação passiva da escravidão, nem tampouco, garantiu relações pacíficas entre senhores e entre os brancos de maneira geral. No regime escravocrata sempre houve resistência às injustiças, de modo violento e não violento. O cristianismo, por exemplo, serviu como instrumento contra a desumanização da escravidão. Logicamente, “se durante um longo período, um povo percebe que as dificuldades não são apenas prolongadas, mas virtualmente certas, ele prefere não tentar”. (GENOVESE, 1988).

Se por um lado isso revela uma diminuição na autoconfiança e mesmo um temor, por outro, trata-se de um esforço estratégico para garantir a sua sobrevivência. Afinal, “no Sul dos Estados Unidos, o mais importante de todos os países detentores de escravos, os negros permaneceram em minoria” e “os escravos enfrentavam essa minoria branca virtualmente desarmados”. (GENOVESE, 1988).

No caso da luta pelos direitos civis dos negros americanos, tal qual esse passado histórico, as formas de resistência também precisariam ser avaliadas. Na percepção de King, a não violência  foi vislumbrada como talvez a única chance de vencer, só que desta vez a manutenção da não violência enquanto princípio fundamental mergulharia na convicção do movimento de modo geral e isso consistiria exatamente no vigor de uma ação pronta a testar a sua eficácia. King (2014: 319) também avaliou o papel das lideranças num sentido de preservação das mesmas, pois para ele o negro americano não deveria arriscar perdê-las.

 

Homens de talentos são muito raros para serem destruídos pela inveja, pela ambição e pela rivalidade tribal antes de atingirem a maturidade plena. Da mesma forma que o assassinato de Patrice Lumumba no Congo, o assassinato de Malcolm X privou o mundo de um líder potencialmente grande. Eu não podia concordar com nenhum desses dois homens, mas conseguia ver neles uma capacidade de liderança que podia respeitar e que só estava começando a amadurecer em matéria de perspicácia e sabedoria.

 

Naturalmente – sem deixar de considerar o eterno ‘deve ser’ da natureza do homem no lugar do seu estado atual de ‘é’ (KING, 2014: 308) – nem todos os negros aderiram aos meios da não violência, o que aumentava ainda mais o seu constante desafio. King (2014: 35) adotou uma postura coerente entre métodos e concretizações, afinal “fins construtivos não podem jamais oferecer uma justificativa moral absoluta para o emprego de meios destrutivos, pois, em última análise, o fim preexiste aos meios”. Ele vivenciou sua luta preservando um sentido ético entre meio e fim, pois que, quando “não existem princípios fixos e imutáveis; logo, quase tudo – força, violência, assassinato, mentira – é um meio justificável”.

Sua força moral, isto é, seu valor, o credenciara na expressiva liderança que veio ao encontro da determinação dos negros americanos que buscavam por direitos, como Rosa Parks que nas palavras de King (2014: 70) agiu conforme seu “senso de dignidade e respeito próprio”, sendo presa em 1◦ de dezembro de 1955 por desrespeitar leis segregacionistas e E. D. Nixon que vislumbrou no boicote aos ônibus, um basta ao tratamento dado pelos brancos (KING, 2014: 70).

 

Antes de me ligar, Nixon havia discutido a ideia com o reverendo Ralph Abernathy, o jovem pastor da Primeira Igreja Batista de Montgomery que viria a ser uma das figuras centrais no protesto. Abernathy também achava que o boicote aos ônibus seria nosso melhor curso de ação. (…) Mais de quarenta pessoas, de todos os segmentos da comunidade negra, amontoavam-se no amplo salão de reuniões da igreja. A maioria era de sacerdotes cristãos. Fiquei cheio de alegria ao ver tantos deles lá; senti então que algo incomum estava para acontecer. O reverendo L. Roy Bennett, presidente da Aliança Interconfessional de Montgomery e pastor da Igreja Metodista Episcopal Africana de Mt. Zion, apresentou a proposta de que os cidadãos negros da cidade deveriam boicotar os ônibus na segunda-feira em sinal de protesto. (KING, 2014: 70-71).

 

O protesto americano constituiu assim parte da manifestação legítima da liberdade e da dignidade humana, que se repete nos mais diversos povos, como “as explosões de descontentamento na Ásia e na África” (KING, 2014: 135) enquanto expressões dessa mesma busca “por pessoas que por muito tempo têm sido vítimas do colonialismo e do imperialismo” (KING, 2014: 135) e estabelecem no mesmo binômio a crise mundial mais desafiadora da história da humanidade: a desigualdade.

“Vocês sabem, a igualdade não é somente uma questão de matemática e geometria, mas uma questão de psicologia. Não é apenas algo quantitativo, mas algo qualitativo” (KING, 2014: 115), sem equidade, a igualdade é apenas ficção. O problema da desigualdade é desencadear “o tríplice mal da pobreza, do racismo e da guerra em qualquer lugar do mundo” e isso sempre fora a preocupação vital de King. (SCOTT KING, 2009: 20-21).

Tomando o desafio da desencadeante experiência de Montgomery que conquistara em 1957 e 1960 as Leis dos Direitos Civis, assim como a experiência de Albany na Geórgia, a árdua conquista por um caminho de liberdade em Birmingham, considerada até então a cidade mais segregacionista da América, inspirando a Lei dos Direitos Civis de 1964, e Selma que produzira a Lei do Direito de Voto de 1965, dentre outras tantas peregrinações por cidades americanas do Sul e até mesmo por guetos do Norte, como grande trajetória de luta não violenta, é impossível desprezar a relevância desse líder e da comunidade americana, incluindo negros e brancos, que ofereceram à humanidade, a alternativa de um movimento não violento.

O movimento de Montgomery (KING, 2014: 125) – constituído pela ampla recusa dos negros americanos do estado de Alabama de andar de ônibus de maneira segregada, mas optando por caminharem em vez disso, num boicote brilhante que se utilizou de uma rede particular de veículos e de improviso sem esmorecimento até a sua vitória – representou o início da ação pacifista dos negros americanos que, sob esse formato, possuía Martin Luther King como liderança.

Ainda que alertado pelo próprio King (2014: 82) como uma batalha de difícil entendimento, eis que, no entanto, tratar-se-ia de uma referência instigante para a compreensão, mesmo que insatisfatória, do processo histórico da resistência pacífica. Em suas palavras “nenhum historiador jamais conseguiria descrever de maneira plena esse encontro e nenhum sociólogo seria capaz de interpretá-lo de forma adequada” pois, “era preciso ser parte da experiência para realmente entende-la”.

É King (2014: 81) quem nos apresenta a forma diferenciada com a qual a mobilização aconteceu: “As pessoas ficaram tão entusiasmadas quando as incitei ao amor como quando as incitei ao protesto”. O reverendo de autêntica fé, conquistava, substancialmente, famílias inteiras para que a justiça prevalecesse entre aqueles homens e mulheres. King (2014: 32) estava convicto de que ‘uma religião que termina no indivíduo é uma religião que termina’, isto é, qualquer religião que se preocupe apenas com as almas dos homens sem se importar com as favelas a que eles estejam condenados, com suas péssimas condições de vida, com uma situação econômica e sociais que os debilitem é uma religião “espiritualmente moribunda”.

 

De um lado, devo tentar transformar a alma dos indivíduos para que suas sociedades possam ser transformadas. De outro, devo tentar transformar as sociedades para que a alma do indivíduo sofra uma mudança. Assim, devo preocupar-me com desemprego, favelas e insegurança econômica. Sou um defensor convicto do evangelho social. (KING, 2014: 33)

 

É um erro subestimar o poder da fé, da religião ou de quaisquer outros valores que foram capazes de galvanizar pessoas a causas, no entanto, o que se observa na história da resistência negra que possuía King como uma de suas lideranças mais notáveis, é a enorme capacidade de abstração do que há de essencial no elo que os mantivera unidos na causa, isto é, o amor, este, a bandeira maior da ação libertadora de King e de homens como W. G. Anderson em Albany e Fred Shuttlesworth em Birmingham, que de modo algum, fora somente representativa, mas vivenciada umbilicalmente entre todos aqueles que abraçaram a luta e resistiram até a consolidação das vitórias subsequentes.

Conforme king (2014: 69), só no caso de Montgomery, tratou-se da história de 50 mil negros que com seriedade assumiram os princípios da não violência, aprendendo a lutar pelos seus direitos com as armas do amor, vindo a atingir nesse processo, um novo patamar de seu próprio valor humano.

Para King (2014: 81), o amor não era apenas um dos pontos fundamentais da fé cristã: “há um outro lado chamado justiça” diz ele, “ao lado do amor está sempre a justiça, e só estamos usando as ferramentas que ela nos proporciona”. Como já mencionado, em toda a história da humanidade, são as paixões que comandam as sublevações e revoluções, King (2014: 35) diria isto de outra forma, isto é, “a história é guiada, em última instância, pelo espírito, não pela matéria”.

Propagada por homens como King, a história é diferenciada por combinar militância e moderação pela substância de seus protestos, onde homens e mulheres se entusiasmaram por conquistar dignidade e justiça, em nome do amor fraternal que trocou o ódio pela tolerância, diferenciando-os da hostilidade com a qual eram frequentemente tratados pela comunidade branca. Assim, “a resistência não violenta tinha se tornado a técnica do movimento, enquanto que o amor continuava sendo seu ideal moderador” (KING, 2014: 89).

Apesar da estratégica pacifista, King (2014: 90) tinha consciência de que, muito provavelmente, a maioria deles não acreditava na não violência como filosofia de vida e compreendia sua eficácia pela confiança que eles possuíam em suas lideranças, o que necessariamente envolvia o fato de que a não violência era uma expressão do cristianismo em ação. Em sua autobiografia, King (2014: 124-125) menciona um episódio em que uma mulher negra ao sentar-se num ônibus em local anteriormente destinado exclusivamente aos brancos, não revidara um tapa que havia levado de um homem branco, afirmando que poderia ter reagido fisicamente de modo danoso ao tal sujeito, mas que preferira cumprir com sua determinação de atender ao pedido do reverendo King em assembleia recente.

King (2014: 43) estava ciente de todo o processo e não permitiu cair nas “ilusões de um otimismo superficial a respeito da natureza humana e os perigos de um falso idealismo”, compreendendo “a complexidade do envolvimento social do homem e a realidade patente do mal coletivo”. A tendência a interpretar “o pacifismo como uma espécie de resistência passiva ao mal” expressando “uma confiança ingênua no poder do amor” era muito mais presente no senso comum, mas essa grave distorção não encontrava ressonância na mente de King (2014: 42) que conhecia verdadeiramente o caminho de Gandhi.

 

Gandhi foi provavelmente a primeira pessoa na história a elevar a ética do amor de Jesus acima da mera interação entre indivíduos como uma força social amplamente poderosa e eficaz. Para Gandhi, o amor era um forte instrumento de transformação social e coletiva. Foi nessa ênfase de Gandhi no amor e na não violência que descobri o método de reforma social que estava procurando. (KING, 2014: 39-40).

 

Observou assim King (2014: 42) de que “o verdadeiro pacifismo não é uma não resistência ao mal, mas uma resistência não violenta ao mal”. Tratar-se-ia do “enfrentamento corajoso do mal pelo poder do amor”, acreditando que melhor é ser objeto e não sujeito da violência, já que de outra forma ela só multiplicaria ainda mais. Ele compreendeu que somente a não violência é quem pode “desenvolver no oponente um sentimento de vergonha, e assim produzir uma transformação e uma mudança de disposição”.

Em 1963, numa tarde de domingo, em Birmingham, centenas de negros realizaram um encontro de oração próximo à cadeia municipal. Bull Connor, autoridade que se consagrou inimiga dos cidadãos negros e contrária aos direitos civis destes, ordenou que levassem os cães policiais e as mangueiras de incêndio. Os manifestantes, ao se aproximaram da divisa entre as áreas branca e negra da cidade, deparam-se com a ordem de Connor para que voltassem. O reverendo Charles Billups, líder da passeata, educadamente não obedeceu. Enfurecido, Bull Connor ordenou gritando aos seus homens para que ligassem as mangueiras contra eles (KING, 2014: 253-254):

 

O que aconteceu nos trinta segundos seguintes foi um dos eventos mais fantásticos da história de Birmingham. Os homens de Bull Connor ficaram olhando os manifestantes. Estes, muitos de joelhos, preparados para não usar nada, exceto o poder de seus corpos e almas contra os cães policiais, os cassetetes e as mangueiras de Bull Connor, devolviam os olhares, imóveis e sem medo. Lentamente os negros se levantaram e começaram a avançar. Os homens de Connor, como que hipnotizados, recuaram, as mangueiras permanecendo inúteis em suas mãos enquanto centenas de negros passavam por eles, sem demais interferências, para realizar sua reunião de oração conforme planejado. Ali senti, pela primeira vez, o orgulho e o poder da não violência. (KING, 2014: 254).

 

King (2014: 46) possuía uma fé profunda nas possibilidades humanas para ele quando as mesmas estavam harmonizadas com os planos divinos, compreendidos como recusa radical à violência, na convicção de que esta, de nenhuma forma, possui qualquer ação libertadora, ou etapa necessária à “boa sociedade” (ALBORNOZ, 2002: 52), como, pelo contrário, deu-se “no romântico revolucionário que reconhece em certa espécie de ação violenta um caráter positivo – de oposição ao conformismo, de resposta corajosa e nobre ao status quo de injustiça, e que teve longa tradição na época moderna”. (ALBORNOZ, 2002: 28). A igreja ou o templo de King estava na sua prática e seu efeito estava na realização das conquistas do movimento, sem abrir mão do seu I have a dream, e sendo capaz de contrariar uma eventual contradição cristã de “violência santa” (ALBORNOZ, 2002: 84).

Em 1963, na cidade de Birmingham, pastores brancos criticaram o reverendo, pedindo um fim às manifestações. Em resposta aos pastores, acomodados com a ordem e indiferentes às injustiças, King (2014: 242) afirmou que a igreja possuía uma voz fraca, improdutiva e com um som ambíguo, sendo desta maneira, uma arquidefensora do status quo, o que causava conforto à estrutura de poder em geral, no lugar de presença moralmente ameaçadora que a igreja poderia representar. Assim, ela mantinha uma postura de aprovação silenciosa quando não, muitas vezes mesmo declarada, das coisas como elas são.

Apesar da iniciativa do reverendo Fred Shuttlesworth que na cidade mais segregacionista da América, organizara em 1956 o Movimento Cristão pelos Direitos Humanos do Alabama para tentar combater o domínio racista e terrorista de Bull Connor (KING, 2014: 210-211), “a maior tragédia de Birmingham não era a brutalidade dos maus, mas o silêncio dos bons” (KING, 2014: 210),

Shuttlesworth e sua família foram brutalmente atacados, espancados, esfaqueados, também atingidos por uma bomba que havia deixado sua casa completamente destruída e chegaram a ser presos por oito vezes. A violência dos racistas, instituída pelas autoridades locais, e tacitamente permitida pelos pastores brancos, era sempre a resposta aos que tentavam pôr um fim a uma vida de opressão. Naturalmente, King e sua liga, isto é, a SCLC – Conferência da Liderança Cristã do Sul, uniram seus esforços ao lado de Shuttlesworth.

Manobras jurídicas também eram usadas como recursos contra o crescimento das manifestações antissegregacionistas e em Birmingham, o movimento desencadeou num episódio de desobediência civil. As prisões eram previsíveis e comuns no percurso, as sabotagens do sistema tornavam a luta árdua, como a elevação do valor das fianças para dificultar o pagamento. No meio de todo esse tumulto, a determinação na conduta não violenta era mantida e a aprovação popular era crescente, incluindo ajuda financeira e apoio moral do mundo inteiro, como do cantor, músico, ativista político e pacifista Harry Belafonte que em determinada ocasião “conseguiu levantar 50 mil dólares para pagar fianças”. (KING, 2014: 225).

 

Um dos resultados mais gratificantes foi a inédita demonstração de unidade apresentada pela comunidade negra nacional em apoio à nossa cruzada. De todo o país vieram pastores, líderes dos direitos civis, atores, atletas de ponta e cidadãos comuns negros, prontos a se pronunciarem em nossas reuniões ou a se juntarem a nós na cadeia. O Fundo Educacional e de Defesa Jurídica da NAACP veio em nosso auxílio diversas vezes, tanto com dinheiro quanto com especialistas jurídicos talentosos. Muitos outros indivíduos e organizações deram contribuições inestimáveis em termos de tempo, dinheiro e apoio moral.(KING, 2014: 261).

 

Logo no início de sua militância, em Montgomery, King e sua família sofreram um atentado. Uma bomba fora jogada em sua casa em 30 de janeiro de 1956.

 

Não consegui dormir. Deitado naquele tranquilo quarto da frente, com o brilho tranquilizador de uma distante lâmpada de rua atravessando a cortina da janela, comecei a pensar na perversidade das pessoas que haviam lançado aquela bomba. Senti a raiva tomar conta de mim ao perceber que minha mulher e minha bebê poderiam estar mortas. Pensei nos comissários municipais e em todas as declarações que tinham feito sobre mim e sobre os negros em geral. Estava novamente à beira de um ódio corrosivo. E mais uma vez me contive e disse: ‘você não pode permitir tornar-se amargo’. (KING, 2014: 104).

 

Além de atentados, repressões policiais repletas de violências e prisões arbitrárias de King e dos demais companheiros de luta que desafiavam o sistema seriam frequentes em todas as cidades em que o negro abraçou a causa antissegregacionista. A luta pacifista seguia com o martírio da brutalidade e da morte, isso significou grandiosa “coragem inflexível de indivíduos dispostos a sofrer e sacrificar-se por sua liberdade e dignidade” como observou King (2014: 75).

Logo após ao episódio da bomba, King, humanamente testado pelas reações previsíveis à agressão sofrida, foi capaz de permanecer na escolha do caminho da não violência: “Eu já tinha percebido que a doutrina cristã do amor operando por meio da não violência de Gandhi era a mais poderosa arma de que o negro dispunha em sua luta por liberdade”. (KING, 2014: 88-89).

E King ia além disso, não era somente promover a liberdade dos negros, mas de estabelecer outro patamar entre negros e brancos, em suas palavras, “ a consequência da não violência é a criação de uma comunidade de amor, de modo que, terminada a batalha, nasce uma nova relação entre oprimidos e opressores”. (KING, 2014: 154).

Contudo, não se tratava de tarefa fácil, isto é, a aceitação de brancos unidos aos negros, apesar dos anos de militância pacifista e dos devotados brancos que junto deles sofreram o martírio pela causa da justiça racial, as frustrações do movimento abatiam os ânimos dos homens e mulheres negros que permaneciam sofrendo os horrores da discriminação pela maioria branca. Quanto a esse aspecto, King (2014: 373) observou “eu deveria me lembrar de que decepção produz desespero e desespero produz rancor, e que a única coisa certa em relação ao rancor é a sua cegueira”. Nesse contexto, alguns líderes cogitavam abandonar a não violência, mas King permaneceu convicto de que isso seria um grande erro.

 

Tal como a vida, a compreensão racial não é algo que se encontre, mas algo que devemos criar. O que encontramos ao entrar nessas planícies mortais é a existência, mas a existência é a matéria-prima a partir da qual se deve criar a vida. Uma vida feliz e produtiva não é algo que se encontre, é algo que se faz. E da mesma forma a capacidade de negros e brancos trabalharem juntos, de compreenderem uns aos outros, não será encontrada pronta; deve ser criada através do contato. (KING, 2014: 375).

 

Com essa consciência da necessidade de um esforço conciliatório entre negros e brancos, King orientava o movimento que, em determinado momento, 1966, estava inclinado a rejeitar a participação dos brancos em nome de um suposto fortalecimento da causa negra. “Greenwood se tornou o local do nascimento do slogan Poder Negro no movimento dos direitos civis” (KING, 2014: 376), mas King (2014: 377) via isso com reservas. “Eu tinha um sentimento profundo de que a escolha das palavras desse slogan fora infeliz. Além disso, achava que ele provocaria uma divisão nas fileiras dos manifestantes”.

King (2014: 379) sabia que o caminho não era um slogan, mas um programa em que se devesse usar meios criativos de acumulação de poder político e econômico, trabalhando na construção do orgulho racial e refutando a imagem pejorativa de que negro era feio e mau. Ainda assim, King (2014: 380) compreendia que Poder Negro era um grito de decepção e havia nascido das feridas profundas do desespero. “Por séculos o negro tem sido aprisionado pelos tentáculos do poder branco. Muitos negros perderam a fé na maioria branca porque o poder branco, detentor do controle total, deixou-os de mãos vazias”. Assim, Poder Negro como clamor, representava uma reação ao fracasso do poder branco, “para contrabalançar a força dos homens que ainda estão determinados a ser senhores em vez de irmãos”. (KING, 2014: 384).

 

O poder negro foi uma reação psicológica à doutrinação igualmente psicológica que levou à criação do escravo perfeito. Embora essa reação tenha levado a respostas negativas e irrealistas e frequentemente provocado palavras e ações destemperadas, não se deve desprezar o valor positivo de se apelar ao negro para que assuma um novo senso de bravura, um sentimento profundo de orgulho racial e uma nova valorização de sua herança. O negro tinha de abraçar uma nova compreensão de sua dignidade e de seu valor. Tinha de enfrentar um sistema que ainda o oprimia e desenvolver um senso inequívoco e grandioso de seu próprio valor. Não podia mais ter vergonha de ser negro. Não é fácil a tarefa de despertar a bravura de um povo que por tantos séculos fora ensinado que não era ninguém. (KING, 2014: 384).

 

Destarte essa bravura fora canalizada pelo caminho da não violência, poder capaz de salvar o homem negro, mas também o branco, pois que são irracionais os temores que sustentam a segregação racial, “como os da perda de privilégios econômicos, mudança de status social, casamento misto e adaptação a novas situações” (KING, 2014: 389). Para King, “somente aderindo à não violência – que também significa amor em seu sentido mais poderoso e impositivo – é que o medo da comunidade branca será mitigado”. (KING, 2014: 389).

A não violência do negro americano fora embalada pelas canções da liberdade. As assembleias realizadas por eles tinham os cânticos como ritual importante, King (2014: 216) chegou a denominá-las a alma do movimento. Não se tratava apenas de um fortalecimento da campanha antissegregacionista, mas de remeter a todos às raízes mais profundas da história do negro na América, pois as canções foram adaptadas de músicas feitas ainda pelos escravos com teor de lamentos, alegria, encorajamento, hinos de um velho movimento.

 

Em nosso movimento não violento, somos mestres em desarmar as forças policiais; eles não sabem o que fazer. (…). Caminhávamos às centenas e Bull Connor mandava soltarem os cachorros, e eles vinham. Mas nós enfrentávamos os cães cantando. (…) ‘sobre minha cabeça vejo a liberdade no ar’, E éramos jogados nos camburões e por vezes amontoados como sardinhas em lata. E eles nos jogavam lá dentro e o velho Bull dizia: ‘levem eles embora’. E eles o faziam e nós seguíamos no camburão cantando: ‘nós vamos vencer’. E várias vezes éramos presos e víamos os carcereiros nos olhando pelas janelas, sensibilizados por nossas preces, por nossas palavras e por nossas canções. (KING, 2014: 424-425).

 

Os cânticos de liberdade eram entoados “pelo mesmo motivo que os escravos os cantavam porque nós também estamos submetidos à servidão e esses cânticos reforçam nossa determinação de que ‘nós vamos vencer, negros e brancos juntos, nós vamos vencer um dia’” (KING, 2014: 216). Desse modo, a união era constituída, as músicas lhes davam coragem e os ajudavam a marchar juntos apelando por voluntários não violentos para servir naquele exército.

 

Em grupos de vinte, trinta ou quarenta, as pessoas se apresentavam para se alistar no nosso exército. Não hesitávamos em chamar nosso movimento de exército. Era um exército especial, sem suprimentos que não a sinceridade, sem uniforme que não a determinação, sem arsenal que não a fé, sem moeda que não a consciência. Era um exército capaz de cantar, mas não de matar. (KING, 2014: 217).

 

Um exército que marchava sob a firme liderança de King (2014: 218) que estava crente de que “Deus me deu, de alguma forma, o poder de transformar em fé e entusiasmo os ressentimentos”, certamente porque esse líder sabia conduzir suas palavras: “minha fala vinha do coração e a cada encontro obtive firmes manifestações de aprovação, juntamente com promessas de participação e apoio”.

Não há faltas quanto ao senso de justiça que questiona o amor e o coloca como suspeição (ALBORNOZ, 2002: 86) se a recusa à violência, ainda que sob os moldes de restauradora da justiça, for substituída pela ação não violenta onde a paz realmente é luta. Não se fugiu às peregrinações, às marchas, aos protestos, à necessidade da desobediência civil, aos riscos e ao martírio, apenas se trocou as armas que destroem pelas armas que constroem, a agressão pelo canto, o massacre pela esperança, a ruína e o desespero pela oportunidade de tentar outra alternativa de enfrentamento. King destruiu definitivamente, no movimento não violento pelos direitos civis dos negros americanos, a velha preocupação (ALBORNOZ, 2002: 89) de que a não violência favorece os que dominam. Sua luta não perpetuou a violência estruturada do sistema, combateu-a permanentemente.

 

Quase cheguei à lamentável conclusão de que o grande obstáculo que o negro enfrenta em seu caminho para a liberdade não é o membro do Conselho dos Cidadãos Brancos ou da Ku Klux Klan, mas o branco moderado, mais devotado à ‘ordem’ do que à justiça; que prefere uma paz negativa, que é a ausência de tensão, a uma paz positiva, que consiste na presença da justiça (…) A compreensão superficial das pessoas de boa vontade é mais frustrante do que a incompreensão absoluta daquelas de má vontade. (KING, 2014: 235-236).

 

Ele frustra uma eventual manipulação da ideologia da não violência no cristianismo, com atitudes totalmente contrárias aos pastores brancos interessados em parar o movimento. King (2014: 231) tinha plena convicção de que “a liberdade nunca é voluntariamente concedida pelo opressor, deve ser exigida pelo oprimido”.

 

Devo lhes dizer que não conseguimos uma única vitória em matéria de direitos civis sem certo grau de pressão legítima e não violenta. Por mais lamentável que seja, é um fato histórico que os grupos privilegiados dificilmente abrem mão de seus privilégios de maneira voluntária. (KING, 2014: 231).

 

A violência contra eles continuou. Em Selma, a sucessão de assassinatos e espancamentos brutais refletia o ódio e o terror dos racistas pelos que lutavam pelo direito de voto. “Protestantes, católicos e judeus juntaram-se lindamente para expressar as injustiças e indignidades que os negros enfrentavam no estado do Alabama e em todo o Sul no que se referia à questão do direito de voto”. (KING, 2014: 340). Além dos religiosos, a marcha de Selma para Montgomery mobilizou a comunidade acadêmica, intelectuais, sindicatos e entidades pelos direitos civis. “Um fato pouco conhecido é que quarenta dos principais historiadores dos Estados Unidos participaram da marcha para Montgomery”. (KING, 2014: 340). Apesar da conquista da lei federal em 1965, a violência contra eles não cessou, mas a escolha da ação não violenta também não.

Em 1964 King havia sido premiado pelo Nobel da Paz e mesmo assim, com relação ao enfrentamento da violência, o desafio continuou. O grito contra a Guerra do Vietnã em 1967 e a campanha pelos pobres o mantiveram atuantes como foi até o seu último dia de vida.

O resultado da escolha da luta não violenta de King, construída em nome do amor, foi inestimável e mudou radicalmente a história dos movimentos civis americanos. A crescente mobilização desencadeada pelas intensas campanhas tivera momento glorioso na Marcha sobre Washington em 1963, com cerca de 250 mil pessoas que de todos os cantos do país marcaram presença, entre celebridades e cidadãos comuns, muitos deles a partir de sacrifícios pessoais, mas todos compartilhando alegremente um sonho de liberdade e democracia.

 

Aquela enorme multidão era o coração vivo, pulsante, de um movimento infinitamente nobre. Era um exército sem armas, mas não sem força. Era um exército para o qual ninguém tinha de ser recrutado. Era branco, negro e de todas as idades. Tinha simpatizantes de todos os credos, de todas as classes, de todas as profissões, de todos os partidos políticos, unidos por um único ideal. Era um exército em luta, mas ninguém podia ignorar que sua arma mais poderosa era o amor. (KING, 2014: 266).

 

Referências

ALBORNOZ, S. Violência ou não-violência: um estudo em torno de Ernst Bloch. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2000 (2002 reimpressão). 192 p.

GANDHI, M. K., Hind Swaraj: autogoverno da índia/ M. K. Gandhi; tradução de Gláucia Gonçalves; Divanize Carbonieri; Carlos Gohn; Laura P. Z. Izarra. Brasília: FUNAG, 2010. 152 p.

GENOVESE, E. As Revoltas dos Escravos em uma Perspectiva Hemisférica. In: Da Rebelião à Revolução. São Paulo: Global, 1983, p. 25-61.

______. A Religião dos Escravos em Perspectiva Hemisférica. In: A Terra Prometida: O mundo que os escravos criaram. Rio de Janeiro: Paz e Terra; Brasília: CNPq, 1988, p. 267-284.

KING, M. L., 1929-1968. A autobiografia de Martin Luther King/Martin Luther King; organização Clayborne Carson; tradução Carlos Alberto Medeiros. 1 ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2014. 463 p.

_______, As palavras de Martin Luther King / Coretta Scott King (org.); tradução Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. 127 p.

MORA, J. F. Dicionário de Filosofia, tomo IV (Q-Z). São Paulo: Edições Loyola, 2001.

 

SANTOS, M. Por uma outra globalização: do pensamento único à consciência universal. 11 ed. Rio de Janeiro: Record, 2004.

 

THOMPSON, E. P. O termo ausente: experiência. In: A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Louis Althusser. Rio de Janeiro: Zahar, 1981, p. 180-121.

 

La geografía en la historia de las relaciones internacionales

Edmundo Aníbal Heredi

CONICET/Universidade Nacional de Cordoba (Argentina)

 

  1. La historia de las relaciones trans-nacionales

El estudio de las relaciones internacionales actuales muestra una fuerte inclinación hacia las relaciones políticas, estratégicas y económicas, aunque recientemente hay un notorio incremento por la orientación hacia los desplazamientos poblacionales y por lo que ellos inciden en los otros tipos de relaciones. En general, esta misma apreciación corresponde formular cuando se trata de la historia de estas relaciones. Otros factores dignos de ser tenidos en cuenta por su importancia en la vida de los pueblos son las cuestiones ambientales o culturales, por cuanto constituyen valores fundamentales en la vida de los pueblos y en consecuencia en las relaciones entre países y entre naciones.

Y esto resulta más significativo en cuanto se han desarrollado líneas importantes en la investigación en ciencias sociales que aprovechan los elementos de otras disciplinas; tal ocurre con los de naturaleza geográfica que han derivado en nuevas disciplinas, como las que se ocupan de las cuestiones geo-históricas, geo-culturales, geo-políticas, cada una de ellas con sus teorías y sus metodologías, y en las que se marca con fuerza decisiva la adherencia del hombre al suelo.[i] A su vez, una rama perteneciente a la geografía, la geografía histórica, que Claude Cortés ha definido como “una percepción temporal de los problemas espaciales”, aproxima a ambas disciplinas hacia objetivos comunes o compartidos.[ii]

También es necesario considerar que las cuestiones territoriales de las naciones, que necesariamente han necesitado recurrir a los conocimientos geográficos, han sido tratadas desde teorías muchas de ellas originadas en la observación de las situaciones europeas, muy diferentes a las de América Latina, lo que hace necesaria la creación de teorías propias o cuidadosamente adaptadas. Estas cuestiones han sido muy diferentes si se las compara con las europeas, desde las referidas a las dimensiones espaciales, a las superficies de los territorios en su relación con la densidad de las poblaciones, a su relativa ubicación en el planeta, a las comunicaciones interoceánicas, a la disponibilidad y usufructo de las riquezas naturales, a los desplazamientos poblacionales, a las cuestiones relativas al poder (como las dinásticas y hereditarias) y otros problemas ajenos o diferentes de la realidad latinoamericana. En tanto, el origen de las naciones europeas para muchos como Michel Foucault tiene su explicación y racionalidad en razones idiomáticas –como que el nombre de las naciones es el de su idioma- y también en antecedentes lejanos que se remontan a sagas y leyendas, y hasta a una literatura nacional representada en modelos ejemplares, todo ello diferente a los orígenes de las latinoamericanas.

Estas observaciones nos conducen, en fin, a buscar en la propia realidad latinoamericana la elaboración de teorías que sirvan para explicar sus propios procesos históricos, entre ellos la formación de sus naciones. Si nos referimos particularmente al Cono Sur parece obvio que lo que predominó en esos estudios hasta el último tercio del siglo XX fue el de las cuestiones territoriales y limítrofes, y ello porque entonces aún el mapa de esta América Latina deparaba incertidumbres originarias de conflictos que, aunque bilaterales o trilaterales, repercutían en todo el sector; entre ellos eran muy sensibles los que enfrentaban a Perú y Ecuador, cuyas preocupaciones excedían a las de las dos naciones por cuanto su contención era protegida por los gobiernos de otras cuatro naciones vecinas; y la que mantenían Chile y Argentina por el Canal de Beagle, que a su condición de unir océanos agregaba su ubicación próxima al sector antártico pretendido a nivel mundial, lo que implicaba la atención de otros países interesados en tener protagonismo en estos espacios, incluso de potencias geográficamente lejanas. Ante aquella realidad, la historiografía de las naciones latinoamericanas involucradas se hacía eco de estas preocupaciones, remontándose a antecedentes tan lejanos como el Tratado de Tordesillas (1494), concertado sobre bases cartográficas y documentales muy inciertas y a territorios en su mayor parte desconocidos entonces.

Al comenzar el siglo XXI estas cuestiones han sido en buena parte superadas y, aunque subsisten otras menores, lo cierto es que justificadamente la historiografía ha dejado de poner su atención preferente a estos temas, en tanto focaliza esa atención en las cuestiones presentes o presentidas, mirando hacia el futuro.

Así, podemos decir que actualmente hay una historia de las relaciones internacionales, una historia de las relaciones inter-regionales y una historia de las relaciones trans-nacionales. Si bien la denominación de “relaciones internacionales” es usada en forma abarcadora comprendiendo a las otras dos o a otras que tratan de la vida internacional, debe distinguirse en cuanto trata del protagonismo de las naciones como tales a partir de sus aparatos estatales, es decir entre los gobiernos y de organizaciones supra-nacionales, sobre todo, como dijimos, y focalizadas en las de carácter político, económico o estratégico. Quizá en el futuro debamos reconocer otra rama de estos estudios, que adquiera su propia identidad y en la que reconozcamos el protagonismo de otro actor de las relaciones, al que podemos denominar genéricamente gente, es decir todas las personas, que a menudo son consideradas más bien como objetos que como sujetos de las relaciones entre países y entre naciones.[iii]

 

  1. La historiografía latinoamericana de los conflictos territoriales

Un intento generalizador se enfrenta con una diferencia sustancial entre la historiografía de las naciones hispanoamericanas y la brasileña, simplemente porque los orígenes coloniales de la ocupación de espacios fueron diferentes en uno y otro caso. En tanto el plan imperial español consistió en la creación de diversas y complementarias administraciones territoriales, con sus diversas capitales y circuitos conducentes a la mejor explotación de sus riquezas del suelo y del subsuelo, muy diferente a la colonización portuguesa que unificó el centro de poder en una sola capital. Aquí preferimos poner mayor atención en el plan imperial español en América.

Aquellas disputas por los territorios nacionales tuvieron como corolario que, correlativamente, la historiografía de cada nación se ocupara preferentemente de esos temas; parecía natural que los historiadores no pudieran desprenderse de su sentimiento nacional, y por tanto sus interpretaciones discreparon vehementemente con las que presentaban los historiadores de los vecinos en conflicto. Entre ellas, las cuestiones territoriales entre las naciones Andinas y entre las naciones que comparten la Cuenca del Plata fueron las más resonantes, y hasta modelaron durante mucho tiempo los programas de gobierno de las naciones involucradas; aún la historiografía que trata de cada nación en particular presenta esa característica.[iv]

La reflexión anterior adquiere un interés adicional en la comprobación de que los límites geográficos de estas naciones, por lo general, se han formalizado en Tratados internacionales a partir de antecedentes históricos controvertidos y de todos modos subjetivos por cuestiones nacionalistas. Estos Tratados han sido alcanzados luego de un proceso de hondos conflictos y varios de ellos luego de enfrentamientos armados; para su formalización ulterior se han utilizado referencias geodésicas o arcifinias, o en su defecto mojones demarcadores. De más está decir que a menudo esas convenciones desafían o ignoran a la historia y a la geografía, bajo pretendidos hechos determinantes, confusas cartografías o derechos adquiridos con la fuerza de las armas.

Si se piensa en el caso de los países hispanoamericanos los límites de los territorios que luego fueron provincias y naciones partieron de un plan de colonización imperial basado en la fundación de ciudades y con la atención puesta en la explotación de recursos naturales y en las disputas con otras potencias colonialistas europeas; esto condicionó fuertemente la naturaleza de sus orígenes y la gravitación de ello en su desarrollo. En efecto, en la América colonizada por España las ciudades fueron los orígenes de las organizaciones administrativas dentro de ese plan imperial, con un espacio en su entorno que fue la base de las provincias y de las naciones, las cuales no fueron necesariamente centros de regiones, sino meramente centros administrativos que respondían a aquel plan imperial.

Así observamos que la primera controversia en la historia de la mayoría de estas naciones al iniciar su vida independiente fue en cuanto a su delimitación territorial. El primer acuerdo, aunque provisorio e inestable, fue el de admitir en los Tratados los límites que tenían los Virreinatos, Capitanías Generales, Audiencias o Gobernaciones, según la situación vigente en el momento del inicio de las revoluciones de independencia, esto es en el año 1810. Pero las guerras que se sucedieron en la lucha emancipadora ocasionaron desplazamientos militares, traslados de los centros de poder y otras situaciones innovadoras, hasta que en 1824 se obtuvo la emancipación definitiva y se dio término al poder español, por lo que fue necesario recomponer los criterios iniciales. Esto parece para muchos “historia antigua”, pero no lo es tanto, porque aún permanecen insuperados algunos conflictos territoriales durante un tiempo dormidos y que reaparecen cuando asumen gobiernos que buscan reavivarlos como manera de reivindicación histórica o para afianzar su poder.

Fue así que durante decenas de años sesudos estudiosos se introdujeron en los archivos europeos y preferentemente españoles para buscar los antecedentes de los derechos de su nación en sus controversias con los vecinos; así nació luego una historiografía nacionalista de gran desarrollo, porque esos mismos buceadores, luego de producir sus informes a las autoridades elaboraron una profusa bibliografía que hoy cubre un sector importante en los anaqueles de las bibliotecas nacionales.

 

  1. La región y las relaciones trans-nacionales

Dentro de esta vasta gama de la historia de las relaciones entre países y regiones está el de las relaciones trans-nacionales, que se refiere esencialmente a un espacio geográfico habitado comprensivo de territorios perteneciente a más de una nación, esto es que participa de la frontera entre naciones, y al que llamamos región trans-nacional.

En primer lugar hay que reconocer que el término región ha sido empleado con distintas acepciones, según el marco temático en que se lo encuadra, y una de ellas bien puede ser la que se aplique a las relaciones internacionales; pero debe reconocerse que la geografía es su ámbito esencial, por cuanto se refiere a un espacio específico de este planeta. El término región ha sido considerado como una wild card, como un comodín al que se lo define de acuerdo a la función que se le adjudica en el contexto de que se trata. Por tanto, para que el concepto de región sirva para profundizar y esclarecer las relaciones entre las naciones latinoamericanas es preciso conceptualizarla adecuadamente, considerando que se trata no sólo de una metodología apropiada para el análisis, sino también como una actitud de los investigadores para alcanzar un conocimiento más acabado y profundo de su objeto de estudio.

Para los historiadores de las relaciones trans-nacionales los mapas que concitan su atención son los de las regiones, es decir espacios geográficos que se identifican por su naturaleza y por su presencia humana y que son compartidos por dos o más naciones, por lo que tienen en su mente o en su mesa de trabajo mapas de las regiones junto a mapas superpuestos de las culturas y civilizaciones originarias, de las establecidas en los tiempos coloniales y de las que corresponden a partir de las formaciones nacionales. Si se superponen estos mapas uno sobre otro en transparencias, se tendrá una imagen mucho más compleja pero también más rica de los espacios geográficos y de su profunda incidencia en la historia de estas naciones y de las relaciones entre sí.

En esos mapas ocupan lugar destacado los sistemas urbanos jerárquicos, definidos por Chase-Dunn, y ésta es una de las características que nos vienen de la geografía.[v] En efecto, así como el nacimiento de las ciudades capitales latinoamericanas fue el fijado por sus metrópolis imperiales, esto es bajo el signo de la dominación colonial, los procesos de urbanización en América Latina han sido impulsados también por estímulos externos. Con ser una cuestión propia de la organización interna de los Estados, el fenómeno de la primacía en la jerarquización urbana deviene en una cuestión íntimamente relacionada con la vida internacional. Esa vinculación es explicable en tanto en aquellos planes imperiales predominaron la mejor conexión con la metrópoli europea y la desconexión interna, y esa estructura se mantuvo luego en la vida independiente, con dos excepciones ejemplares en América, las de Estados Unidos y Brasil, el primero fundando una capital desde el inicio y el segundo mudándola con el tiempo y buscando la interiorización de su país.

Este método da lugar a que la historia regional trans-nacional se confunda con algunos enfoques geo-políticos, pero sin embargo ambas perspectivas pueden también ser consideradas como antitéticas, pues la práctica de la geo-política se ha sustentado en hipótesis de conflictos y en el análisis de las estrategias de los Estados para resolver en su favor esos conflictos, en tanto las cuestiones trans-nacionales son estudiadas más bien como unidades espaciales compartidas por naciones.

La conjugación de la historia con la geografía, con la antropología, con la psicología social, han dado como síntesis una configuración del espacio que aparece como una recreación que el hombre hace de la naturaleza en función de creencias, de culturas y de necesidades materiales que dan como resultado hechos, imágenes, signos y símbolos que conforman en definitiva la idea de espacio; de ahí la idea de región y su materialización. La valorización del paisaje cultural, que es observado tanto por científicos como por artistas, resulta clave para la comprensión de una región histórica, y es donde se confunden la geografía y la historia y entonces puede asegurarse que ya estamos ante una visión interdisciplinaria, porque ambas disciplinas se inter-penetran. Una definición demasiado escueta pero que sirve para iniciar el diálogo es que la región es un espacio humanizado.

Es evidente que cuando hablamos de una región no podemos usar las mismas varas que para medir el espacio territorial de una provincia o de una nación, porque la región no tiene límites precisos; así como un territorio perteneciente a una provincia o a una nación es como el agua contenida en un recipiente, la región es como el agua derramada en una superficie espacial, es decir que el mapa que la representa no es absolutamente preciso, salvo cuando hay decisivos accidentes naturales que así lo imponen. Esto parece evidente cuando hablamos de regiones en los que los elementos naturales son significativos, por ejemplo los ríos, que originan la formación de culturas fluviales; en efecto, los ríos pueden ser determinantes de una región, la misma a un lado y a otro de su cauce, pero en cambio los poderes políticos se han empeñado en que cumplan el rol de divisorios de naciones, utilizando la línea del cauce más profundo, obrando así no sólo en contra de la naturaleza sino también de la cultura común de sus pobladores.

Así, la superposición del espacio del territorio nacional con el del espacio regional presenta correspondencias pero también divergencias, y es probable que sean más fuertes éstas que aquéllas. Por eso una etapa importante del proceso intelectivo de regionalización es la comparación, la distinción, la consideración de las compatibilidades y las incompatibilidades existentes entre las dos categorías espaciales. Si tomamos como ejemplo el caso argentino observamos que hay al menos dos de este tipo, la Circunpuneña, compartida por Chile, Bolivia y Argentina y la de la Triple Frontera, compartida por Paraguay, Brasil y Argentina, a las que puede agregarse, no obstante la distinta densidad poblacional, El Gran Chaco, que comprende superficies de Argentina, Paraguay y Bolivia, y que ha sido la motivación de una guerra regional. También encontramos esta característica en la frontera de Brasil con Paraguay y Uruguay, en la de Ecuador con Perú y Colombia, etc.

Lo mismo puede decirse con respecto a la temporalidad, porque las regiones, salvo las llamadas regiones-plan, no fueron creadas por decretos gubernamentales, sino que responden a procesos colectivos en que por lo general es difícil determinar cuándo un espacio se convirtió en una región, es decir cuándo un espacio natural se convirtió en un espacio humanizado y singular. Quizá sea posible encontrar alguna vinculación con estas antinomias y correspondencias entre Geografía e Historia en el hecho de que Brasil creó su Instituto Geográfico e Histórico ya en 1838, durante el Imperio y formando parte de su política continental, al que se agregaron luego otros similares en varios de sus Estados; en tanto, el Instituto Panamericano de Geografía e Historia fue creado en 1928 dentro del contexto panamericanista liderado por los Estados Unidos, lo que fue una nota más de su vocación hegemónica.

No se hablaba entonces de inter-disciplina, pero sí de una especie de sociedad complementaria para entender las cuestiones involucradas en el tiempo y en el espacio que debían enfrentar las naciones americanas para su desarrollo, convivencia y confrontaciones. En esta secuencia cronológica debemos intercalar la creación de la Academia Nacional de la Historia de Argentina en 1893, en un contexto ideológico que menospreciaba su inserción en el contexto latinoamericano y sin aludir a vinculación alguna con la geografía, lo que da lugar a analizar las motivaciones del contraste con las anteriores.

La historia tradicional y evocativa sigue confundiendo el concepto de regionalización con el de regionalismo, lo segundo como “amor o apego a determinada región de un Estado y a las cosas pertenecientes a ella”, como dice el Diccionario, aproximándose así a una forma de la creación literaria. Es lo que el mexicano José María Muriá llama “historia matria”, en oposición a la historia nacional o “historia patria”. Ambos términos, en lugar de ser concurrentes, resultan ser divergentes si se circunscriben a una nación, y pueden constituir un obstáculo a priori en el proceso intelectual de búsqueda de una regionalización del espacio. Así también una historia academicista sigue distinguiendo la “historia nacional” de las “historias provinciales”, encerrando estos términos en los marcos políticos y en las instituciones oficiales.

Obviamente, la propuesta es salir de estas categorías en que se encasilla la historia, lo que es necesario para llegar a este concepto de región en su aplicación a las relaciones trans-nacionales. Esta manera de entender la región incorpora la posibilidad de la existencia de hechos y fenómenos recurrentes, de regularidades de ciclos y procesos, de inter-relaciones en las secuencias temporales, tanto sincrónicas como diacrónicas.

Así, la región como espacio trans-nacional debe ser concebida como parte de un todo, y según el objetivo ese todo puede ser el Cono Sur o, mejor aún, América Latina. Una hipótesis que sirve de fundamento teórico para la regionalización es que las regiones forman parte de un conjunto por la confluencia y encuentro de factores históricos, geográficos, culturales, etc. En resumen, estas unidades se caracterizan por ser parte integrantes de un todo y por tanto son partícipes de los fenómenos que ocurren en su totalidad (principio de participación), tienen una especificidad propia que las distingue de las demás (principio de especificidad) y cumplen la función de relacionamiento entre otras regiones y de sí misma con las demás (principio de inter-relación).

Ello demanda estudios que superen las monografías dedicadas a determinados espacios regionales hasta aproximarse a la comprensión del conjunto; de este modo incorporamos a la idea de la diversidad las de regularidad y recurrencia. La incorporación de las relaciones trans-nacionales a la relaciones internacionales propiamente dichas están indicando que no hay una división entre la historia de una nación y la historia de sus relaciones internacionales en tanto la nación participe de una región-transnacional, y allí ya puede hablarse del abordaje de un estudio de una historia de sus relaciones internacionales que queda imbricada en la de las relaciones trans-nacionales, para lo cual es necesaria una visión inter-disciplinaria.

Pero he aquí que desde hace unos decenios ha aparecido el fenómeno de la globalización. Esto nos obliga a pensar en si es posible la compatibilidad entre regionalización y globalización como procesos históricos, porque en principio aparecen como dos conceptos antitéticos. La cuestión a dilucidar es si la globalización es una forma de relacionamiento, de interacción y de complementación de las regiones entre sí o en cambio, si la regionalización importa una actitud de rechazo a la globalización. Desde ya puede afirmarse que la regionalización, como proceso histórico constructor de regiones es un moderador de la globalización.

Otro aspecto de la regionalización concerniente al conjunto de las naciones latinoamericanas es que muchos de sus espacios han sido objeto de ocupaciones compulsivas, lo que ha dado lugar a concepciones enfrentadas entre sus mismos ocupantes, es decir que estos espacios no han sido consensuados entre los agentes de la ocupación y los habitantes originarios, y en estos casos las regiones han sufrido un violento proceso en su construcción y desarrollo. Esto nos lleva necesariamente a distinguir y a valorar separadamente a los espacios ocupados compulsivamente, espacios vacíos, espacios semi-vacíos, espacios vaciados.

La inclusión de las regiones trans-nacionales en los estudios de las relaciones internacionales depara otro desafío conceptual, que requiere su propia metodología: identificar y sumar al elenco de los actores a los habitantes de las regiones trans-nacionales, también considerados como habitantes de las fronteras. En términos históricos, en los tiempos coloniales al estar distantes de los centros urbanos no merecieron la atención de las autoridades, y en la era de la formación de los Estados nacionales pasaron a ser utilizados como objetos de conflictos y enfrentamientos; y tratándose de habitantes originarios quedaron fuera del control de los Estados hasta el punto de no aparecer en las estadísticas de población.

Estos estudios pueden ir más allá de la estricta erudición científica y constituirse en propuestas que lleguen también a los funcionarios encargados de sostener políticas internacionales coherentes. Con ello, estos ciudadanos se incorporarán al protagonismo de las relaciones internacionales, junto con los Estados, las corporaciones y todo el plantel reconocido como actores de las relaciones internacionales. De este modo deberemos sumar un nuevo agente (en cuanto actor) de las relaciones internacionales, el de los habitantes de las regiones trans-nacionales.

La investigación historiográfica presenta una dificultad que debe ser vencida con un método apropiado, y una de ellas es que las fuentes estatales proveen información circunscripta sobre la parte de la región de cada nación, y ellas pueden ser difíciles de compatibilizar. En fin, la tarea intelectual de entender la regionalización de América Latina como un todo es un proceso en construcción, que ya registra numerosos estudios monográficos o parciales, los cuales constituyen una base sólida a partir de la cual es posible acometer la gran labor de comprensión integrada de estos espacios. Una combinación adecuada de los factores históricos, étnicos, lingüísticos, económicos, políticos y culturales puede culminar en una concepción inter-disciplinaria en la que el espacio geográfico sea su base material. Es también necesario reconocer que para algunos de esos espacios así delimitados la incidencia de cada uno de esos diversos aspectos puede ser más gravitante que otros en la conformación regional.

Como vemos, en el caso de América Latina la falta de coincidencias entre un mapa político en que se señalan los límites de las naciones y un mapa regional es paradigmático. Esta fue casi una regla en la conformación de los territorios nacionales latinoamericanos, y de ahí es que el concepto de región incorporado al estudio de las relaciones internacionales nos permite obtener un cuadro más completo de esas relaciones en el largo tiempo histórico.

 

  1. Antecedentes precursores y algunos avances actuales

Estos estudios pueden apoyarse en antecedentes precursores de esta vinculación de la historia con el espacio. Entre ellos, nos debemos al alemán Oscar Schmieder, que presentó una visión antropogeográfica en su Geografía regional de América del Sur, de 1932; el de Carlos Badía Malagrida, con su libro El factor geográfico en la política sudamericana, de 1946, en el que postuló una mayor atención de este factor para la consolidación del federalismo en América Latina; este catalán, que tuvo una detenida estancia en México, dijo entonces: “los pueblos hispanoamericanos viven divorciados de su geografía y es preciso restablecer la concordancia entre su estructura política y su estructura natural”, advertencia que después de setenta años sigue teniendo vigencia; el del argentino Federico Daus, entre cuyas obras está su Fisonomía Regional de la República Argentina, de 1959, que introdujo los factores sociales en la conformación de las regiones, y el más reciente del brasileño Milton Santos en cuyo libro Por una Geografía Nueva, de 1990, postula los paradigmas de los problemas del mundo globalizado y la necesidad de colocar a la geografía en la inter-disciplina, lo que le ha valido la calificación de filósofo de la geografía. Por supuesto, hay muchos otros nombres, pero los mencionados constituyen pilares en etapas sucesivas de los estudios geográficos.

A manera de apéndice señalamos algunos aportes actuales que sirven de base valiosa para emprender una historia de las relaciones trans-nacionales e inter-regionales latinoamericanas: en el orden institucional, por lo que conocemos y en un somero extracto pueden citarse para Chile las de Iquique y Talca; la de San Andrés, en La Paz; en Brasil la Federal de Porto Alegre y la de Passo Fundo. Para Argentina las Universidades Nacionales del Comahue, de Salta, de Jujuy, de Misiones, de Cuyo.

 

Entre los investigadores, en Argentina merece citarse a Raúl Bernal-Meza, que analiza el rol de las regiones en la política exterior argentina con respecto a las naciones limítrofes. A Beatriz Figallo, que ha marcado la distinción entre espacios nacionales y espacios regionales argentino-brasileño-paraguayos. A Pablo Lacoste, que ha estudiado los pasos cordilleranos entre Argentina y Chile y sus implicaciones internacionales. A Gabriela Olivera por sus investigaciones sobre el circuito comercial entre La Rioja y el Norte Chico chileno. A Delia Otero, por su análisis de la articulación entre Estado y región de frontera en la región histórica de las Misiones. A Graciela Sturm, por su estudio sobre la región trans-nacional de la yerba mate. A Viviana Conti, por su visión trans-nacional observada desde el Noroeste argentino. A Susana Bandieri, por su análisis de las vinculaciones políticas y económicas entre el sur argentino y el chileno. Al estudio conjunto de Alicia Carlino y Federico Veiravé sobre la formación de bloques subregionales entre Argentina y Brasil. Y especialmente a Hebe Clementi, por su interpretación, casi filosófica, de la frontera en América.

Entre los chilenos cabe mencionar a Luis Castro, que ha planteado propuestas políticas y económicas integradas entre Bolivia, Argentina y Chile. A Eduardo Cavieres Figueroa, que ha intentado una visión global de todo el largo trayecto de la frontera chileno-argentina distinguiendo tres sectores en que prevalece la cooperación y la sinergia. A Sergio Vilalobos y a Leonardo León, que en un trabajo conjunto investigaron aspectos de la sociabilidad en la frontera argentino-chilena-mapuche. A Sergio González Miranda, que ha estudiado los procesos de chilenización en la región circunpuneña y que es un modelo de chileno por su interés en una salida al mar de Bolivia; y a Leonardo Jeffs, que también trabajó con iguales preocupaciones, incluso asumiendo responsabilidades personales.

Desde Brasil, Ana Luiza Setti Reckziegel estudió las vinculaciones políticas entre Rio Grande do Sul y Uruguay, Marcelo Dias las relaciones comerciales de Rio Grande do Sul con sectores platenses de Argentina, Carlos Rangel las cuestiones de nacionalidad ciudadana en la frontera brasileño-uruguaya, Aldomar Rouckert, quien ha sostenido que Rio Grande do Sul es un Estado de internacionalización segmentada, Eduardo Suartman, que ha expuesto conceptos propios de lo regional en las relaciones internacionales. Obviamente, estas menciones no son de ninguna manera exhaustivas ni comprenden a los investigadores de otros países que realizan investigaciones semejantes. Una impresión general de estos trabajos es que además del análisis que cubre el rigor propio de los estudios científicos, son demostrativos de una actitud de compromiso hacia la solución de problemas que se suscitan en estas regiones; esto pone en evidencia que estamos en otra etapa del estudio de las relaciones internacionales, en que la visión nacionalista de otros tiempos ha sido superada en beneficio de una visión integracionista.

Esta lista, obviamente incompleta, sirve para mostrar que nos encontramos ante una rama de las relaciones internacionales latinoamericanas que se encuentra en pleno desarrollo: la de las relaciones trans-nacionales.

[i] La investigación histórica dio un paso trascendental con la escuela francesa de los Annales, desde lacual Fernand Braudel (1902-1985) produjo su obra ejemplar: El Mediterráneo y el mundo del Mediterráneo en la época de Felipe II. Fue todo un desafío erigir al mar como protagonista de la historia.

[ii] Geografía Histórica. México, Universidad Autónoma Metropolitana, 1991.

[iii] V. HEREDIA, Edmundo. Actores emergentes en la historia de las relaciones internacionales latinoamericanas. Visoes de Brasil e da América Latina. Brasília, Instituto Brasileiro de Relações Internacionais, 2003.

[iv] Sólo para citar un ejemplo puede tomarse la densa, extensa y monumental obra de Jorge Basadre sobre el Perú, en la que prevalecen las cuestiones conflictivas con sus vecinos andinos y en que los sucesos internos tienen connotaciones internacionales. (Historia de la República del Perú. Lima, Ed. Peruamérica, 1953. Hay ediciones anteriores, pero ésta es la más completa).

[v] CHASE-DUNN, Christopher. El fenómeno de primacía de una ciudad en los sistemas urbanos latinoamericanos: su surgimiento. En: Ciudades y sistemas urbanos. Buenos Aires, CLACSO, 1984.

 

 

+ Este artículo se corresponde con el texto de la conferencia pronunciada el 15 de junio de 2017 en la Universidad de Buenos Aires, durante las XV Jornadas de la Asociación Argentina de Historia de las Relaciones Internacionales y las V Jornadas de la Asociación Latinoamericana de Historia de las Relaciones Internacionales.

 

 

 

 

Apresentação da edição nº 4

Aqui está o quarto número desta serie dos Trabalhos Em Curso e já estamos em busca de artigos e pesquisas para o quinto. Com bastantes dificuldades pois muitos colegas reclamam da falta de oportunidades para publicar mas, uma vez convidados, não apresentam textos. Neste número abrimos com artigo de um dos nossos colegas da Argentina (país de onde nos chega sempre colaboração) . O segundo artigo é de colaboradora da Amazônia, também presente desde o primeiro numero. E em seguida, publicamos a primeira parte (a segunda sairá no número cinco) de texto de autor arménio docente no Lubango (Angola). Este trabalho obrigou a laboriosa tarefa de revisão ortográfica e, não é impossível que erros tenham “escapado”. Encerramos com uma nota sobre Mbanza Kongo, agora patrimônio da humanidade. Não temos ainda data para o próximo número, dependendo das condições financeiras..

Jonuel Gonçalves

 

“Chão de Kanâmbua”: escovando a contrapelo a “História” de Angola

Marcelo Pacheco Soares

Instituto Federal do Rio de Janeiro

Resumo: Este artigo verifica no romance Chão de Kanâmbua, publicado em 2010 pelo autor luso-angolano Tomás Lima Coelho, um resgate de parte da história de Angola, mais precisamente do desenvolvimento de Malanje, província do centro-norte angolano, na segunda metade dos oitocentos. Nesse empreendimento, o autor busca enfatizar a visão da população local sobre os acontecimentos e não a narrativa do colonizador que lhes sempre foi imposta, opção que encontra ratificação no “conceito de história” defendido por Walter Benjamin e aproxima essa narrativa daquelas que Linda Hutcheon classificou como “metaficções historiográficas”.

Palavras-chave: 1. Romance angolano; 2. Metaficção historiográfica; 3. Materialismo histórico.

“Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’.  Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.” (Walter Benjamin)

Em um daqueles contos borgianos em que o escritor argentino traveste sua ficção de um discurso ensaístico acerca de obras imaginadas, discute-se uma versão de Dom Quixote que teria sido escrita por Pierre Menard no século XX, na qual, contudo, estaria reproduzido (mesmo que não necessariamente copiado), ipsis verbis (isto é, palavra por palavra), o romance composto por Miguel de Cervantes, publicado originalmente no princípio dos seiscentos. Não nos cabendo aqui aprofundar a análise do conto de Jorge Luis Borges, apontemos o seu trecho que agora mais especificamente nos vem a propósito, no qual se demonstra que, embora fosse o caso de se tratar de textos aparentemente idênticos, haveria de ter entre as duas escrituras diferenças inerentes às suas origens, cujas produções estariam então separadas por cerca de três séculos e meio:

Es una revelación cotejar el don Quijote de Menard con el de Cervantes.  Éste, por ejemplo, escribió (Don Quijote, primera parte, noveno capítulo):

“…la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.”

Redactada en el sigo diecisiete, redactada por el «ingenio lego» Cervantes, es­a enumeración es un mero elogio retórico de la historia.  Menard, en cambio, escribe:

la verdad, cuya madre es la historia, émula del tiempo, depósito de las acciones, testigo de lo pasado, ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir.

La historia, madre de la verdad: la idea es asombrosa.  Menard, contemporáneo de William James, no define la historia como una indagación de la realidade sino como su origen.  La verdad histórica, para él, no es lo que sucedió; es lo que juzgamos que sucedió.  Las cláusulas fi­nales — ejemplo y aviso de lo presente, advertencia de lo por venir — son descaramente pragmáticas. (BORGES, 1976, 57)

Estamos assim diante de dois conceitos temporalmente distintos de História.  O primeiro vigora mais fortemente até o século XIX (mas não somente) e, ao ainda ignorar que o discurso histórico oficial advém de um ponto de vista específico, comprometido com os interesses e as ideologias de determinado grupo dominante, lega um estatuto de verdade absoluta a uma História única.  Não por acaso, proliferam nos 1800 os romances históricos realistas de caráter totalizante, isto é, fundados sob um projeto de descrição absoluta de uma sociedade em determinada época.  A substituição dessa primeira prática literário-historiográfica por uma segunda — marcada pela abertura de espaço para os discursos marginalizados na construção das suas narrativas e pela consciência de que, em última instância, elas edificam-se também a partir das subjetividades do seu próprio historiador — torna-se um fértil terreno para a proliferação, na Literatura produzida a partir das últimas décadas do século XX, do que Linda Hutcheon, em seu meritório Poética da Pós-Modernidade, de 1988, chamou de “metaficções historiográficas”.  Seriam essas narrativas baseadas na problematização da História oficial e na consciência da potencial existência de histórias múltiplas e da necessidade de construir narrativas antitotalizantes, modo pelo qual a prosa ficcional pós-moderna reinventa o romance histórico que, no século anterior, tinha a História oficial como base, propondo-se agora uma função não mais reprodutora e sim revisionista sua.  Ampliando ainda o conceito, completa Hutcheon:

A metaficção historiográfica refuta os métodos naturais, ou de senso comum, para distinguir entre o fato histórico e a ficção.  Ela recusa a visão de que apenas a história tem pretensão à verdade, por meio da afirmação que tanto a história como a ficção são discursos, construtos humanos, sistemas de significação, e é a partir dessa identidade que as duas obtêm sua principal pretensão à verdade. (HUTCHEON, 1991, 127, grifo nosso)

Ora, no contexto pós-colonial dos países africanos, esse exercício da Literatura (de revisar as suas narrativas históricas ditas canônicas mas forçosamente oficializadas por poderes sócio-políticos) é, mais do que mera opção, uma necessidade, urgência em espaços cujas histórias e culturas e identidades foram sufocadas pela voz de um outro, o colonizador que buscou impor o seu ponto de vista na construção da história local.  Nesse sentido, é peça digna de atento olhar o romance contemporâneo Chão de Kanâmbua, publicado em 2010 por Tomás Lima Coelho (pesquisador conhecido também pelo árduo trabalho de investigação que originou em 2016 o volume Autores e Escritores de Angola – 1642-2015, em que se registram 1780 nomes que perpassam quase quatro séculos de Literatura Angolana).  Não será desse modo despiciendo que, no pequeno texto introdutório ao romance, o autor (diga-se de passagem, um prosador de grande talento, se for aqui permitido esse juízo de valor) faça constar a descrição: “É uma história simples que poderia ter acontecido (se é que não aconteceu mesmo…).” (COELHO, 2015, 9 [desse ponto em diante, as referências ao romance serão feitas apenas com a indicação da página]) — admitindo já assim desde o princípio que essa ficção, tal qual valeria para o discurso histórico, manifestará também a sua pretensão à verdade.

Para que fique marcada tal opção, figuras que com maior ou menor frequência encontrariam espaço nos documentos históricos oficiais serão, quando muito, citações de menor importância no romance (frutos, no entanto, cabe ressaltar, de outro árduo trabalho de investigação do pesquisador Lima Coelho), surgindo apenas como instrumentos a apontar justamente o caminho que as suas linhas privilegiarão, a escovar a História a contrapelo, nos termos conhecidos de Walter Benjamin.  Ao defender que o historiador, no estudo sobre uma época, abdique do seu conhecimento acerca de suas fases posteriores, a fim de eliminar a sua potencial empatia com os vencedores e poder se comprometer com aqueles que foram dominados (nomenclatura pertinente ao discurso marxista que rege o seu pensamento), Benjamin, na parte 7 do seu artigo “Sobre o conceito de história”, assevera:

Ora, os que num momento dado dominam são os herdeiros de todos os que venceram antes.  A empatia com o vencedor beneficia sempre, portanto, esses dominadores.  Isso diz tudo para o materialista histórico.  Todos os que até hoje venceram participam do cortejo triunfal, em que os dominadores de hoje espezinham os corpos dos que estão prostrados no chão.  Os despojos são carregados no cortejo, como de praxe.  Esses despojos são o que chamamos bens culturais.  O materialista histórico os contempla com distanciamento.  Pois todos os bens culturais que ele vê têm uma origem sobre a qual ele não pode refletir sem horror.  Devem sua existência não somente ao esforço dos grandes gênios que os criaram, como à corveia anônima dos seus contemporâneos.  Nunca houve um monumento da cultura que não fosse também um monumento da barbárie.  E, assim como a cultura não é isenta de barbárie, não o é, tampouco, o processo de transmissão da cultura.  Por isso, na medida do possível, o materialista histórico se desvia dela.  Considera sua tarefa escovar a história a contrapelo. (BENJAMIN, 1985, 225, grifo nosso)

Daí que, por exemplo, ao fazer rápida referência a Manuel Maria Coelho, o ex-tenente Coelho — oficial do exército português envolvido com a malsucedida revolta republicana de 1891 no Porto cuja pena é o degredo a Angola, país de que, todavia, será Governador após a Implantação da República — a narração do romance de Lima Coelho aponte ser essa precisamente uma outra história, qual seja, aquela que ali não se espera privilegiar: “Apenas cresceu o número de degredados e exilados políticos entre os quais se contavam muitos envolvidos na revolta de 31 de janeiro.  Entre eles estava um dos poucos oficiais que se juntaram aos sargentos revoltosos: o tenente Coelho.  Mas essa é outra história.” (147, grifo nosso).

Pode-se citar ainda a brevíssima passagem no romance do linguista e missionário protestante suíço Héli Chatelain (responsável, nos século XIX, por uma tradução dos Evangelhos para o kimbundu, pela elaboração de uma Gramática dessa língua e pela publicação bilíngue kimbundu-inglês de contos populares angolanos), que, em suas viagens pela África, conhece Jeremias Alves da Costa (no romance, amigo de infância, em Malanje, de Venâncio, um dos filhos do protagonista), o qual leva para a América e consta registrado pelo próprio Chatelain como o primeiro angolano convertido ao cristinanismo.

Ou é possível lembrarmos ainda a menção a um antigo fundidor de metal local, José Álvares Maciel, um dos punidos no século XVIII pela conjura conhecida no Brasil como Inconfidência Mineira.  Vale a pena observar, em 1910, os destroços que o narrador descreve da Fundição Nova Oeiras em que trabalhara Maciel: “o que teria sido um grande edifício cujas ruínas estavam quase totalmente cobertas por mato denso.  Já mal se distinguiam as portas e janelas por onde saíam troncos e lianas.  A selva, pujante e dominadora, reocupava o espaço que o homem em tempos lhe roubara.” (66) Ora, as ruínas configuram-se em fundamental alegoria do pensamento historiográfico materialista benjaminiano.  O anjo da história que o pensador alemão opta por do ponto de vista dos dominados é significar as ruínas.distinguir em uma tela de Paul Klee (o Angelus Novus) está de costas para o futuro ao qual é arrastado e seu olhar para o passado divisa “uma catástrofe única, que acumula incansavelmente ruína sobre ruína” (BENJAMIN, 1985, 226).  As ruínas benjaminianas são (dentre outras coisas) a manifestação iconoclasta do que ainda há da morte vivo na esfera presente, descrições das potencialidades daquilo que poderia ter sido/ser hoje, mas não foi/é: em suma, as ruínas são fragmentos que contam a história dos ditos vencidos, precisamente essa que o romance de Lima Coelho sói narrar.  Contar a história do ponto de vista dos dominados é significar as ruínas.

Por fim, para encerrarmos aqui essa pequena amostragem, outro exemplo mais da forma como se alude a história tradicional no romance encontramos quando se descreve a morte da esposa do protagonista, em que o fato habitualmente designado histórico (o assassinato do Rei D. Carlos e do Príncipe herdeiro Luís Filipe, que culminaria na queda do regime monárquico português dois anos depois) surge apenas como um ponto de referência temporal que não merece maiores considerações, sobre o qual não se discorre coisa alguma, descentralizando-o no discurso e legando-lhe o espaço marginal — ou seja, aqui a história do dominador é que aparece em paralelo, reduzida a ruínas que não mais farão jus ao olhar do historiador:

Foi numa noite chuvosa de Novembro, no fatídico ano de 1908, o ano do regicídio.  Na casa de Manuel Justino dois lampiões pendurados no alpendre iluminavam a porta por onde entravam e saíam pessoas num silêncio compungido.  D. Ana, a sua mulher, acamada havia dois meses, prostrada por uma doença desconhecida que a fazia definhar aos poucos, estava com a vida por um fio. (18)

Será, aliás, Manuel Justino aquele na companhia de quem o foco narrativo percorrerá, ainda que em narrativa extradiegética, todo o romance, o qual se desenvolve nas lembranças do protagonista, bem-sucedido comerciante, elaboradas durante viagem de trem de Malanje a Luanda nos trilhos da recém-inaugurada estrada de ferro, percurso de cerca de 450 km que, já idoso, ele empreende — meio século após ter vencido, a pé, o caminho contrário rumo a um espaço que, à época, reduzia-se a um presídio e a uma feira.  Embora português de nascença, Justino estabelece no decorrer do romance uma identidade angolana.  Por isso, por exemplo, recusa-se a chamar a esposa, uma mulata de olhos azuis filha de uma baluba (uma das etnias angolanas) e um kinguerez (branco não português) e que era escrava de Saturnino Machado (primeiro homem para quem Justino trabalhara) pela alcunha com a qual a batizara D. Josefa (esposa do chefe), referindo-se a ela sempre pelo seu nome africano: “´Nsiji…’.  Tratara-a sempre assim.  Nunca lhe chamou Ana.” (20) — embora, pelo contrário, por motivos óbvios ligados à busca de maior estatuto social, Nsiji tenha sempre se esforçado para cada vez mais se identificar com os costumes europeus dos brancos locais.  E, por ocasião de contato com exploradores europeus, o protagonista demonstra a consciência do valor da cultura local e indignação com os preconceitos, ciência que uma vez mais credencia que possa com ele se identificar uma narrativa que almeja contar a história dos dominados:

Apercebera-se que, apesar dos seus conhecimentos e cultura, estes homens vinham imbuídos de falsas verdades e de conceitos totalmente errados sobre os africanos e sobre a vida em África.  Ficava muito incomodado quando estes pretensos sábios se referiam aos negros considerando-os pouco mais do que animais de carga, não lhes reconhecendo tradição nem história e não respeitando a sua cultura.  Mas calava-se sempre, não deixando sair o que lhe ia na alma, reprimido pela sua condição de ex-degredado. (131)

A origem portuguesa do personagem, todavia, potencializa, por outro lado, que essa versão da história chegue também aos antigos vencedores que colonizavam e se apoderavam de Angola.  É, ademais, significativo que compareça no romance, que se passa nas últimas décadas do século XIX e no princípio do XX, esse protagonista o qual adota Angola como sua terra a despeito de sua origem portuguesa (seu degredo ao país africano ocorre após Justino assassinar um poderoso feitor que abusara de uma irmã sua, chegando à África, aliás, sob condições físicas algo semelhantes às dos africanos levados em navios negreiros, quiçá a primeira e mais sutil das aproximações que levarão o personagem a uma gradativa africanização).  Ora, o autor Tomás Lima Coelho é natural de Angola, mas sua nacionalidade civil é portuguesa, já que descende de avô colono, sendo fruto das relações estabelecidas entre angolanos e portugueses; reconhece-se, por outro lado, como angolano, nascido no Namibe, ainda que abrace Malanje (cenário do romance) como seu chão; na casa dos 20 anos, porém, passou a viver em Portugal, fugindo à guerra em 1975.  Parece-nos que é possível, portanto, verificar alguma identificação entre os sentimentos pátrios de criador e criatura em relação a Angola e a Portugal.

Mais do que isso, o intermitente (pelas circunstâncias mais variadas) convívio afetivo que por toda a trama Manuel Justino estabelece com Kangombe, angolano filho de um nganguela com uma jovem escrava da tribo dos songo, parece simbolizar a forma de se relacionar entre portugueses e angolanos, não as nações em si, em seus laços diplomáticos (ou na falta desses, como chegou a ocorrer logo após a independência), mas os seres humanos que povoam esses países ou que possuem uma ou outra dessas terras como origem.  Kangombe e Justino conhecem-se na viagem a Malanje e, na ocasião, o jovem é punido com a perda de um dedo ao dar vazão à curiosidade e mexer em um aparelho do chefe da comitiva, ação confundida com intenções de furto.  A amizade entre eles, no entanto, surge alguns anos depois, quando o angolano cuida do convalescente Justino após ter sido gravemente ferido em uma emboscada de guerreiros mbangala.  É então que Justino sente nele “uma confiança que nunca antes sentira apesar das diferenças de cultura, de crenças e de hábitos.  Desde que pisara solo africano era a primeira vez que sentia o espírito tão solto e livre.” (77)

Está certo que o título alternativo do romance, “O Feitiço de Kangombe”, na economia do enredo, refira-se ao efeito do “poderoso feitiço que lhe fizeram […] os maus espíritos” (27), por intermédio de um velho bruxo, sortilégio que condena Kangombe a afastar-se daqueles por quem sente apreço e terá resultado decisivo no destino de Manuel Justino.  Os sintomas físicos da condição de Kangombe, aliás, são percebidos pelo protagonista a certa altura:

Naqueles breves momentos a fisionomia de Kangombe ficava diferente.  O olhar fixava-se, tornava-se distante como se estivesse em transe.  E uma sensação pesada, de ameaça ou qualquer cosia parecida, pairava no ar causando um arrepio gelado a quem estivesse a seu lado.  Mas era um momento tão fugaz e transcendente que mal se conseguia perceber e muito menos explicar.  Mais esquisito ainda era o facto de Kangombe, aparentemente, não se aperceber da mudança que se operava nele. (78)

     Todavia, em leitura mais aprofundada, não há dúvidas de que tal feitiço faz alusão à entrada definitiva do protagonista na África e na gradativa mudança da sua identidade pátria; não é por acaso, mas por puro senso de contraste, que seja rapidamente descrito na trama outro comerciante, José Vaz, “um dos primeiros habitantes do Kisol, que retornara ao Reino por motivos de saúde e que, ao contrário de todos os outros, nunca se tinha deixado apanhar pelo feitiço africano: o seu coração nunca esqueceu Portugal” (163, grifo nosso).  É com Kangombe, por exemplo, que Justino toma as primeiras lições de kimbundu — embora o protagonista nunca deixe de falar português, já que “a língua era a única amarra que Justino fazia questão de manter relativamente a Portugal.  Em tudo o resto procurava viver e sentir como um africano” (157) — e contata de modo mais aprofundado a cultura local.  É o amigo a primeira porta para compreender o fascínio que o sertão angolano lhe proporcionara, aceitando-o como um filho seu, quando Justino deslumbrara-se pela primeira vez com a grandeza do espaço malanjino, do alto de uma grande rocha:

O que viu deixou-o paralisado: a imensidão que se abria diante de si, com mil tons de verde, azul e cinzento, oferecia-lhe um espetáculo de enorme beleza e grandiosidade.  Manuel Justino sentiu o coração disparar, tal era a sensação de pequenez perante tamanha imensidão.  Com o sol já no ocaso, aquela enorme bola vermelha que se despenhava no horizonte, as cores com que o céu se cobria eram de uma beleza tal que seus olhos marejavam de lágrimas.

[…]

Uma estranha paz se apoderou do seu espírito quando sentiu que aquele mundo que assim lhe abria as portas não lhe era hostil.  Foi como uma revelação, um sentimento que nunca saberia explicar por palavras, quando Manuel Justino sentiu, no mais profundo de si, que pertencia àquela terra.  Naquele momento, soube que era um homem novo, renascido. (50)

Daí que seja possível, apesar de sua condição original de português, que a narrativa contada sob o seu ponto de vista promova a história de Malanje como quem o faz a contrapelo, do ponto de vista de Angola, segundo procede então o romancista e pesquisador angolano Tomás Lima Coelho.  O autor já manifestou intenções de fazer uma continuação do romance: partes da história de Angola a receberem essa mesma escovada benjaminiana não faltam.

 

Referências bibliográficas:

  1. BENJAMIN, Walter. “As Teses sobre o Conceito de História”. In: Obras Escolhidas I – magia e técnica, arte e política. São Paulo, Brasiliense, 1985, p. 222-232.
  2. BORGES, Jorge Luis. “Pierre Menard, autor Del Quijote”. Ficciones. Buenos Aires / Madrid: Emecé Editores / Alianza Editorial, 1976, p. 47-59.
  3. COELHO, Tomás Lima. Autores e Escritores de Angola – 1642-2015. Lisboa: Perfil Criativo – Edições, 2016.
  4. ——. Chão de Kanâmbua. Lisboa: Chiado Editora, 2ed., 2015.
  5. HUTCHEON, Linda. Poética do Pós-Modernismo: História – Teoria – Ficção. Ricardo Cruz. Rio de Janeiro: Imago, 1991.

 

 

Informalizar o formal

Maria João Teles Grilo

Arquiteta, Metapolis – Luanda e Lisboa

ABSTRAT

A cidade informal “fala” e “grita” sobre o desajuste da gestão urbana e do planeamento às necessidades de uma enorme maioria habitacional em todo o mundo. Contem, subentendida, as problemáticas, logicas, necessidades, dinâmicas que caracterizam as sociedades hipertexto e ensaia, desarticuladamente, algumas das respostas urbanas que estas sociedades necessitam.

Fá-lo de uma forma desestruturada, de entranhas expostas pondo a nu o que Acher chama “as cinco grandes evoluções que parecem caracterizar a terceira revolução urbana moderna”, levanta as questões cruciais das metápoles que exigem do Urbanismo e Arquitetura, nas suas regras, regulamentos, conceitos, politica, uma refundação de paradigmas, dos pressupostos, da sua filosofia, como instrumentos privilegiados e reconhecidos de gestão e intervenção urbana. E ironicamente, a cidade “informal” (onde vivem 2/4da população mundial), é um laboratório privilegiado para a teoria da Arquitetura e do Urbanismo escrever um capítulo novo.

1-Abaixo, à esq. - Rio de Janeiro, Brasil.

1- Rio de Janeiro, Brasil. Em cima, Luanda, Angola. Em baixo, Lagos, Nigeria.

2- No topo, imagem de “slum” na India. Acima, bairro de Gecekondu, em Instambul.

 

PALAVRAS CHAVE: Sociedade hipertexto, cidade informal, metapolitização, mobilidade, espaços-tempo individuais e coletivos, relações económica de risco, construir no tempo e flexibilidade

 

Apontamento introdutório

Há vários anos, quando Sebastião Salgado (que tem inaugurada agora em Lisboa a sua exposição Genesis) estava em Lisboa com o Chico Buarque e com o Saramago, apresentado a sua exposição TERRA em 2001, a Clara Ferreira Alves fez uma mesaredonda com os três. Teve a infeliz ideia de apresentar o Sebastião como um excelente fotógrafo cujo trabalho se centrava nas periferias do mundo. O caldo entornou, o Sebastião Salgado, furioso, perguntou-lhe se 2/4 do mundo lhe parecia uma periferia? e em que mundo ela vivia?… O autismo é bastante semelhante àquele com que se lê as grandes metápoles do mundo. Profissionais e cidadãos em geral identificam cidades como os centros consolidados, pequenos, face a áreas urbanas extensas onde vive a maioria da população mundial e às quais se insiste em chamar “informais”.

3-Fotografias de Sebastião Salgado

 

 

Aproximadamente metade da população mundial vive em cidades. Em 2005, um em cada 3 habitantes vivia em slums.

40% da população mais pobre do mundo é responsável por 5% do rendimento global.

20% da população mais rica do mundo é responsável por 75% do rendimento global.

3/4 da população mundial que vive com menos de 1 dolar por dia, vive em zonas rurais.

Aproximadamente metade da população mundial vive em cidades. Em 2005, um em cada 3 habitantes vivia em slums.

Se a evidência e os dados são óbvios, há que perceber o porquê de uma enorme resistência mundial em assumir que, o que realmente caracteriza uma maioria significativa de metrópoles, são as suas manchas humanas e físicas informais.

Numa primeira análise sabemos também que a evolução económica do mundo dentro de uma logica globalizante do capitalismo liberal é disso responsável.

ugtgg

4- No topo, percentagem da população a viver com menos de 2 dólares por dia (2009). Ao centro, à esq. Consumo médio de água por dia, por pessoa. Em Angola, consome-se cerca de 15 litros, a constrastar com 575 litros nos EUA. Ao centro à dir. Dados de consumo privado mundiais, dados de 2008. Acima, Consumo médio de eletricidade per capita, dados de 2010

 

Paralelamente, outros fenómenos contribuíram para isso: a mediatização e o marketing, o valor das peles, os paraísos construídos e o photoshop de pessoas perfeitas, a profunda revolução tecnológica e os seus múltiplos instrumentos e a profunda transformação social e as filosofias de suporte.

A terceira modernidade: Apontamentos sobre evolução na cultura urbana e na cultura artística

Segundo Archer, este é o tempo da 3ª modernidade. Ao contrário de várias teorias… estamos cada vez mais modernos. Críticas ao Movimento Moderno juntaram, num caldeirão onde cabe tudo, filósofos, sociólogos, arquitetos…que acreditam que existe uma crise radical e de superação da modernidade. No entanto, as transformações contemporâneas, em vez de anunciarem o fim dessa modernidade, têm vindo a sublinhá-la. “De certa maneira tornamo-nos verdadeiramente modernos cada vez mais depressa pelo reforço recíproco das características que constituem a modernidade”. A sociedade está cada vez mais racional, mais individualista e mais diferenciada. Mais individualista mas ao mesmo tempo mais socializada e em rede, mais diferenciada mas feita de diferenças de grau e não de natureza, enquanto explora territórios de multi-pertença social e cultural. (Archer,2010)

Talvez a contemporaneidade se tenha libertado apenas de uma racionalidade simplista, e das suas formas de pensamento messiânico, que, na arquitetura e urbanismo, significam uma debilitação destas disciplinas como forma de dominação, poder e autoridade.

As novas metrópoles são cidades sem contexto territorial definido e a sua estrutura básica é a rede de indivíduos. Assenta em fluxos distributivos e numa sociedade hipertexto. Esta cultura urbana contemporânea sobrepõe-se às vilas e às cidades modernas e rege-as por uma série de conexões electrónicas e simultaneamente muito sensoriais, que são o nosso interface com a cidade global.

“A terceira modernidade é uma modernidade reflexiva”. A “terceira revolução urbana moderna” está a potenciar a metapolização, a transformação dos sistemas urbanos de mobilidade e a formação de espaços-tempo individuais.

A racionalidade cada vez mais profunda das ações individuais apoia-se igualmente na teoria dos jogos e das escolhas limitadas, nas teorias da complexidade, do acaso e do caos, que vimos dominar sociedades antigas, ao mesmo tempo que se apoia nas ciências cognitivas ( Archer, 2010). Disso falam mais directamente outras manifestações artísticas:” Se as Bienais de hoje (cerca de 50, de grande e média dimensão, espalhadas por todas as geografias) substituem a crítica e o museu como territórios de pensamento, crítica e legitimação, formando assim o mencionado plano horizontal global onde todas as formas de expressão e objetos artísticos vêem garantida a sua subsistência e lugar, desaparecida que está a conflitualidade que gerou as vanguardas e a sua expressão de revolução, denotando uma radical mudança de paradigma entre as transições dos séculos XIX para o XX e deste para o séc. XXI”.

Mas a abertura ao mito, ao enigma, à loucura, esta rejeição das vanguardas e neovanguardas   ( para Bürger, o pós-guerra neo-avant-garde  é uma reciclagem vazia de formas e as estratégias das duas primeiras décadas do século XX), surge logo na década de 80 (ou finais de 70) quando Achille Bonito Oliva publicou  Transavant-garde International,( versão italiana do neo expressionismo) onde os alvos eram a crítica e o pensamento…no fundo todo o século XX até finais da década de 70: em primeiro lugar, Kant; depois, Greenberg, Dada, Duchamp, toda e qualquer noção de forma e conceito (e toda a arte conceptual – performativa, linguística, sensorial ).

Num tempo de revolução urbana e transição social e moral, a conflitualidade intrínseca às vanguardas parecem-me relevantes. Hoje desaparecidas, dissolvidas na hibridação do fim dos argumentos, dos Manifestos. Se a passagem ou a mudança do século XIX para o século XX decorreu entre 1876 (Impressionismo) e 1909 (Futurismo), agora, a mudança do século XX para o século XXI está em processo desde a realização da Bienal de Massimiliano Gioni.

A caracterização social da sociedade hipertexto

Não cabe aqui uma avaliação exaustiva – a tradução da resistência à “cidade informal” é extensiva às outras resistências. Como que este barco a naufragar do capitalismo industrial liberal resiste à realidade crescente de um capitalismo cognitivo, a resistência dos poderes políticos se agarram aos modelos operativos do urbanismo moderno como um poder que lida em si a capacidade de controlo e desenho físico do futuro, e dá vida aos seus cidadãos, o desespero de batalha perdida da capilaridade sem filtro das trocas de informação que as redes sociais permitem e as armas brancas que são hoje os instrumentos tecnológicos da mais significativa das revoluções do fim do séc. XX – a cibernética.

Estes são tempos de viragem e como em todos os tempos em que a história mundial mudou os dados e as regras do jogo, todas as formas instituídas e calcinadas se tentaram manter num grito agonizante: o poder que não quer partilhar o poder não deixa de ter poder, a economia que suga o tutano dos últimos ossos, a moral que prefere gritar “declínio moral” em vez de perceber que estamos já numa “transição moral” que fala de emancipação dos indivíduos perante a imposição de regras “supramorais”, usando as reivindicações de classe, o individualismo e com sobretudo a vontade de ser “livre e coletivo”, do industrial feito à medida dentro da massificação produtiva, de ser ou pelo menos a ilusão de ser, através dos mais eficazes canais abertos por si. Hoje verdadeiros poderes de construção de outras sociedades e consequentemente de outras cidades.

Modos de abordagem

“As formas das cidades, quer tenham sido pensadas de raiz ou sejam resultado mais ou menos espontâneo de diversas dinâmicas, cristalizam e refletem as logicas da sociedade que as acolhem. No campo do urbanismo requer-se uma compreensão fina de logicas em jogo da sociedade contemporânea” diz Ascher, para encontrar e desenhar a tradução física dessas lógicas

A historia das cidades sempre foi ritmada pela história das técnicas de transporte e armazenamento de bens( B) de informações(I) e de pessoas(P). Este sistema de mobilidade (BIP) está no centro das dinâmicas urbanas, hoje substancialmente reforçado pelos instrumentos tecnológicos.

É também nas cidades “informais” que vamos encontrar matéria urbana que fala e grita, na sua expressão física, das necessidades de refundar as regras do planeamento, da necessidade de analise sobre a tradução física ( embora formalmente pobre) da metapolitização, a transformação dos sistemas urbanos de mobilidade, na formação de espaços-tempo individuais e na redefinição das relações entre interesses individuais, coletivos e gerais e nas novas relações com os riscos.

 

5-Quadro comparativo entre características das sociedades, feito com base nos modelos de Ascher.

 

A avaliação cruzada entre as chamadas variáveis fundamentais em que as estruturas dos bairros informais assentam e as transformações e evoluções estruturais das vidas urbanas das sociedades hipertexto consistem em eixos estruturais de análise. Como layers de sobreposição obter-se-á denominadores comuns e as invariáveis capazes identificar, sistematizar e de categorizar . Será ambicioso falar em escrever um novo capítulo na teoria da arquitetura com estes novos conceitos e a sua tradução num léxico?

A abordagem das evoluções da chamada terceira revolução urbana moderna tem sido afloradas pelo chamado New Urbanism. A carta dos seus princípios, aplicada aos E.U.A. não é um manifesto mas rompe com as formas urbanas que se desenvolveram nos E.U.A. no interior e proximidade de grandes aglomerações, numa aproximação aos modelos impostos pelas “gated communities”.

Mas a sua revisão em contexto mais alargado e a validação e categorização dos princípios do novo urbanismo no contexto das cidades informais pretende avaliar a contribuição da informalidade nas evoluções das teorias urbanas e no planeamento urbanos das cidades

As 4 variáveis fundamentais da estrutura dos bairros informais a ter em conta são:

  1. O processo de ocupação do solo à escala metapolitana e a formação do valor do solo urbano
  2. As condições de acessibilidade desses bairros
  3. O planeamento como disciplina fundamental dentro da qual deve ser analisada a cidade informal, porque embora não tenha nenhuma intervenção na formação e desenvolvimento dos mesmos como sistema genérico de intervenção na transformação do espaço urbano, têm uma influência decisiva, mesmo que se tenham que acrescentar alguns parâmetros novos como trama de avaliação e intervenção na cidade
  4. o processo tipológico informal e a estrutura social da família, a formação urbanística do bairro e a extrapolação das suas lógicas urbanas

As transformações e evoluções estruturais das vidas urbanas das sociedades hipertexto e a analise a cruzar e sobrepor com as mesmas, nas cidades informais, baseadas em:

1.- A Metapolização

2.- A transformação dos sistemas urbanos de mobilidade

3.-A formação dos espaços-tempo individuai a redefinição das relações entre interesses individuais, coletivos e gerais

4.- 5.- Novas relações com riscos económicos( a lógica dos atores globais e locais)

A metapolização, como a globalização, induzem um duplo processo de homogeneização e de diferenciação. Homogeneização porque os mesmos atores económicos ou o mesmo tipo de atores econômicos estão presentes, com as mesmas lógicas em todos os países e em todas as cidades.

 

6- Mercado de roupas num musseque, em Luanda

 

Diferenciação porque a concorrência interurbana se alarga e anima, acentuando a importância das diferenças. As escolhas que os atores locais podem fazer são, assim, cada vez mais numerosas e o contacto dos territórios “locais” com o ” global” faz aparecer as diferenças e encoraja a intervenção (ex: o mercado de roupas é abastecido à distância pela circulação de pessoas e bens a partir do mercado do relógio em Lisboa, do Rio Janeiro e da China.

O uso das TIC não se substitui em termos de igualdade aos transportes. O cara a cara continua a ser meio de comunicação privilegiado: a acessibilidade física, a possibilidade do encontro, são e sempre serão a riqueza dos lugares urbanos. E se por um lado há uma banalização do audiovisual através do desenvolvimento das tecnologias cada vez mais tudo o que é direto, as sensações táteis, olfactivas, gustativas são valorizadas e necessárias.
Nos meios pobres estas tecnologias possibilitam o acesso, mesmo que só virtual a pessoas, situações, acontecimentos impossíveis segundo as hierarquias sócio econômicas dos meios a que pertencem.

Os meios de transporte individuais (automóvel, motas, bicicletas, patins… Exprimem, cada um à sua maneira, a exigência crescente de autonomia e velocidade. a sociedade organiza-se a volta  e a base dessa individualização, inclusivamente para melhorar os desempenhos económicos. Se é geral que os citadinos escolhem, cada vez mais os lugares e os horários das suas atividades, a informalidade que vive de uma economia auto-geradora em pequena escala é disso um bom exemplo. É bem o exemplo da chamada dessincronizacao e deslocação e recolocação (ex: o telemóvel permite marcar e desmarcar a última da hora, mudar o lugar e os tempos).

 

7- Venda de rua 24h sobre 24h

 

A cidade informal fala-nos do conceito contemporâneo de “Ser livres em conjunto“. Vive de incertezas da vida quotidiana e respostas possíveis a elas. A vida económica da cidade informal permite a adaptação a um contexto mais variado, a circunstâncias menos previsíveis. A Flexibilidade é uma noção chave no trabalho e fora dele. A informalidade responde 24x 24: o pão que se compra na rua, o concerto de pneus, as refeições, os botequins abertos, o arranjo urgente de um tubo de água ou luz…

Sendo naturalmente uma necessidade apetrechar as cidades densas de redes de transportes urbanos coletivos, com itinerários fixos, horários fixos, por eixos estruturais da cidade que permitam uma deslocação da massa humana, é igualmente necessário apetrechá-los de serviços públicos de transporte mais individualizado que cruzem as redes de itinerários fixos mas que sirvam o movimento em tantas direções do que se hoje se faz a vida urbana.

 

8- Imagem de candongueiros

de transporte porta-a-porta

 

E os candongueiros (serviços coletivos privados de pequena lotação que cobrem variados circuitos urbanos de todo o território metapolizado e garantem a possibilidade de circulação da população) são disso exemplo. Respondem à necessidade de serviço quase porta-a-porta. São a tradução, embora desarticulada, da necessidade contemporânea das populações circularem diariamente entre variados lugares onde desenvolvem a sua vida social e económica.

O comércio electrónico não substitui a importância do comércio local. Dentro da mesma lógica das TIC, a cidade móvel e telecomunicante dentro das novas arbitragens entre deslocações de pessoas, dos bens e das informações, precisa de ser animada por acontecimentos que exige a presença e o mundo sensorial e cada vez mais evocado a fazer o contraponto do mundo virtual.

 

9- Flexibilidade na oferta de serviços

 

Esta flexibilidade na oferta de serviços e no tempo é completamente contemporânea e fala da necessidade de rever a concepção de equipamentos públicos e serviços, essenciais da urbanidade. A Segmentação de mercados progressivamente mais especializado e flutuante é uma resposta mais adequada à diversificação de necessidades sociais dentro do principio do “um-para-um”.

As dificuldades económicas e/ou culturais são nalguns grupos sociais ou etários um factor de desigualdade. A cidade informal fala-nos também da necessidade de recurso a princípios de equidade. Numa sociedade em dimensões e em territórios que mudam de tamanho e de natureza conforme as práticas e as mobilidades individuais mais do que a igualdade, a equidade é uma necessidade fundamental do equilíbrio urbano.

 

 

 

 

 

 

 

10 – Exemplos de equipamentos, 24×24

 

A cidade informal como laboratório privilegiado da refundação do planeamento da cidade contemporânea

Mais valias a potenciar

Aprioristicamente a cidade informal enuncia uma série de mais-valias e aprendizagens que identifico como válidas como base da pertinência de a construir o léxico da cidade informal e do seu paralelismo com os léxicos contemporâneos da sociedade hipertexto:

  • A urbanização informal é uma forma gerada e desenvolvida a partir do seu próprio processo tipológico.
  • Direta participação dos cidadãos na redução do défice residencial e na resolução do problema capital da habitação se de uma forma mais organizada.

 

11- Participação ativa da população na autoconstrução através de blocos de adobe.

  • Capitalização possível de uma percentagem significativa de população jovem e desempregada, da capitalização da sua iniciativa, habilidade, tempo livre e poupanças económicas.
  • O valor do processo tipológico informal como proposta de crescimento da cidade
  • O Paralelismo entre o desenvolvimento das habitações e a formação urbanística do bairro e extrapolação das suas lógicas urbanas

11- Participação ativa da população na autoconstrução através de blocos de adobe.

 

No inicio de 2012, a população mundial ultrapassava os 7 biliões, com pessoas abaixo dos 30 anos a contabilizarem 50.5% da totalidade. Idade média em Angola é de 16.4 (HDR ONU 2014)

 

  • Capitalização possível de uma percentagem significativa de população jovem e desempregada, da capitalização da sua iniciativa, habilidade, tempo livre e poupanças económicas.
  • O valor do processo tipológico informal como proposta de crescimento da cidade
  • O Paralelismo entre o desenvolvimento das habitações e a formação urbanística do bairro e extrapolação das suas lógicas urbanas.

 

12- Aldeia desenvolvida com lógicas informais no Burkina Faso

 

  • A CONSTRUÇÃO NO TEMPO como modo social contemporâneo.

 

13 – Em cima, autoconstrução com estrutura de pau e pique à vista. Em baixo, Projecto de arquitectura evolutiva da Elemental (Alejandro Aravena)

 

 

O valor dialético do processo de urbanização informal e os seus contributos para a refundação do planeamento podem fazer-se através da análise comparativa do processo de construção, da sua relação com evolução da família usuária, dos mecanismos de adjudicação, da natureza do “produto”, do problema especulativo do valor dos solos rurais, periurbanos e urbanos que alimentam os mercados e condicionam o desenvolvimento urbano das cidades

 

  • Obrigam a olhar de frente para a equação do que é hoje a transformação permanente da estrutura social da família; As respostas às flutuações e instabilidade económica, a mobilidade e fluxo como eixo central da revolução urbana, as alternativas criativas das dinâmicas urbanas e a construção das redes económicas ante a quase inexistência do estado social.

5- Em cima – vista de oficina situada num musseque de Luanda. Em baixo, imagem de anúncio de prestação de serviços, na rua.

  •  informal como a mais antiga expressão das redes sociais atuais é uma matriz de aprendizagem das lógicas sociais subjacentes
  • O comércio informal fala da importância do valor da transação das logicas das redes globais.
  • Obriga-nos a equacionar soluções urbanas para “cidades (para) jovens, já que a maior percentagem desta população é muito jovem.

16- Pirâmide etária em Angola (à esq.)

e no Mundo (à dir.)

17- Crianças a brincarem nas ruas de Luanda informal

 

18- A azul, a linha de transição da cidade consolidada e informal.

 

 

Gestão urbana e governância interativa

Estas sociedades hipertexto caracterizadas por laços sociais “mais fracos”, menos estáveis, mais numerosos e variados, imbricados nas múltiplas redes, furam todas as organizações políticas de gestão urbana que pretendem integrar posições e até adesões, sobre um grande número de questões, num mesmo conjunto ideológico ou mesmo programático. É necessário renovar profundamente as modalidades de definição dos interesses coletivos e da construção das decisões públicas sobre a cidade. É necessário uma refundação da arquitetura institucional do território e uma renovação do funcionamento da democracia em geral e da local. Ascher sugere-nos uma revisão segundo o princípio das bonecas russas (matrioskas): quarteirão, bairro, freguesia, concelho, cidade, região. Hoje, em que estamos todos a empobrecer e que o aumento progressivo do desemprego mundial atira para o saco da população excluída do desenvolvimento económico uma percentagem significativa da população, a coesão social e urbana estão em risco. E com ela, as manifestações de ruptura dos laços de solidariedade locais, nacionais e mundiais. Por todas estas razões, demasiadamente evidentes, a equidade é o conceito social fundamental do que devem ser as políticas urbanas.

19- Área metapolitana de Luanda

 

 

A cidade informal que fala da maneira como os próprios indivíduos representam para si mesmos as suas situações, os seus comportamentos e as suas ações, não podem ser vistos como inimigos mas sim como agentes participantes da transformação e até da ação do poder político, correndo estes o risco de sem eles não poderem agir. Numa opção muito mais lucida a governância interativa responde melhor do que os métodos tradicionais de governo. Mesmo sabendo que os conflitos serão sempre inevitáveis e que nem tudo pode ser resolvido pelo debate, o individualismo, tal como hoje se institucionalizou não deve ser considerado como egoísmo. Este, associado a um declínio moral precisa de ser lido como “transição moral”. Fala da emancipação dos indivíduos perante as obrigações impostas pelas regras superiores. Estes mesmos indivíduos impõem hoje uma alteração que fundamente o respeito pelas regras, códigos e valores, mais adaptáveis às necessidades desta sociedade.

 

20- Intervenções urbanas por Vhils (no topo) e JR (acima)

21- Arte urbana de JR

E por isso o que hoje se podem chamar politicas locais para terem êxito, constroem-se mais pelas dinâmicas dos projetos do que pelo cumprimento de um programa, mais por soluções ah-hoc do que pela rigidez da aplicação de normas, mais por consensos parciais do que por grandes decisões globais: risco e gestão de risco são princípios de precaução que alteram substancialmente os moldes da gestão das cidades.

Basta olhar para a debilidade do planeamento, para o seu incumprimento e sobretudo para o desfasamento entre o número de habitações formais, o número de habitações informais e para as necessidades mínimas de equipamento social e infraestrutura, muito aquém do elementar sentido urbano. Basta olhar para a rigidez das normas, os crescentes regulamentos e leis e a pouca amplitude da maioria das pessoas de as aplicar. Basta olhar para os canais abertos, para o crédito à habitação, e o número de beneficiários dos mesmos em função da sua renda. Basta olhar para a quantidade de cidade construída que desconhece e contradiz frontalmente os mecanismos formais e os instrumentos do poder, supostamente reveladores, para perceber a necessidade urgente de refundar o planeamento e a arquitetura institucional do território.

 

 

Aceitá-lo é inevitável. Mas é preciso reconvertê-lo e institucionaliza-lo. A validação do mesmo virá em função do papel que desempenha no contexto económico e social em que se implemente. O planeamento, embora não intervenha diretamente na formação e desenvolvimento dos bairros informais, terá como imagem alternativa, na altura do seu aparecimento e como sistema genérico de intervenção na transformação, uma influência decisiva. O planeamento como intervenção na cidade informal representará o instrumento através do qual se realiza e legaliza o papel mais significativo no que respeita à transformação, reabilitação e crescimento urbano.

Novo capítulo da Teoria da Arquitetura e Urbanismo

À informalidade falta o conhecimento teórico, a categorização destes conceitos só recentemente começados a identificar, mas não sistematizados pela teoria do urbanismo. Através dela se fará reconhecível. A abordagem do chamado novo urbanismo, baseado no sistema metapolitano enunciou já os seus princípios dentro da abordagem da cidade formal. Como qualquer novo movimento, contradiz o anterior, redefine as premissas de abordagem, os conceitos de base e as hipóteses de desenho de caminhos. Contrapõe-se ao urbanismo moderno, porque filosoficamente diferente das correntes de desenho urbano como instrumento de controlo “superior” da gestão do espaço e do desenvolvimento condicionado que propunha balizas com que definia espaço urbano e se impunha como orientador dos usos sociais e económicos do mesmo. As cidades que se geraram pela informalidade são a demonstração da incapacidade do urbanismo moderno em se afirmar no seu sentido messiânico e são o laboratório onde melhor poderemos ensaiar a revisão do papel, das regras e das normas que nos exigem hoje as sociedades hipertexto. Será o facto de se assumirem como uma forma não controlada pelo poder que inibe a sua assunção? Será que a sua expressão formal pobre e a dramática ausência de infraestrutura bloqueiam o reconhecimento das suas potencialidades intrínsecas como capital de transformação das regras do planeamento?

 

22- Bairros estatais de habitação social

 

A pobreza estampada no seu rosto urbano e sobretudo a ausência de infraestrutura condicionam a capacidade de reconhecer, estudar, validar a pertinência das suas logicas modernas e reconhecer que nela podemos encontrar e estudar alguns ingredientes fundamentais para desenhar a refundação do planeamento da terceira modernidade.

Daí a pertinência de falar em informalizar o formal e introduzir a validade crítica da informalidade face às políticas convencionais. Gritante é a sua maneira de lidar com a habitação autoconstruída à qual se contrapõem programas de habitação social. Os chamados bairros sociais apenas agudizam os desajustes da marginalidade, potenciados pelos modelos de espaço urbano implantados, estéreis de referências e logicas culturais, sociais e económicas. Estes espartilhos de logicas, completamente desajustada, estão condenados a não se constituírem como alternativa, já que partem de conceitos e preconceitos desde logo desmentidos pelas estatísticas: pensados para um princípio de minorias (quando afinal significam ¾ da população mundial), construídos não como uma forma urbana que proponha, com o desenho do espaço, um alternativa credível de revitalização e dignificação da vida humana mas como contentores formais cuja pele dá uma face mais lavada à cidade mas cujo conteúdo vive em conflito com os modelos físicos e sociais vigentes, de cariz estático e dogmático, apoiado numa estigmatização da pobreza, nas imagens propagandeadas da vida dos sonhos, com que o marketing das logicas imobiliárias nos bombardeia, e nas logicas economicistas capitalistas que imprimem um estatuto de exclusão, de mundo a abater (e nunca a compreender ou aprender com ele), a uma realidade física e social mundialmente alargada.

A esta terceira modernidade tem que corresponder uma mutação profunda da maneira de produzir, utilizar e de gerir os territórios em geral e as cidades autenticas (as informais) em particular.

Os tempos são de mudança. Mas os novos compromissos continuam a ser o desenvolvimento económico, a equidade social, qualidade ambiental e a preservação dos recursos não renováveis. E se num olhar superficial parece haver uma ruptura entre modernidade e contemporaneidade, a continuidade é profunda como um rio que corre, subterrâneo. “A utopia moderna persistirá e deveria persistir como possível metáfora social e não como provável obrigação social”.

 

23- A minha equipa

 

Uma relação com a vida que admita variações de estado e uso, tolere desvios, suporte os excessos, albergue os risos, como modo de ser das cidades, sincréticas, embaladas pelo seu crioulismo provocante, que vive atrás do seu sorriso.

Como diz Júlio Teles Grilo, “têm de compreender o difícil que é explicar aos outros como nós, arquitetos, somos parte financeiros, parte políticos, parte sociólogos, parte artistas, parte engenheiros, parte de muitas partes mas nunca especificamente nenhuma.

E dizer-lhes que todas as coisas são assim como o pão que tem farinha e fermento e sal e água, e no fim, é pão.”

 

 

Bibliografia

TELES GRILO, M.J., (2009) “Mundos Emergentes – Outras Urbanidades”, in Jornal de Arquitectos nº236, Ordem dos Arquitectos Portugueses, Lisboa,

TELES GRILO, M.J., (1998) “História Urbana em Luanda: Do Ciclo Conguês à procura de uma Moderna Identidade”, in Austral nº26, TAAG, Lisboa

TELES GRILO, M.J., (1998) “Arquitectura Moderna em Luanda”, in Austral nº25, TAAG, Lisboa

TELES GRILO, M.J., (2003) “Novos Conceitos Urbanos”, in Congresso Internacional de Língua Portuguesa e Congresso dos Arquitectos Brasileiros, Rio de Janeiro

ASCHER, François, (2010) “Novos princípios do urbanismo seguido de novos compromissos urbanos, um léxico”, Ed. Livros Horizonte, Lisboa

VIANA, David L, SANZ, Juan R. L., NATÁLIO, Ana (2013),” Aprendendo com a forma urbana de Maputo (in)formal” Revista de Morfologia Urbana (2013)1, 17-30 Rede Portuguesa de Morfologia Urbana ISSN 2182-7214

 

GERMANI, G. (1973) “Aspectos teóricos de la marginalidade”, Cuadernos de la Sociedade Colombiana de Planificación, Bogotá.

J.D. DURAND, C. A. Pelaez (1969), “Patterns of Urbanization in Latin America”, The city in Newly Developing Countries, G. Breese, Londres.

RAGHEB, I. (1969), “Patterns of Urban Growth in the Middle East”, The City in Newly developing Countries, G.Breese, Londres.

RODWIN, Ll (1970), Nations and Cities: A comparison of strategies for urban growth, Boston.

SCHIMID, A. (1968), “Converting land from rural to urban areas”, Resources for the Future.

LEEDS , A. E. (1970) “Brazil and the myth of urban rurality. Urban experience, work, and values in Squaments of Rio de Janeiro and Lima”, City and Country in the Third World, A.J. Field, Cambridge.

PEIL, M. (1976), “African Squatter Settlements: A comparative study”, Urban Studies, Julio. Glasgow.

SUDRA, T. (1976), “Housing as a support system: a study of Mexico City”, A.D, Londres

VAN DER ROST, J. (1973), “Une angoisse du tiers monde: L´Habitat de plus grand nombre”, Planification Habitat Information (SMUH), Paris

ANDREWS, F.M., PHILLIPS, G.W. (1971), “The squatters of Lima, Who they are and what they want”, Ekistics nº 183, Fevereiro.

ANDREWS, P., CHRISTIE M., MARTIN R., (1973), “Squatters and the evolution of a lifestyle”, A.D. Janeiro, Londres.

LABORATÓRIO DE URBANISMO (1972), “Teoria y experiencia de la urbanización marginal”, El crecimiento de las ciudades, D. LEWIS, G.Gili, Barcelona.

PAYNE, G.K. (1973), “Functions of informality: a case study of squatters settlements in India”, A.D., Agosto, Londres.

ROMANOS, A (1970), “Squatter Housing, Kipoupolis: the significance of unauthorized housing”, A.A.Q., Abril, Londres.

TURNER (1968) “The people build with their hands” Environment and change (ed.W.R.Ewald Jr.) Indiana, Ontario.

TURNER, J.C., MANGIN W.C. (1968) “The Barriada Movement”, Progressive Architecture, Maio, Nova York.

TURNER, J.C., FICHTER, Robert (1972), Freedom to build (Obra Conjunta), Macmillan, Nova York.

TURNER, J.C. (1975) “Housing the people” série de artigos apresentados em Architectural Design (setembro-abril) 1) ”The Central Issue”; 2) “The basis of effective housing demand”; 3)”The value of housing”; 4) “Housing economies”; 5) “Authority over housing”; 6) “Principles of housing”; 7) “The practice of housing”; 8) “A programme”, Londres.

ARCHITECTURAL DESIGN (1970), “Previ-Lima. Low Cost housing project” numero monográfico, Abril, Londres.

BARRIOS, J.Baracco (1974) “Villa El Salvador. Urbanismo y/o autogestión”, A.A., Maio-Junho, Paris.

BONILLA F. (1972), Pueblos jóvenes e urbanizaciones populares, Mercurio, Lima

CAMINOS, H., GOETHERT, R, PATEL, P, GATTONI, G. (1973) “A progressive development proposal: Dandora, Nairobi, Kenya”, Ekistics, Setembro.

CORREA Charles (1974) “Andahuasi. Questionssur le Project d´architecte”, A.A., Maio-Junho, Paris

CROSTA,P.L. (1974) “Funzioni e Contradizioni dei processi di autoconstruzione nello sviluppo capitalístico”, Lotus, Milan

CHANA, T., MORRISON, H. (1973) “Housing systems in the low income sector of Nairobi, Kenya”, Ekistics, Setembro.

DETHIER, J. (1974) Maroc, du spontané au planifié, Metropolis, Paris

FATHY, H. (1970), Construire avec le peuple, J. Martineau, Paris

LONGO, T.Giura (1974), Dalla casa provisoria transitoria alla citá nuova, Lotus, Milão.

HARMS, H. (1976) “Limitations of self-help”, A.D., Londres.

LANDAU, R. (1971) “Evolucionary Housing”, A.D., Londres.

CORBUSIER, Le (1974), Unité d´Habitacion Transitoire, Obras Completas (1938-46), Zurique.

McKILLOP, A. (1972) “Kampongs: Urban Redevelopment in Kuala Lumpur. Approaches to low income rehousing”, A.D., Julho, Londres

MUTH, R. (1967), The Economic Problems of Housing, Nova York.

PEATTLE, L.R. (1968), “The view from the barrio”, Univ. of Michigan Press

PEATTLE, L.R. (1966), “Social Issues in housing”, Joint Center for Urban Studies, MIT Press

RAO, D.V.R (1974), “Housing of Squatters in Delhi: search for a solution”, Ekistics, Julho, Atenas.

SALINAS, F., SEGRE, R. (1971), “Modelos para el tecer nudo de los arquitectos unidimensionales”, Arquitectura Cuba, nº339

SALINAS, F., SEGRE, R. (1972), El diseno ambiental en la era de la industrialización, Universidad de La Habana.

SANJINÉS, G. (1972), “El programa de accion comunal de La Paz, Bolivia”, Politicas de desarrollo urbano y regional en America Latina (ed. J. Hardoy e G. Geisse), SIAP, Buenos Aires.

TURNER, J.C. (1963), “Minimal Government-Aided Settlements Lima”, A.D., Agosto, Londres.

TURNER, J.C., FICHTER,R. (1972), Freedom to Build, MacMillan, Nova York.

REYES, H.E. Uchuya (1971), “Pueblos jóvenes (Movilización Social)”, Heur, Lima

URRUTIA, C. (1972), “Historia de las poblaciones callampas”, Nacional Quimantu, Santiago de Chile.

WUENSCHE, A. (1974), “Low cost cluster housing, Kibera Nairobi”. A.D., Maio, Londres.

ARGAN, G.C. (1965). “Sul concetto di tipologia architettonica”, Progetto e destino, Milão.

AYMONIMO, C. (1970), “Lo studio dei fenomeni urbani”, na obra conjunta La Cittá di Padova, Officina Edizioni, Roma.

KAUFMAN, E. (1955), “Architecture in the age of Reason”, Harvard University Press, Cambridge.

ROSSI, A. (1964), “El problema tipologico e la residenza”, Cluva, Veneza.

ROSSI, A. (1964), “Considerazioni sulla morfologia urbana e la tipologia edilizia”, Cluva, Veneza.

ROSSI, A. (1971), “Arquitectura de la Ciudad”, (versão italiana 1964) G. Gili, Barcelona

SAMONÁ, G. (1965), “El concetto di standard e di tipologia en la Urbanistica”

SCOLARI, M. (1971), “Un contributo per la fondazione di une scienza urbana”, Constrospazio, Julho-Agosto.

TAFURI, M. (1973), Progetto e utopia: architettura e sviluppo capitalístico, Laterza, Bari.

ACEVES, J. (1973), Cambio Social en un Pueblo de España, Seix Barral, Barcelona.

ARQUITECTURA (1965), “El exódo del campo a la ciudad”, Revista Nacional de Arquitectura, nº83, Madrid.

AYUNTAMIENTO DE BARCELONA (1972), “El fin de las barracas”, Gaceta Municipal, Outubro, Barcelona.

BALDRICH, M. (1952), Ante el crecimiento desmesurado de los aglomerados urbanos: la ciudad-comarca, Barcelona.

PÉREZ, J. Del Barrio (1962), “Legislacion especial de vivendas de protéccion estatal”, Vivienda nº 4, P.M.V, Barcelona

BOHIGAS, O. (1964), “Problemas urbanísticos de la inmigracion”, Contra una arquitectura adjectivada, Seix Barral, Barcelona.

BORJA, J. (1971), “El habitat subintegrado”, CAU, nº 10, Dezembro, Barcelona.

BORJA, J. (1973), “Elementos Teoricos para el analisis de los movimentos reivindicativos urbanos”, Cuadernos de Arqui-tectura, nº 94, Publicação da C.O.A.C.B, Janeiro/Fevereiro, Barcelona.

BUSQUETS, J. (1974), “Las Coreas de Barcelona, Un estúdio sobre la urbanizacion marginal”, Tesis Doctoral, E.T.S.A. Barcelona.

CANDEL, F. (1964), Els altres catalans, Edicions 62, Barcelona

CANDEL, F. (1965), “El Amazacotamiento”, Cuadernos nº 60, Barcelona.

CANDEL, F. (1972), Apuntes para una sociologia de barrio, Península, Barcelona.

CAPEL, H. (1967), “Los Estudios acerca de las migraciones interiores en España”, Revista de Geografia, Barcelona.

CAROLINA, M.J. (1963), Els mals endreços, (Diari d´una de les barraques), Fontanella, Barcelona.

MONTOLIU, C. (1915), L´Activitat internacional en matéria d´habitació i construció durant l´any 1913. Institut d´Estudis Catalans. Barcelona.

SENDAGORTA, A. Cotorruelo (1966), “La politica economica de la vivenda en España”, C.S.I.C., Madrid.

FERRAS, Courtot (1969), Les grandes villes du monde: Barcelona, Etudes Documentaires, Paris.

FERNANDES, J. Garcia (1963), “El movimento migratório de trabajadores en España”, Estudios geográficos.

MORÁN CIMA, M. Goméz (1970), “Un analisis de la problemática del suelo urbano”, Vivienda nº 33, P.M.V, Barcelona.

Laboratorio de urbanismo (1972), “Teoria y experiencia de la urbanización marginal”, El crecimiento de las ciudades (Ed. D. Lewis), G. Gilli, Barcelona.

M.V. (1971), “Conclusiones del seminário inter-regional sobre politica de suelo urbano y medidas de control del uso del suelo”, Madrid.

MARTINEZ MARI, J.M., JARDI, E., ALEMANY, R. (1970) “Problematica financeira del adquiriente de la vivenda social en España”, Vivienda nº 33, P.M.V., Barcelona

MARTORELL, J.M. (1968), “El problema de la vivienda I la immigració”, La immigració a Catalunya, Ed. De Materiales S.A., Barcelona. ~

NUALART, J. (1965), “Concepto de ciudad”, Cuadernos nº 60, Barcelona

NUALART, J. (1966), “Constructores sin casa en Salou”, Promos, Barcelona.

OBRADORS, C. (1966), La integracion del subúrbio en la comunidade urbana (El caso de Sabadell), Nova Terra, Barcelona.

PATRONATO MUNICIPAL DE LA VIVIENDA, “Analisis Cualitativo de la demanda del caso de vivenda”, Vivienda nº 25, Barcelona~

PÉREZ GONZÁLEZ, A. (1968), “Problematica sociológica de la integració dels immigrants” em La immigració a Catalunya, Barcelona.

SOLÁ-MORALES, M., BUSQUESTS, J., DOMINGO, M., FONT, A. (1970), “Notas sobre la marginalidade urbanística”, Cuadernos de Arquitectura y Urbanismo nº 86, C.O.A.C.B., Barcelona.

FOSTER, Hal (1996), “The Return of the Real”, MIT Press, Cambridge.

BURGER, Peter (1976) “Theorie der Avantgarde”, Suhrkamp Verlag, Frankfurt

GIONI, Massimiliano (2013), Il Palazzo Enciclopédico, Org e Curadoria, II vols, Fondazione La Bienale di Venezia, Veneza.

DERRIDA, Jacques (1997), “Fuerza del Ley: El Fundamento Mistico de la Autoridad” (trad A. Barberá e P. Penalver Gómez), Tecnos, Madrid.

POGGIOLI, Renato (1968), The Theory of Avant-Garde (trad. Geral Fitzgerald), Belknap Press, Cambridge.

CAWS, Mary Ann (2001), Manifesto: A Century of Isms, University of Nebraska Press, Lincoln.

OLIVA, A. Bonito (1982), Transavant-garde International, Giancarlo Politi, Milão.

BUCHLOCH, Benjamin H.D. (2013), “The entropic Encyclopedia”, In Artforum(52), 1, pp. 311-317. Setembro

Quem essa negra pensa que é?

Uma mulher negra no poder incomoda muita gente.

Trabalho de Conclusão de curso (2016) apresentado no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – Campus São Gonçalo, como pré-requisito para obtenção do título de Especialista em Ensino de Histórias e Culturas Africanas e Afrobrasileira.

Orientadora:

Profª.Drª.Ângela Maria da Costa e Silva Coutinho

RESUMO

Este é um trabalho de conclusão de curso que tem por objetivo problematizar as questões relacionadas à mulher negra e seu lugar social. O incômodo que essa mulher negra gera, quando se destaca e sai do lugar convencional estabelecido pela tradição da sociedade patriarcal, ou seja, quando rompe convenções e expectativas oriundas dessa tradição, atingindo patamares “pertencentes” às mulheres ou homens brancos. O estudo é desenvolvido a partir das orientações referentes à leitura dos discursos, leitura essa aplicada aos casos em que a mulher negra é discriminada e constrangida por causa de sua cor e raça. Explora-se, ainda, as representações femininas na sociedade atual em sua diversificada competência.

Palavras-Chave: mulher negra, discurso racista, lugar social, poder, representatividade

ABSTRACT

The present study analyses black women and their social place. The discomfort caused by them when a social or professional high position is reached. This bother is caused because breaks with white people expectative and conventions. This study is developed referencing hater’s speech used to decriminalize black women. Also, is explored in this study, black women representations in Brazilian society and their competence.

Keywords: Black women. Discrimination. Hate’speech . Social place. Representativity.

1. INTRODUÇÃO

1.1 Apresentação

É muito comum ouvir a pergunta “Quem ele pensa que é?” para demonstrar repúdio por alguém que essa pessoa julga como “inferior”, mas que supostamente se encontraria “fora do seu lugar”, numa posição diferente do senso comum, como se fosse “superior” às demais. Essa pergunta poderia até ser entendida como “normal”, se partíssemos do pressuposto de que todos são iguais, ou deveriam ser iguais, independentemente de credo, raça ou cor. Todavia a questão assume ainda outro caráter quando se refere a uma mulher negra que ocupa um lugar entendido como de poder. Isso a resgata, a princípio, do lugar que é então “permitido” e a sobrepõe às estatísticas vigentes na sociedade brasileira.

Mas, qual seria o lugar da mulher negra nos espaços sociais? Os espaços independem de limites físicos, a espacialidade social está intrinsecamente ligada à espacialidade individual, e esta, depende de uma série de situações que definirá o seu limite.

A espacialidade assim definida não é aquela que deriva da pronta parametrização da distância entre limites, mas é situacional, incluindo nossas tarefas, expectativas e fobias, polarizando-se para atingir certas finalidades. Os lugares do espaço, diz o filósofo, inscrevem ao redor de nós o alcance variável de nossas visadas e de nossos gestos. Dependente de nosso tempo interno, esse espaço corporal é eminentemente expressivo, sendo uma natureza marcada por nossos valores culturais, crenças e sonhos. (PALLAMIN, 2007, p. 181-193)

A situação em que a mulher negra é inserida ao chegar a uma posição de poder desperta fobia e desfaz as crenças, valores e sonhos da fronteira do visível, da normalidade, ou seja, dos brancos. E como ocupar esse lugar é algo iminentemente expressivo, é visto de várias formas racistas e traduzido em discursos preconceituosos pela sociedade.

Mas qual é o “lugar permitido”? O negro no Brasil sempre foi visto à margem da sociedade, até mesmo porque sua condição atual foi um produto de um sistema historicamente condicionado para que esse pensamento sobrevivesse até hoje.

O ex-escravo e seus descendentes saíram espoliados da escravidão e despreparados para o trabalho livre, incapazes, enfim, de se adequar aos novos padrões contratuais e esquemas racionalizadores e modernizantes da grande produção agrícola e industrial, tornando-se doravante marginais por força da lógica inevitável do progresso capitalista. Quanto ao elemento nacional livre, formado em sua maioria de negros e mestiços pobres e que durante toda a escravidão vivera à margem da grande produção exportadora, ele continuaria “vegetando”, marginal e dispensável, a não ser em regiões de fraco desenvolvimento econômico aonde não chegaram imigrantes. É que também ele sofreria do mal da “herança da escravidão”, acostumado às relações patriarcais de dependência servil e entregue em sua maioria a atividades de mera subsistência. (AZEVEDO, 1987, p 18).

O lugar permitido para a mulher negra, historicamente, é à margem, quaisquer que seja a esfera social abordada. A condição de sempre estar em um lugar previsível, em um lugar comum, torna a ascensão da mulher negra praticamente intolerável aos olhos da sociedade. O desenvolvimento da mulher negra é inversamente proporcional ao poder exercido pelos organismos sociais tradicionais. Quanto à posição na hierarquia da sociedade brasileira, são as mulheres negras a base piramidal, seja no mercado de trabalho ou na vida social em geral. A questão da mulher negra não se adere somente a uma questão de gênero, é uma questão de raça e sexualidade. Segundo Sueli Carneiro “é preciso enegrecer o feminino”, uma vez que o feminismo trata somente da questão de gênero. Os problemas das mulheres brancas, em tese, serão os problemas das mulheres negras, contudo os problemas das mulheres negras não serão os problemas das mulheres brancas.

Quando falamos do mito da fragilidade feminina, que justificou historicamente a proteção paternalista dos homens sobre as mulheres, de que mulheres estamos falando? Nós, mulheres negras, fazemos parte de um contingente de mulheres, provavelmente majoritário, que nunca reconheceram em si mesmas esse mito, porque nunca fomos tratadas como frágeis. Fazemos parte de um contingente de mulheres que trabalharam durante séculos como escravas nas lavouras ou nas ruas, como vendedoras, quituteiras, prostitutas…Mulheres que não entenderam nada quando as feministas disseram que as mulheres deveriam ganhar as ruas e trabalhar! (CARNEIRO, 2014, p. 1-2)

Segundo Lélia Gonzalez[1], o feminismo no Brasil padecia de duas dificuldades para as mulheres negras: de um lado, o viés eurocêntrico do feminismo brasileiro que omitia a centralidade da questão de raça nas hierarquias de gênero presentes na sociedade, universalizava os valores de uma cultura particular (a ocidental) para o conjunto das mulheres, sem as mediações que os processos de dominação, violência e exploração que estão na base da interação entre brancos e não brancos constituía-se em mais um eixo articulador do mito da democracia racial e do ideal de branqueamento. Por outro lado, também revelava um distanciamento da realidade vivida pela mulher negra, ao negar toda uma história feita de resistências e de lutas, em que essa mulher tem sido protagonista graças à dinâmica de uma memória cultural ancestral – que nada tem a ver com o eurocentrismo desse tipo de feminismo.

Ao colocar a questão de gênero como uma questão social, a mulher se transformou em um sujeito político e, essencialmente, trouxe outros sujeitos e grupos particulares como o grupo de mulheres negras. O movimento das mulheres negras vem para dar relevância aos anseios e assumir e estruturar articulações para que o sujeito social mulher negra faça parte do meio social brasileiro.

É importante salientar que nesse meio social já existe, para a mulher negra, um mercado de trabalho a ser ocupado:

O fato de 48% das mulheres pretas […] estarem no serviço doméstico é sinal de que a expansão do mercado de trabalho para essas mulheres não significou ganhos significativos. E quando esta barreira social é rompida, ou seja, quando as mulheres negras conseguem investir em educação numa tentativa de mobilidade social, elas se dirigem para empregos com menores rendimentos e menos reconhecidos no mercado de trabalho. ( LIMA, 1995, p. 28)

Com relação às leituras das fórmulas discursivas, os estudos de Maingueneau (2011) referentes à aforização[2] proverbial e o feminino, apontam para o fenômeno de um conjunto de citações sem autor definido, como se pode atribuir ao caso da primeira parte do título deste trabalho, “Quem esta negra pensa que é? Segundo Maigueneau, é necessário dar atenção à proliferação dos provérbios sobre as mulheres, em contraste à escassez do mesmo fenômeno relacionado aos homens. Portanto, os homens formulam os ditames relacionados à moral, ao comportamento, à expectativa de um perfil feminino tradicional, traçado pela visão masculina.

 

CAPÍTULO 1

INEDITISMO DA MULHER NEGRA BRASILEIRA: UMA QUESTÃO HISTÓRICA

1.1. Principais profissões comuns à mulher negra no período pós-abolição

A questão do lugar da mulher negra no Brasil contemporâneo é fruto de uma história que insiste em não se desatualizar. Nos dias atuais é bastante comum encontrar mulheres negras trabalhando em casas de família como babás, domésticas, cozinheiras, lavadeiras, passadeiras etc. Segundo dossiê elaborado pelo IPEA (2013, p.74).

Segundo os dados da PNAD, havia no Brasil, em 2009, cerca de 7 milhões de pessoas vinculadas ao emprego doméstico, das quais cerca de 500 mil eram homens. A categoria de empregados domésticos é majoritariamente feminina, com cerca de 7% de homens. Entre as mulheres, a proporção de negras (21,6%) é bem maior que a de brancas (13,5%). A grande concentração de mulheres negras no emprego doméstico chama atenção dos pesquisadores desde meados do século XX.

Mas a que se devem esses dados? No período da escravidão, a mulher negra era responsável pelos afazeres domésticos e, apesar de a mulher branca ser oprimida por uma questão de gênero, nesse âmbito ela fazia parte da classe opressora, onde, de fato dava as ordens para que estas fossem seguidas pela sua mucama. Já no período pós-abolição, essas mesmas mulheres negras se viram obrigadas a continuarem fazendo esses serviços domésticos em troca de pagamento, visto que, muitas vezes, tinham que complementar a renda familiar, ou até mesmo ser a principal fonte de renda da família, uma vez que no período pós abolição era mais difícil para o homem se inserir no mercado de trabalho.

Devido a suas características (trabalho manual, não requer especializações) o trabalho doméstico passou a ser para muitas mulheres negras a única opção de sustento da família e isso se perpetua até os dias atuais. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Econômicos), entre 2004 e 2011, a proporção de mulheres negras ocupadas nos serviços domésticos no país cresceu de 56,9% para 61,0%, ao passo que entre as mulheres não negras observou-se uma redução de 4,1% pontos percentuais, com a participação correspondendo a 39,0%, em 2011. Em todas as regiões do país, a tendência de elevação do percentual de trabalhadoras domésticas negras esteve presente, exceto para a região Norte, onde passou de 79,6%, em 2004, para 79,3%, em 2011. A região Sudeste registrou o maior aumento de mulheres negras ocupadas no trabalho doméstico no período, com o percentual correspondendo a 52,3%, em 2004, e atingindo 57,2%, em 2011. (Gráfico 1). Continuar a ler

Utopia y revolución

¿Qué es una utopía? Según el DRAE, tiene dos acepciones cercanas: 1. Plan, proyecto, doctrina o sistema deseables que parecen de muy difícil realización; 2. Representación imaginativa de una sociedad futura de características favorecedoras del bien humano. La segunda ha sido la más difundida y conocida. La idea de una sociedad futura, perfecta es un sueño muy antiguo; casi todas las utopías se remiten a un pasado remoto, es decir: hubo una vez una edad de oro. Así hablaban Homero, Hesíodo, Platón en El banquete (cuando Fedro se refiere a Afrodita Urania en contraste con Afrodita popular), Virgilio cuando habla sobre el reino de Saturno, la Biblia Hebrea (el paraíso terrenal). Cabe citar las utopías del renacimiento: las de Tomas Moro llamada Utopía, Tommaso de Campanella, La ciudad del sol y La nueva Atlántida de Francis Bacon. Decía Alfonso Reyes: “la ancha respiración del renacimiento corre por estas obras: libertad y cultura, alegría de pensar, y pensar bien”.

Se trata de imaginar cómo sería un mundo donde no hubiera malestar, en el que no habría miseria ni codicia, ni pobreza ni enfermedades ni miedo ni peligro de un trabajo embrutecedor. Las diferentes utopías de Occidente pueden contener estos mismos elementos. Su característica principal es que son estáticas como la sociedad ha alcanzado un óptimo de felicidad nada puede alterarse en ellas, no hay ninguna necesidad de cambio pues todos los deseos humanos naturales están colmados. El filósofo polaco Leszek Kolakowski sostenía que mientras la utopía sea tan solo la visión de un mundo sin sufrimiento, tensión y conflicto, no es más que un ejercicio literario e inofensivo. Pero es siniestra cuando creemos poseer una especie de técnica de apocalipsis, un instrumento para dar vida real a nuestras fantasías. En este caso la utopía implica un fin último y todos los medios que conducen a él pueden parecer válidos. A los jerarcas comunistas, revolucionarios socialistas, esta fantasía les da un marco conceptual muy conveniente: sobrevendrá un mundo perfecto de unidad y felicidad; podrá suceder en cien años o quizá en mil años, pero su certeza justifica el sacrificio de las generaciones presentes. Esta certeza, de acuerdo con Marx y Engels es real puesto que se trata de una conquista del “socialismo científico”, superación del socialismo utópico.

Sin embargo, nadie puede prohibirnos, ni sería deseable, pensar en términos de valores difíciles de realizar, según la segunda acepción del DRAE. Hay algo natural en nuestra búsqueda de un mundo mejor después de todo, muy poco se habría progresado si el hombre no hubiese pensado en cosas mejores. En este sentido la utopía es quizá parte permanente de la vida humana. Pero se vuelve muy peligrosa cuando empezamos a querer institucionalizar la fraternidad humana o cuando –como todos los marxistas- confiamos en arribar a la unidad perfecta y la felicidad a través de la violencia y los decretos burocráticos.

No necesitamos releer a Marx, Engels, Lenin y toda la sucesión de marxistas para saber y sentir que la sociedad capitalista o burguesa padece de grandes males y que ha traído indeseables calamidades a la humanidad. De ahí se comprende que los hombres traten, unos de reformar el sistema y otros de transformarlo radicalmente, es decir, no mediante la evolución sino mediante la revolución social: destruir el capitalismo y reemplazarlo por el comunismo, que sería la sociedad de la fraternidad y la felicidad. De esta manera, decía Mariano Picón Salas, que la palabra revolución tuvo vibrante vigencia explosiva en los años que precedieron a la Guerra Mundial II, y que tanto las gentes de izquierda como las de derecha invocaron míticamente ese vocablo que les permitiría forjar de nuevo el mundo a imagen y semejanza de un paraíso terrenal. Ese paraíso no tenía fecha de llegada, pero era inevitable: así lo establecía el socialismo científico. Es una ley inevitable. Para los pensadores utópicos de esta tradición el final feliz es una serenidad sin fin, la luz de una sociedad estática libre de conflictos una vez que el Estado se ha extinguido y toda autoridad constituida se ha desvanecido; surgiría un hombre nuevo, racional, cooperativo, virtuoso, dichoso y libre. Se trata de un intento por tener lo mejor de dos mundos: permitir el conflicto inevitable, consustancial con la sociedad, pero creer que, al mismo tiempo que inevitable, es un estadio temporal en el camino de la autorrealización de toda la realidad.

Surge la pregunta ¿por qué la historia habría de tener una estación final? Picón Salas en su libro Regreso de tres mundos (1959) dice con lucidez: “Dialécticamente dentro de la libertad ‘burguesa’ se engendró el marxismo, como será de esperar que éste, dentro de doscientos o trescientos años, genere otra teoría diferente. De otro modo negaríamos la dialéctica. Porque la idea de Revolución era para mí llegar mucho más lejos a aquel hermético paraíso de bronce en que se troco la llamada dictadura del proletariado. Negando la dialéctica, los intelectuales comunistas durante treinta años no quisieron perturbar los sueños y los planes del camarada Stalin. Y Stalin debía pensar –con autoridad de dogma- no solo sobre política sino también sobre genética, filología y pintura. ¿No era, en territorio opuesto, lo mismo que decía el ministro de Justicia de Adolfo Hitler?: ‘antes teníamos el hábito de decir qué es esto: ¿justo o injusto? Hoy la pregunta tiene que formularse de otra manera: ¿qué es lo que diría nuestro Führer?’”. Ese ministro era el siniestro Paul Joseph Goebbels.

Pero ha habido el suficiente progreso y tiempo para permitir al mundo, con excepciones, ver la verdad: en 2017 se cumplen 100 años de la Revolución Bolchevique, que implantó el socialismo en Rusia bajo la tutela del PC. En efecto en 1989 fue derribado el muro de Berlín y en 1991 fue disuelta la Unión Soviética, y tras ella cayeron, como soldaditos de plomo los países socialistas satélites. La consigna de Lenin, “todo el poder a los soviets”, no sólo no se cumplió sino que se deformó de tal manera que el Estado se convirtió en un instrumento de tortura y suplicio, creador de los ominosos Gulags y de purgas que encarcelaron y mataron a millones de personas.

China primero, y luego Vietnam, ante tal catástrofe cambiaron de rumbo: no obstante la férrea dominación de los respectivos PC, abrieron un amplio sector capitalista en sus economías. Fue Deng Xiaoping, quien en 1978 sentenció: la solución no está en las comunas, está en el mercado. Quedó así sepultado Mao con todas sus comunas. El fracaso del socialismo que realmente existió –un socialismo de Estado- es una evidencia histórica, un hecho irrefutable. Por eso se ha dicho que tratar de revivirlo es un acto de locura, interpretada como tratar de volver a hacer lo mismo una y otra vez sin que el resultado cambie.

¿Por qué en Venezuela, desde la época de Chávez hasta el presente Padrino/Madurista se sigue insistiendo, no sólo en la idea de un socialismo de Estado que va configurando una tiranía mayor que las preexistentes? El Socialismo significa, de hecho, el Estado propietario de las vidas humanas. El punto clave es este: no se necesitó distorsionar fundamentalmente al marxismo para que sirviese a las clases privilegiadas, la burocracia, los militares y los militantes del partido, como instrumento de autoglorificación. Se quiso eliminar, o al menos reducir el muestrario multicolor de la irrevocable variedad de los temperamentos humanos y sus ideales, reducidos brutalmente a la uniformidad. Al igual que el fascismo de Mussolini, y el nazismo de Hitler, el comunismo se convirtió en un sistema totalitario. Hannah Arendt lo mostró claramente.

Kolakowski lo dijo claramente en un discurso memorable pronunciado en 1977 en el Pen Club Polaco:

El arma secreta del totalitarismo [es] emponzoñar con odio toda la trama espiritual del hombre, despojándolo así de su dignidad”.

En su obra mencionada Picón Salas nos dice “Casi negando la Historia, entre la sociedad que debía nacer y las épocas anteriores aquellos fanáticos [los gélidos hombres de partido] erigían una solución de continuidad, y con los epítetos de ‘burgués’ y ‘reaccionario’ hubiera negado el arte y la literatura de las edades precedentes”. La uniformidad mata, la sujeción a una sola ideología, no importa cuán razonable e imaginativa sea, roba a los hombres su libertad y su vitalidad.

¿Una crisis migratória

AUTORES: Brigitte Espuche, co-coordinadora de la red euro-africana Migreurop (espuche@migreurop.org) |  Louis Imbert voluntario Migreurop en Málaga Acoge (España); estudiante de Máster en Derechos Humanos – Francia (imbert.louis@gmail.com)

O original deste texto foi escrito em francês e traduzido pelos autores

 

Abstract

 In 2015, as it faced the exodus and deaths at sea of thousands of people seeking a safe haven, Europe persisted in pursuing a security-oriented approach.

The measures aimed at preventing crossings, as well as their impact on migrants, were reinforced at internal (Calais, Ventimiglia, Balkans) and external borders, which are now militarized (Frontex-led Operation Triton, EuronavforMed in the Mediterranean Sea, NATO in the Aegean Sea, triple fence in Ceuta and Melilla). This trend can also be observed in countries of departure and transit (Niger, Libya, Turkey), to which Europe has externalized its policies.

Far from any solidarity and under the false pretense of a “migration crisis”, the EU has intensified its more than 20-year-old repressive policy towards exiles, pretending to use innovative strategies such as “hotspots” and relocation to sort, track, detain and deport individuals deemed undesirable, in violation of their rights and of international obligations.

 

Introducción

Desde hace más de 20 años, Europa lleva a cabo políticas represivas y con un enfoque de seguridad hacia las personas en migración. Estas políticas, pensadas en los años 1980 e implementadas a partir de los años 1990, han restringido progresivamente el campo de la inmigración “regular” y se han fijado como prioridad “la lucha contra la inmigración irregular”. Para ello, la Unión europea (UE) y sus Estados miembros han desarrollado una multitud de dispositivos legislativos, administrativos y políticos relativamente coercitivos.

En primer lugar, se han reducido drásticamente las vías legales de entrada en el territorio de la UE, mediante políticas de visado y asilo cada vez más restrictivas. Así se les impide a las personas en migración entrar y residir legalmente en Europa.

Desde los años 1990, las autoridades europeas recurren de forma creciente al encierro de las personas en migración[1] en centros cerrados (centros de internamiento, zonas de tránsito, comisarías, etc.) o en centros teóricamente “abiertos”, en Europa y más allá. En efecto, la UE y sus Estados miembros financian campos de extranjeros fuera del territorio europeo. El objetivo de esta lógica de “encampamento” siempre es el mismo: controlar y marginalizar poblaciones consideradas como “indeseables”.

Durante el mismo periodo, la UE y sus Estados miembros han militarizado progresivamente las fronteras exteriores de la Unión a través de dispositivos cada vez más sofisticados. ¿Su objetivo? Impedir cualquier entrada terrestre o marítima, gracias a la multiplicación de las operaciones de vigilancia coordenadas por la agencia europea Frontex[2] y a la creación en 2015 de operaciones militares a las que participan la UE y la OTAN, en el nombre de la “lucha contra el tráfico de seres humanos”.

Asimismo, la UE y sus Estados miembros han desarrollado una política de externalización de los controles migratorios, otorgando a nuevos actores – privados (aerolíneas) y estatales (países “terceros” [3]) – el papel de distinguir más arriba entre los “buenos” y los “malos” migrantes. Bajo el pretexto de proteger Europa de un “riesgo migratorio”, se ha asignado poblaciones enteras a residencia, pese al derecho de toda persona “a salir de cualquier país, incluso del propio”, consagrado por el artículo 13 de la Declaración Universal de Derechos Humanos.

A partir de abril de 2015, las autoridades europeas y los medios de comunicación empezaron de repente a repetir una y otra vez que Europa se enfrentaba a una “crisis migratoria sin precedente”. No obstante, un año más tarde, se observa que las autoridades europeas no han estado a la altura del desafío que se imponía a ellas.

Bajo el pretexto falaz de una “crisis migratoria” (I), la UE ha reforzado la represión hacia las personas en migración, haciendo caso omiso de sus derechos y de sus propias obligaciones (II), revelando así una crisis mucho más profunda, que toca los propios fundamentos de la construcción de la Unión (III).

 

I – La construcción de una « crisis migratoria »

Según la Organización Internacional para las Migraciones (OIM), 1 000 504 personas se presentaron a las puertas de Europa en 2015 (el 3% por vía terrestre y el 97% por vía marítima)[4]. Estas llegadas representan un número cuatro veces más alto que en el año 2014, y también según la OIM, constituirían “el flujo más importante [de migrantes] desde la segunda guerra mundial”.

Para rematar este panorama, en 2015, más de 3 700 personas fallecieron al intentar atravesar el mar Mediterráneo, es decir más de 10 personas al día.

 La llegada de exiliados y el número de naufragios se han multiplicado el año pasado en las fronteras de Europa, debido entre otros a la persistencia de situaciones de conflicto en numerosas regiones del mundo (Medio y Próximo Oriente, África). Sin embargo, ¿realmente se puede considerar que Europa se enfrenta a una “crisis migratoria” que de repente pondría en peligro su buen funcionamiento y su estabilidad?

  • Una “crisis” previsible y que se debe relativizar

Los 12 y 19 de abril de 2015[5], 2 naufragios consecutivos en el mar Mediterráneo costaron la vida de aproximadamente 1 500 exiliados.

El 20 de abril de 2015, los 28 ministros del Interior y de Asuntos Exteriores adoptaron un plan de acción en diez puntos como primera respuesta a la “situación de crisis en el Mediterráneo”. En este documento se encuentra por primera vez el concepto de “crisis migratoria”. Esta expresión alarmista se extendió entonces como un reguero de pólvora en el lenguaje de las instituciones europeas, de los responsables políticos y de los medios de comunicación europeos.

El 13 de mayo de 2015, también en respuesta a la “crisis migratoria en el Mediterráneo”, la Comisión europea anunció su Agenda Europea sobre Migración.

Si bien fueron los naufragios mortíferos del mes de abril de 2015 que desencadenaron esta retórica de la “crisis”, los responsables políticos también han utilizado las cifras de las llegadas y de las solicitudes de asilo en los 28 Estados miembros para destacar la importancia del fenómeno. Sin embargo, omitieron precisar que estas cifras no eran nuevas y que la intensificación de los movimientos migratorios hacia Europa era una realidad desde hace varios años. Esas cifras no cogieron a Europa por sorpresa en 2015. Las solicitudes de asilo ya habían aumentado en 2013 y 2014. Todos los indicadores apuntaban a que numerosas personas en busca de protección intentarían llegar hasta Europa en los años siguientes. Millones de nacionales sirios ya habían huido de su país, acogidos en su abrumadora mayoría por los países vecinos (principalmente Turquía, Líbano y Jordania). Dada la situación cada vez menos sostenible en estos países, inicialmente generosos, pero en dificultad frente a las llegadas importantes y continuas (Líbano ha acogido hasta el equivalente del cuarto de su población), las autoridades europeas habrían tenido que anticipar el incremento de las llegadas en 2015 y más allá.

Al contrario, los responsables políticos parecen haber ignorado deliberadamente los múltiples avisos de las organizaciones internacionales al respecto. Ya en 2013, el Alto Comisionado para los Refugiados de las Naciones Unidas (ACNUR) recomendaba que se abriesen vías legales de acceso a Europa[6].

No sólo era previsible y evitable esta “crisis”, sino que está lejos de revestir el carácter “inédito” y “excepcional” que le prestan los responsables políticos y comentaristas de todos tipos.

Ciertamente, se presentaron en 2015 un millón de personas en migración a las puertas de Europa. Pero se debe relativizar esta cifra. Por un lado, pese a su importancia aparente, sólo representa el 0,2% de la población total de la Unión europea (alrededor de 510 millones de habitantes). Basta volver a los años 1990 para encontrar semejante ejemplo de llegadas importantes de personas en migración en los países de Europa occidental. En aquella época, más de medio millón de personas habían huido de las guerras de Yugoslavia hacia una Europa que sólo contaba 12, y luego 15 Estados miembros.

Por otro lado, a pesar de que el año 2015 fue marcado por un incremento sin precedente del número de personas desplazadas y refugiadas en el mundo (65,3 millones según ACNUR[7]), Europa está lejos de ser la principal región afectada. Cerca del 90% de las 21,3 millones de personas refugiadas en el mundo están acogidas en países del Sur[8]. En 2015, durante la llamada “crisis migratoria”, Alemania acogió por sí sola a la mitad del millón de exiliados, y esto principalmente entre el final del verano y el inicio del otoño, cuando abrió sus fronteras. En otros países como el Reino Unido, las llegadas apenas fueron más numerosas en 2015 que en 2014. En realidad, debido a la miríada de dispositivos de cierre implementados por la UE, pocos exiliados llegan a pisar efectivamente Europa. Las políticas comunitarias de visado y asilo les impiden a muchas personas, sospechadas de presentar un “riesgo migratorio”, acceder legalmente al territorio de la UE y residir allí en regla.

  • La instrumentalización de la retórica de la “crisis”

Pese a todo, la retórica de la “crisis ha convencido con éxito a una parte de la población europea que era legítimo llevar a cabo políticas migratorias aún más restrictivas, a pesar de una situación humanitaria mundial cada vez más desastrosa y de las numerosas tragedias en nuestras fronteras.

El concepto de “crisis” ha inducido una temporalidad política extremadamente corta, infundiendo la idea de una suerte de catástrofe repentina a la cual habría que aportar una respuesta inmediata. Sin embargo, eso supone hacer caso omiso a las políticas neoliberales que han destruido numerosos mercados no europeos, a las intervenciones militares que han desestabilizado regiones enteras del mundo y a la venta de armas a dictaduras conocidas por sus violaciones masivas de derechos humanos. La retórica de la “crisis” da la impresión de que Europa se enfrenta a una situación pasajera, y que podría abstenerse de reformar profundamente las políticas que nos llevaron a la situación actual.

Pero, sobre todo, a través del imaginario de la “ola migratoria” hacia Europa, la “crisis” contribuye a reforzar el mito de la invasión y la criminalización de las personas en migración. Lo demuestran las cifras de la inmigración “irregular” difundidos en octubre de 2015 por Frontex, la agencia europea de vigilancia de las fronteras exteriores de la UE.

En plena “crisis migratoria”, esta agencia publicó datos que señalaban “710 000 migrantes que franquearon las fronteras de la UE” desde el inicio del año en curso[9]. No obstante, Frontex no aclaró que se trataba del número de franqueamientos “irregulares” de las fronteras exteriores de la UE y no del número de las personas entradas “irregularmente” en el territorio de la UE. Ahora bien, cada persona puede franquear varias veces las fronteras (por ejemplo, en la ruta de los Balcanes). Por lo tanto, la cifra avanzada por Frontex es mucho más alta que la de las personas efectivamente entradas en la UE en el mismo periodo[10]. Pese a ello, esta cifra exagerada fue difundida como tal por la mayoría de los medios de comunicación[11] y utilizada como la demostración de un “boom de la inmigración irregular”. Eso no ha dejado de alimentar el mito de la invasión ya muy presente en la opinión pública europea.

Además, entre las personas entradas “irregularmente” en el territorio de la UE en 2015, más del 80% eran potenciales solicitantes de asilo[12], es decir personas quienes, según la Convención de Ginebra de 1951, no pueden ser penalizadas al franquear una frontera sin documentos o con documentos fraudulentos[13]. En consecuencia, se equivoca la agencia Frontex al ver en estos movimientos migratorios una inmigración “irregular” en fuerte incremento.

Lamentablemente, una parte de la población europea ha integrado las cifras de Frontex como hechos probados y ha admitido la importancia de reforzar la criminalización de las personas en migración. Desde hace muchos años, Frontex se nutre del discurso demagógico de los Estados miembros, que pone de relieve los riesgos de “desbordamiento de las fronteras”. Según este discurso, las personas en migración plantearían un problema de orden público y de seguridad, ya que, al llegar en las costas europeas, al “invadir” Europa, pondrían en peligro su estabilidad.

Además, desde los atentados del 11 de septiembre de 2001 de Nueva York, la inmigración ha sido progresivamente vinculada con los asuntos de seguridad interior. Desde 2004, el programa de La Haya[14] – que prevé la elaboración en cinco años de una política común de inmigración y asilo – mezcla seguridad e inmigración. Tras los atentados en París en 2015 y Bruselas en 2016, la amalgama entre “riesgo migratorio” y potencial amenaza terrorista se ha visto reforzada más que nunca. Esta amalgama está instrumentalizada por los partidos europeos de extrema derecha para propugnar por un refuerzo de los controles fronterizos y ganarse votos. Eso genera una hostilidad aún más creciente hacia los extranjeros.

El contexto actual marcado por el miedo, el sospecho y el rechazo permite legitimar, a ojos de la opinión pública, prácticas cada vez más represivas y con un enfoque de seguridad en materia de inmigración y asilo. Refuerza la guerra llevada a cabo en los años 2000 contra los migrantes que intentan llegar a Europa, a menudo al coste de sus vidas.

II – … Pretexto de la intensificación de la guerra a los migrantes

Lejos de provocar un cambio de políticas migratorias, la “crisis” parece haber generado un repliegue xenófobo que justifica mantener e intensificar políticas europeas con un enfoque “securitario” hacia los migrantes. Lo demuestra a la perfección el Plan de Acción de abril de 2015 de la UE al proponer “acciones inmediatas en respuesta a la situación de crisis en el Mediterráneo”, pero se enfoca en realidad en aumentar la vigilancia de las fronteras, reprimir a los “traficantes”, fichar de manera masiva a las personas en migración, expulsar de forma veloz a más personas, y por último, profundizar la externalización de los controles migratorios para contener mejor los movimientos migratorios hacia Europa.

  • El enfoque “hotspot”: ¿medios innovadores al servicio de una lógica represiva?

Frente a las “tragedias migratorias” en el mar y a la “crisis”, las autoridades han implementado una serie de medidas y dispositivos hacia una mejor “gestión de la inmigración”. Desde la “acogida” (a.) a la identificación y selección (b.), pasando por la “securización” creciente (c.) y la externalización de las fronteras europeas (d.), se consolida una lógica represiva que sigue prevaleciendo en las políticas migratorias europeas.

  1. La “acogida”: la reubicación en los Estados miembros

La reubicación de solicitantes de asilo hacia otros Estados miembros fue presentada por la Comisión europea en septiembre de 2015 como una primera respuesta urgente a la “crisis migratoria”. Se dirige a solicitantes de asilo que llegaron a Grecia o Italia después del 15 de abril de 2015, y cuya nacionalidad se ve otorgar el estatuto de refugiado a 75 % en el conjunto del territorio de la UE (según la base de datos Eurostat).

La reubicación consiste en repartir a 160 000 solicitantes de asilo entre los Estados miembros de la UE en dos años y permite derogar al reglamento de Dublín, que imputa la responsabilidad del examen de la solicitud de asilo al país de primera llegada, salvo excepciones. Basado en el artículo 78-3 del Tratado de Funcionamiento de la Unión Europea, el sistema de reubicación es jurídicamente vinculante. Sin embargo, depende en la práctica principalmente de la buena voluntad de los Estados.

A día del 21 de octubre de 2016, de los 160 000 solicitantes de asilo inicialmente previstos tan sólo unos 6 200 habían sido reubicados. De éstas, 4 846 de ellos han dejado Grecia y 1 391 Italia[15], representando un porcentaje irrisorio respecto al objetivo marcado a dos años.

Caben aquí dos observaciones. Primero, el número de solicitantes de asilo que se acordó reubicar entre los Estados miembros – 160 000 personas – no puede considerarse un impulso de solidaridad. Sobre todo, si tenemos en cuenta que la UE tiene una población de cerca de 510 millones de habitantes, que los países vecinos de Siria acogen a más de cuatro millones de refugiados sirios y que más de un millón de personas en migración alcanzaron Europa en 2015. Además, los Estados miembros non cumplen sus magros compromisos.

El escuálido mecanismo de reparto resulta un fracaso total por varias razones. La primera se debe a la falta de voluntad política de los Estados miembros, que se niegan a cumplir sus promesas. A día de 14 de julio de 2016, Austria, Dinamarca, Hungría, Polonia y Eslovaquia no habían reubicado a ningún solicitante de asilo. Bulgaria, Croacia y la República Checa habían reubicado a menos de diez solicitantes cada uno. Polonia revocó su compromiso tras los atentados del 13 de noviembre de 2015 en París. Hungría y Eslovaquia han anunciado públicamente su intención de recurrir la decisión del Consejo europeo sobre las reubicaciones. Hungría también está organizando un referéndum nacional sobre el asunto el 2 de octubre de 2016.

Segundo, el fracaso de las reubicaciones se debe a que el sistema de reubicación no toma en cuenta, entre los criterios de reparto entre los Estados miembros, la voluntad o incluso las intenciones y circunstancias de los solicitantes, como, por ejemplo, los idiomas hablados, las redes de solidaridad (familia y comunidad nacional) y las oportunidades económicas. En efecto, las personas tienden a reubicarse por sí solas a países donde piensan poder integrarse mejor.

Tercero, el sistema de reubicación está basado en la idea falsa de que los sistemas de asilo de los Estados miembros son equivalentes. Sería el caso si existiera un verdadero régimen de asilo europeo común. Sin embargo, siguen existiendo diferencias importantes entre los Estados miembros en términos de condiciones de acogida de los solicitantes de asilo, de procedimientos de asilo y de criterios de otorgamiento del estatuto de refugiado.

Estas diferentes experiencias han demostrado que es sumamente difícil imponer de gestionar la movilidad de manera autoritaria. Pese a ello, las instituciones europeas debaten actualmente de la adopción de un reglamento de Dublín IV que se basaría en cuotas obligatorias. Todo esto a pesar de que la iniquidad y la ineficacia del sistema de Dublín en plena “crisis migratoria” hicieron precisamente que se implementara el sistema de reubicación, para redistribuir las responsabilidades entre los Estados miembros de la UE. En efecto, imponer a los países de primera llegada en la UE la responsabilidad del examen de las solicitudes de asilo es profundamente injusto, tanto para los países que tienen fronteras exteriores de la UE, sobre los cuales descansa gran parte de la responsabilidad, como para los solicitantes de asilo, a los que se les niega la libre elección de su futuro país de acogida y se les coloca en condiciones de desigualdad, en términos de acogida y del examen de su solicitud de asilo.

No obstante, lejos de extraer lecciones del fracaso tanto del reglamento de Dublín III como del dispositivo de reubicación para acabar con estos mecanismos desiguales, la UE está valorando consolidar este mecanismo injusto y deficiente, en lugar de cambiarlo.

Parecería que, en realidad, lo que busca la UE con este mecanismo es luchar contra los movimientos llamados “secundarios”, es decir, los desplazamientos de solicitantes de asilo de un Estado miembro a otro, en particular a países como Alemania o Suecia, considerados como más atractivos.

Pero además, la reubicación traduce la obsesión de deshacerse lo más rápidamente posible de los que no cumplen los requisitos para ser reconocidos como refugiados, es decir personas a las que se les categoriza de entrada como “inmigrantes económicos” y que, a los ojos de los Estados miembros, no tienen una razón válida para permanecer (o incluso venir) a Europa, excluyéndoles y criminalizándoles. Para las autoridades, se trata de contener al máximo la entrada en el territorio europeo de estos migrantes, confinándolos a su lugar de llegada mientras se determine si tienen una necesidad legítima de protección.

  1. Identificación y selección: los hotspots

En paralelo del sistema de reubicación, y con fines de selección de los “flujos migratorios” entre “migrantes económicos” y solicitantes de asilo, la UE implemento el enfoque “hotspot”. Esta terminología, que tiene origen en el vocabulario policial estadounidense[16], refiere al dispositivo de identificación y selección de los migrantes en las fronteras exteriores de la UE. Para “enfrentarse a la crisis”, nueve centros llamados “hotspots” fueron abiertos en Italia y Grecia.

El objetivo oficial es proporcionar una ayuda inmediata a los países llamados de “primera línea”, facilitando la identificación de los recién llegados, para reubicarlos hacia el Norte, examinar la solicitud de asilo in situ o expulsarlos hacia el Sur. La ayuda de la UE consiste en el despliegue de agentes de Frontex, de Europol y de la Oficina Europea de Apoyo al Asilo. La identificación de las personas se hace sobre todo gracias a una selección según la nacionalidad, vulnerando así el artículo 3 de la Convención de Ginebra que prohíbe de manera expresa cualquier discriminación basada en el país de origen durante el tratamiento de las solicitudes de asilo.

Este dispositivo de selección pronto empezó a funcionar de manera coercitiva y evolucionó hacia la privación de libertad. Esto ha supuesto el uso de centros de retención en las islas griegas tras el acuerdo del 18 de marzo de 2016 entre la UE y Turquía (ver Infra). Esta medida fue criticada por numerosas organizaciones de la sociedad civil, así como por órganos de las Naciones Unidas[17]. Además, este dispositivo prioriza la tomada de huellas de manera sistemática, para todos, lo que confirma que el enfoque “hotspot” busca establecer el fichaje y la trazabilidad de las personas en migración.

Identificación, selección y detención de las personas llegadas a las fronteras. Nada nuevo aquí. Más allá de las novedades semánticas, este dispositivo de selección y privación de libertad ya existía en las fronteras nacionales de los Estados miembros. En efecto, los hotspots se parecen a las zonas de transito europeas, donde los derechos de los migrantes se ven aniquilados. Así, las islas griegas consisten en un verdadero archipiélago carcelario. No solo cualquier persona (incluyendo los menores) puede estar detenida hasta 25 días, sino también se expiden documentos de identidad que les prohíbe el acceso al continente europeo desde las islas, durante el tiempo necesario para el examen de sus solicitudes de asilo. Las condiciones de detención y el carácter arbitrario de la detención (acceso limitado, a veces inexistente, a una asesoría jurídica y a un intérprete) fueron denunciados por la organización Human Rights Watch y fueron el objeto de varios recursos ante el Tribunal europeo de los DDHH[18].

  1. Control o seguridad incrementada de las fronteras

En paralelo de la reubicación y de los hotspots, los Estados miembros intentan impermeabilizar al máximo las fronteras europeas de la UE, siguiendo una lógica de contención de los movimientos migratorios hacia Europa y en su seno. Por ello, la UE da un paso más en la militarización de las fronteras.

Militarización de las fronteras exteriores para parar a los migrantes

Tras el naufragio de 336 personas en la Mediterránea en 2013[19], la Marina italiana lanzó la operación militar-humanitaria Mare Nostrum en el Mediterráneo con una duración limitada. Un año después, en noviembre de 2014, considerada como demasiada costosa y poco disuasiva para los migrantes, fue sustituida por la operación de vigilancia Tritón, coordinada por la agencia europea Frontex.

Menos ambiciosa que Mare Nostrum, que se extendía hasta las costas libias[20], y rescató cerca de 160 000 personas, Tritón responde en realidad a las verdaderas prioridades de Europa, es decir el control de las fronteras. Con equipamiento y recursos menos importantes que Mare Nostrum, la operación se limita a las aguas territoriales europeas y no tiene los recursos ni el mandato para proceder a operaciones de rescate[21], tal como señala el director de la agencia Frontex: “Tritón no puede ser una operación de búsqueda y salvamento, tampoco es su mandato y, según mi punto de vista, tampoco es el de la UE [22]. Según él, el rescate de los migrantes en alta mar generaría un “efecto llamada”, y entonces habría travesías más peligrosas, al beneficio de los “pasadores de fronteras”: “Aumentar los recursos de salvamento solo animaría a los migrantes desesperados a arriesgarse en el mar [23].

Este cambio de rumbo tuvo consecuencias dramáticas para las personas en riesgo en el mar, como lo habían anticipado números actores[24], incluido Frontex[25]. Después de los dos naufragios consecutivos de abril 2015, la UE propuso un nuevo fortalecimiento de los medios de Frontex en mayo de 2015. Como respuesta, la comisión decidió triplicar los presupuestos de las operaciones Tritón y Poseidón (26 millones € más) para aumentar los medios y la zona de actuación de la agencia. Así, el coste de la operación Tritón pasó de 2,9 hasta 9 millones €/ mes (es decir el coste diario de Mare Nostrum). En la operación Tritón, participan 21 Estados miembros proporcionando recursos humanos (65 agentes al total) y técnicos (cuatro aviones, un helicóptero, cuatro patrullas en alta mar, un barco de patrulla costera, dos patrullas costeras) [26].

Así, frente a la multiplicación de los naufragios, se decidió sistemáticamente aumentar los medios de control de Frontex, para proteger aún más las fronteras europeas e impedir a los migrantes y a las personas buscando protección el acceso a su territorio. No obstante, lejos de permitir salvar más vidas, la agencia Frontex conllevo más riesgos para las personas en migración. Más de un año después del anuncio del fortalecimiento de los medios de la agencia, la cifra de personas desplazadas no ha disminuido y la de personas migrantes fallecidas en el mar ha aumentado.

Sin embargo, para defender mejor el espacio Schengen, la Comisión europea propuso en diciembre de 2015 ampliar el mandato de Frontex que se ha convertido el 16 de septiembre 2016 en la agencia europea de guardas costas y guardas fronterizos[27]. Se le ha dotado de más recursos y prerrogativas[28] y su mandato será ampliado substancialmente (lucha contra la inmigración irregular, el crimen transfronterizo y el terrorismo) y territorialmente (fronteras exteriores y Estados miembros).

Sin embargo, la decisión de la UE y de sus Estados miembros de fortalecer los recursos de la agencia siempre tuvo como consecuencia desviar las rutas migratorias, cada vez más peligrosas y mortales, y bloquear lejos de las fronteras europeas a las personas que desean llegar a la UE, aunque signifique exponerlas a violaciones de derechos en países de donde no pueden irse.

Desde hace diez años, Frontex se ha ido reforzando sin ningún tipo de control independiente y sin ningún mecanismo eficaz para poder establecer su responsabilidad en caso de violación de los derechos humanos[29].

Militarización del mar en nombre de la lucha contra los pasadores

Frontex no es la única en beneficiarse del fortalecimiento de sus medios para proteger las fronteras. Se emprendieron también en el mar Mediterráneo operaciones militares para luchar contra los “traficantes”. La primera es la operación naval Eunavformed, rebautizada “Sofia” en septiembre del 2015, lanzada por la UE en la parte sur del mar Mediterráneo central, entre Italia y Libia, el 22 de junio de 2015 por un mandato inicial de un año.

Esta operación tiene como objetivo “desmantelar el modelo económico de las redes de tráfico de clandestinos y de trata de seres humanos[30] y recopilar informaciones sobre las redes de traficantes a lo largo de las costas libias (Fase 1 lanzada el 22 de junio 2015), intervenir en alta mar para “inspeccionar, registrar, parar y desviar” las embarcaciones sospechosas de trata de seres humanos (Fase 2A lanzada el 7 de octubre 2015), y por fin desmantelar las redes, sea por medio de actuaciones en las aguas territoriales libias (Fase 2B que necesita el acuerdo de Libia o de las Naciones Unidas) o por puntuales operaciones en tierra en territorio libio (Fase 3).

Al 31 de diciembre de 2015, la operación “Sofia” había permitido detener a 47 pasadores y la inspección y destrucción de 64 barcos[31]. Al 30 de septiembre de 2016, la operación contaba con el apoyo de una veintena de Estados miembros, y disponía de siete barcos, cuatro helicópteros y tres “recursos aéreos” (Luxemburgo, España y Francia)[32].

Esta operación que ha tenido poco éxito a la vista de los resultados, implica riegos para los migrantes y vulnera el derecho internacional, especialmente el derecho de asilo. Es peligrosa porque no se sabe muy bien cómo distinguir a un traficante de un migrante en un barco en alta mar a la hora de abordarlo, o de “neutralizarlo”.

Nótese que, antes siquiera de que debutase esta operación, el Consejo europeo ya había contemplado los “riesgos de daños colaterales incluyendo la pérdida de vidas humanas” en el marco de la implementación de esta intervención armada en el mar[33].

Por otra parte, las operaciones militares se orientan a destruir las embarcaciones y por lo tanto, no son apropiadas para el rescate y poco en capacidad de evitar los naufragios. Los hechos demuestran que son a menudo las embarcaciones civiles – marina mercantil o barcos afretados por las ONGs – quienes rescatan los migrantes en peligro en mar.

Esas intervenciones militares vulneran además el derecho de asilo ya que no se hace ninguna mención de la suerte y de los cuidados de los potenciales solicitantes de asilo que intentan llegar al territorio europeo. Pero, al destruir los barcos – único recurso para cruzar el mar Mediterráneo a falta de vías legales de acceso -, esas operaciones militares impiden a las personas que necesitan protección llegar a las costas europeas y solicitar asilo.

Se teme que dichas operaciones militares, oficialmente destinadas a “luchar contra los traficantes” representen en realidad un nuevo obstáculo para las personas en migración.

Las rutas migratorias cambiaron a finales de 2015, los migrantes deseando llegar a Europa privilegiando el Mediterráneo oriental en lugar del Mediterráneo central. Para bloquear esta nueva ruta, a petición de Alemania, Grecia y Turquía[34], una segunda operación fue lanzada en el mar Egeo entre Grecia y Turquía, el 11 de febrero de 2016, bajo el mandato de la Organización del Tratado del Atlántico Norte (OTAN). El objetivo oficial de esa operación es luchar contra las redes de traficantes y llevar acciones de “inteligencia”, pero, en realidad, la OTAN se unió a las tareas de vigilancia de las fronteras europeas, ya que está encargada de realizar “actividades de reconocimiento, de seguimiento y de vigilancia en aguas territoriales griegas y turcas, así como en aguas internacionales”. Los buques de la OTAN intercambian informaciones con las autoridades griegas y turcas, así como con la agencia Frontex. Se supone que no deben interceptar embarcaciones con destino a Grecia, pero existe el temor de que realicen devoluciones hacia Turquía, violando así el principio de no devolución en el caso de los solicitantes de asilo[35].

El 20 de junio de 2016, el Consejo de la UE prorrogó el mandato de la OTAN en el mar Egeo hasta el 27 de julio de 2017. Además, se añadieron dos prerrogativas más a la operación: la puesta en marcha del embargo de las Naciones Unidas sobre las armas, en alta mar, a lo largo de las costas libias y la formación de los guardas fronterizos libios y de la Marina libia[36].

La intervención de la OTAN en aguas territoriales europeas integra de manera definitiva la cuestión migratoria en el ámbito de la Defensa, al convertirla en una amenaza[37]. Es particularmente representativa de la guerra desarrollada por Europa en contra de civiles en migración en un contexto cada vez más militarizado, ya que los Estados miembros no luchan en contra de traficantes, sino en el fondo en contra de los migrantes y solicitantes de asilo[38].

Si se puede calibrar el interés estratégico, en términos geopolíticos, de contar con la presencia de la OTAN en el Mediterráneo en el contexto actual, dichas operaciones militares son en realidad inútiles desde el punto de vista del objetivo presentado. Por una parte, el cierre de las fronteras europeas y las políticas migratorias represivas incrementan la mortalidad migratoria y dan grandes beneficios a los pasadores de fronteras y otros traficantes. La mejor forma de combatirlos es abriendo vías migratorias legales y seguras. Por otra parte, lejos de solucionar la cuestión de los traficantes, este tipo de operación solo tiene como consecuencia desplazar sus actividades cada vez más lejos.

La mejor forma de combatirlos es abriendo vías migratorias legales y seguras. Por otra parte, lejos de solucionar la cuestión de los traficantes, este tipo de operación solo tiene como consecuencia desplazar sus actividades cada vez más lejos. Por último, en ningún caso frena las llegadas de migrantes, ya que estos buscarán otras vías terrestres o marítimas más peligrosas, como se desprende del aumento de las llegadas “irregulares” al territorio de la UE, proporcional al fortalecimiento de los dispositivos europeos de control de fronteras.

 Militarización de la gestión de la inmigración en Europa y más allá

La militarización de la “gestión de la inmigración” en el territorio y en las fronteras de los Estados miembros impacta también a los Estados “terceros”.

Como prueba, subrayar el papel de las fuerzas armadas en la gestión de las fronteras en Hungría, Croacia, Macedonia, o en Eslovenia, y en las fronteras de Italia y de Grecia, en los hotspots. Lejos de Europa, en la región del Sahel, las operaciones militares europeas de lucha contra el crimen transfronterizo y el terrorismo son un recurso más para cortar las rutas migratorias, con el consiguiente riesgo de instrumentalizar el enfoque de la seguridad y de desestabilizar aún más la sub-región. Roma desarrolló así la idea de que se pudiera controlar las fronteras africanas, sobre todo sahelianas, con el apoyo de misiones como Eucap Sahel, lanzada en 2012[39].

En su plan llamado “Migration compact” – propuesto a la Comisión europea en abril de 2016 – Italia tiene como objetivo concluir acuerdos entre la UE y algunos países africanos para intercambiar ayudas de cooperación a cambio de una mayor lucha contra la inmigración « irregular ».[40]

Este proceso de contención se extiende también a las fronteras internas de Europa.

Cierre de las fronteras interiores

Aunque se supone que el territorio de la Unión es un espacio de libre circulación de las personas (Schengen), varios Estados miembros decidieron cerrar sus fronteras frente a la llamada “crisis migratoria”. Así, Alemania, Austria, Eslovaquia, Hungría, Croacia, Republica checa, Bélgica, Noruega, Dinamarca, y Suecia, restablecieron en 2015 y 2016 controles en sus fronteras nacionales[41], en nombre de la protección de la soberanía nacional y de la integralidad del espacio Schengen. En el este, los Estados empezaron a construir nuevos muros y alambradas[42]: entre Austria y Eslovenia, entre Grecia y Macedonia, pero también entre Hungría por una parte y Serbia y Croacia por otra.

Austria también anunció su intención de construir una valla con su frontera italiana, donde ya fueron reforzados los controles.

Y eso, aunque el director de Frontex recuerda que “los Estados miembros tienen que entender que, en lugar de desplegar centenares de policías en sus fronteras nacionales, sería más útil enviarles en las fronteras exteriores. La verdadera frontera de Francia está en Veintimilla, pero también en Lampedusa, en Lesbos, en Melilla[43].

  1. Alejamiento de los migrantes o la colaboración con los países terceros en la contención de los flujos migratorios

Con esta misma lógica, la UE está consolidando el desplazamiento de sus fronteras externalizando su política migratoria, especialmente al obtener la colaboración de países terceros. El objetivo es retener a los potenciales exiliados que quisieran irse a Europa, impidiendo su salida. La Agenda europea en el ámbito migratorio subraya así que “la colaboración con los países de origen y de transito es imprescindible”. En el plan de acción de la UE en el ámbito del retorno del 9 de septiembre de 2015[44], la Comisión europea se comprometió a abrir nuevas negociaciones sobre los acuerdos de readmisión con países de origen claves, además de los 17 acuerdos ya concluidos y de la veintena de procesos de negociación abiertos[45].

De hecho, la política de externalización no es nueva, pero se intensifica en respuesta a la “crisis migratoria” y la UE se focaliza en países y regiones particulares[46].

La Agenda europea en el ámbito de la inmigración precisa por ejemplo que “Turquía es un buen ejemplo de países con el cual sería muy benéfico intensificar la cooperación”. En 2014, la UE ya había firmado con Turquía un acuerdo de readmisión. El 29 de noviembre de 2015, se adoptó un plan de acción común por las dos partes, para negociar una cooperación más estrecha. En este marco, Europa espera de Turquía que se comprometa a impedir las salidas de migrantes desde sus costas hacia Grecia, a cambio de contrapartidas financieras, políticas y diplomáticas.

El 18 de marzo 2016, el Consejo europeo (jefes de gobierno y de Estado de los 28 Estados miembros) y Turquía, concluyeron un “arreglo” que prevé el retorno hacia Turquía de todas las personas en migración llegadas a las islas griegas a partir del 20 de marzo, incluyendo los solicitantes de asilo para quienes Turquía fue considerada un país seguro. Para cada sirio retornado a Turquía, se supone que otro sirio será reubicado en Europa desde Turquía (principio del uno por uno/con un tope de 72 000 personas)[47].

Por otro lado, Turquía tiene que vigilar y prevenir la apertura de nuevas rutas migratorias hacia Europa desde su territorio. A cambio, Europa se compromete en financiar la acogida de los refugiados sirios en Turquía (3 000 millones € suplementarios “a favor de los refugiados en Turquía”), acelerar la liberalización del régimen de visados para los nacionales turcos y abrir nuevos capítulos de negociaciones en el proceso de adhesión de Turquía a la UE.

La cooperación UE-Turquía, estratégica en el cierre de las rutas migratorias hacia Europa, parece replicar otros modelos. En primer lugar, el modelo español, basado desde los años 90 en la estrecha colaboración con Marruecos en la frontera sur de España. Luego, la colaboración entre Italia y la Libia del coronel Khadafi en 2008, que permitió la intercepción y la devolución sistemática de miles de migrantes hacia Libia, hasta que esas prácticas fueran condenadas por el Tribunal europeo de derechos humanos (Hirsi y otros c. Italia)[48].

Europa busca igualmente intensificar la cooperación con África[49]. Aunque el artículo 13 del acuerdo de Cotonou de 2000 obliga teóricamente los países africanos a firmar acuerdos de readmisión con la UE, en realidad, Europa tiene dificultades para negociar estos compromisos, sin embargo al centro de la política de externalización y de “retorno” de la UE. En noviembre de 2015, la UE organizó la cumbre de La Valeta, con el objetivo de incitar los países africanos a contribuir más activamente en los controles migratorios antes de que los migrantes lleguen a las fronteras europeas[50]. En este contexto, la UE ha desembolsado un fondo financiero de urgencia de 1,8 mil millones de euros, que vincula peligrosamente la ayuda al desarrollo con la lucha contra la inmigración « irregular » y con los retos de seguridad y la lucha contra el terrorismo.

Siguiendo la misma lógica, Italia propuso en abril de 2016 a la Comisión Europea, generalizar el modelo de acuerdo UE-Turquía con un plan llamado « Migration Compact », como vimos anteriormente: se trata de proporcionar una serie de ayudas financieras a los países africanos a cambio de una mayor cooperación en la lucha contra la inmigración « irregular » y en las operaciones de « retorno » desde la UE. En junio de 2016, una comunicación de la Comisión Europea[51] propone intensificar la cooperación con los países africanos a través de una importante dotación de fondos, oficialmente para el desarrollo, pero destinados en realidad a mejorar el control de fronteras y a facilitar la readmisión de las personas en migración.

En vista de estos elementos, está claro que contrariamente a los anuncios de los gobiernos europeos, la prioridad en el seno de la UE frente al éxodo y los naufragios de miles de personas no ha sido el salvamento de los exiliados, la apertura de vías de pasaje legales y seguras o la acogida en Europa. Bajo el pretexto de evitar « nuevos dramas de la migración », los Estados miembros han lanzado en realidad, un conjunto de medidas dirigidas a reforzar los obstáculos de acceso al territorio europeo, desembocando en violaciones masivas de derechos fundamentales, en nombre de la lucha contra la inmigración irregular y los traficantes.

2). El impacto del enfoque « hotspot »

Frente a la crisis migratoria, la UE ha elegido deliberadamente aplicar una política de control (a) con un carácter policial y militar que tiene por consecuencia la muerte de miles de personas obligadas a poner sus vidas en peligro (b), a falta de visados u otras vías legales que les permitan ejercer su derecho a salir de su país, o sino sufrir un arresto domiciliario en países “terceros”, que aceptan que la UE cierre sus fronteras (c).

  1. Primacía del control sobre el salvamento y la acogida

Sin duda, la « crisis » podría haber sido evitada si la UE hubiese decidido llevar a cabo una política de acogida organizada y ambiciosa a la altura de la situación humanitaria desastrosa en el mundo.

Pero bajo el pretexto de « evitar las muertes en el mar », la UE ha estructurado la inaccesibilidad a su territorio en respuesta al éxodo y a los naufragios de miles de personas consideradas todas, a priori, como “clandestinas”, desdeñando así los posibles refugiados.

Sin embargo, según las cifras oficiales[52], la mayoría de personas llegadas en 2015 a las costas mediterráneas provenían del Cuerno de África (Somalia, Eritrea), Siria, Afganistán e Iraq. En aplicación de las convenciones internacionales ratificadas por los Estados europeos, tienen a priori el derecho a acceder a alguno de los Estados para poder solicitar, incluso obtener, una protección internacional.

Pero los responsables políticos europeos se niegan a día de hoy a acoger a las personas en busca de protección. Turquía, Líbano, Jordania, Iraq y Egipto albergan ellos solos más de 4,5 millones de refugiados llegados de Siria[53], mientras Europa tiene dificultades para repartir a 160.000 solicitantes de asilo en dos años y entre los 28 Estados miembros. Las autoridades europeas intentan incluso frenar las llegadas, a pesar de una situación humanitaria extremadamente alarmante tanto en Oriente Próximo (Siria, Iraq, Afganistán) como en África Subsahariana (Sudán, Eritrea, Somalia, Nigeria, República Centroafricana).

Una de las primeras dificultades para los exiliados es obtener un visado para acceder a un país europeo, ya que los Estados miembros de la UE se niegan a otorgarlos. Peor aún, los dispositivos como el visado de tránsito aeroportuario[54] impuesto a los sirios por una docena de Estados de la UE[55] con el fin de restringir el acceso a las fronteras aéreas, constituyen un obstáculo para el derecho de asilo. Se impide a estas personas, objetivamente en situación de buscar una protección internacional, poder registrar una solicitud de asilo en los aeropuertos europeos[56] y así entrar legalmente en Europa.

Es sin embargo evidente que si éstas personas obtuvieran visados y pudieran viajar a Europa con total seguridad, no arriesgarían sus vidas, por vías terrestres o marítimas, pagando sumas astronómicas a los traficantes, convertidos en actores necesarios para su salvación.

Más allá de la concesión de visados, los Estados europeos podrían haber tomado la decisión de crear corredores humanitarios para facilitar el pasaje seguro de civiles en peligro. Incluso, podrían haber decidido activar – por primera vez – la Directiva europea sobre la protección temporal, prevista en caso de llegadas masivas de personas que huyen de países en conflicto, totalmente aplicable al caso sirio desde 2011.

Pero no fue así. Se prefirió aumentar la asignación de recursos a Frontex con el objetivo de reforzar el control, lo que muestra claramente que la protección de vidas humanas y la acogida no son las prioridades de las políticas europeas, sino que éstas se basan en el alejamiento de los migrantes y solicitantes de asilo.

  1. Unos dispositivos de seguridad con un elevado coste humano y económico:

 Los desvíos de las rutas migratorias:

El refuerzo de los dispositivos de control y de seguridad tiene fuertes consecuencias sobre los migrantes. Estos obstáculos multiplican los riesgos, los gastos y el tiempo de itinerario, bloqueando las personas en países de tránsito que no respetan los derechos humanos, y modifican las vías de paso, así como la acción de pasadores de fronteras y traficantes. Sin embargo, no disuade a las personas obligadas a exiliarse de intentar cruzar las fronteras.

Estos obstáculos les obligan a modificar sus itinerarios, a utilizar vías alternativas, que son siempre más largas, costosas y peligrosas y agravan cada vez más la situación de los exiliados en estas rutas que se van modificando según aumentan los controles y las barreras.

Tras la sangrienta represión, por parte de las policías española y marroquí, contra migrantes en las fronteras de Ceuta y Melilla en otoño de 2005, que costó la vida al menos a 11 personas[57], así como la militarización del norte de Marruecos con el objetivo de impedir las salidas hacía España, los migrantes han adaptado sus rutas, yendo más al sur, hacía el Sahara Occidental, o saliendo desde Senegal y Mauritania. Otra vez, la colaboración de España con los países del sur y la operación de vigilancia Hera de Frontex, lanzada en julio de 2006 – todavía en marcha – a lo largo de las costas senegalesas, mauritanas, cabo-verdianas y gambianas, han conseguido ralentizar los movimientos migratorios originarios del oeste africano en dirección a las Islas Canarias. En 2008, las llegadas de migrantes, de Libia a Italia se concentran en el sur de la parte central del Mediterráneo, por lo que se firmó un tratado de amistad entre los dos países[58] para bloquear las salidas a cambio de violaciones masivas de los derechos de los migrantes, encerrados y maltratados en Libia[59]. Más tarde, a finales de 2015, tras el despliegue de los dispositivos de seguridad en esta parte del Mediterráneo (Operación Tritón de Frontex) y del riesgo que supone este trayecto para los exiliados, las rutas migratorias se han desplazado hacia el Mediterráneo oriental, entre Turquía y Grecia. Las islas griegas se convierten en la puerta principal para llegar a Europa. De nuevo, es un acuerdo entre la UE y Turquía que parará los movimientos migratorios antes de que lleguen a la UE.

Estos obstáculos impuestos a lo largo de las rutas de los migrantes implican la aparición de campos improvisados y lugares de confinamiento a cielo abierto. Así, en 2016, las islas griegas se han convertido en “nasas” al mismo nivel que los dos enclaves de Ceuta y Melilla (frontera hispano-marroquí), Calais (frontera franco-británica) e Idomeni (frontera greco-macedonia), como antes lo fueron Oujda y Patras. Estos lugares se multiplican en Europa e impiden la circulación de personas hacia la UE. Estos cuellos de botella se caracterizan de facto por las violencias policiales recurrentes y, más generalmente, por la negación de los derechos de las personas en migración bloqueadas en su itinerario[60].

 Muertes en migración

Debido a la multiplicación y a la tecnologización de los obstáculos sobre los itinerarios migratorios, la ruta hacia Europa se ha convertido en un auténtico cementerio.

La cifra que debería alarmarnos no es tanto la del número de llegadas a Europa, fruto de una situación humanitaria deplorable, sino más bien la cifra – estimada – de las personas en migración que mueren intentando llegar al territorio europeo, resultado de las políticas migratorias represivas.

A 24 de junio de 2016, el consorcio de periodistas « The Migrants File »[61] había contado 34.861 personas muertas intentando llegar a Europa[62] desde los años 2000, precisando que éstas cifras están estimadas a la baja alrededor de un 50%. Por otra parte, el ACNUR ha declarado que el Mediterráneo fue la ruta más mortal del mundo en 2014, con 3.419 muertos[63]. En 2015, más de 3.770 personas fallecieron en el mar según la OIM[64]. El año 2016 se anuncia aún peor. El 30 de septiembre de este año, se podían contar ya 3 502 víctimas, lo cual representa un aumento de casi 20% en relación al mismo período del año precedente[65]. La evolución de las rutas migratorias en función de las barreras y de los controles se hace eco del aumento exponencial de estos dramas humanos[66], que no son una fatalidad y que podrían evitarse. Su repetición solo demuestra que la Unión Europea no tiene la voluntad de impedirlos.

En efecto, numerosos naufragios podrían haberse evitado. Por un lado, por la elevada presencia de importantes barcos de todo tipo en las zonas marítimas implicadas, probando la existencia de disfuncionamientos. Es especialmente el caso del “left to die boat” que causó la muerte de 63 personas en 2011[67]. Este caso es particularmente emblemático del rechazo a asistir los barcos en peligro, en violación del derecho marítimo: un barco que partió de Libia, con 72 personas a bordo, de las cuales sobrevivieron solamente 9, estuvo a la deriva durante dos semanas sin que ninguna entidad respondiera a sus llamadas de socorro ni acudiera en su asistencia. Sin embargo, resulta llamativo que a pesar de la presencia de numerosas embarcaciones militares implicadas en la intervención militar que pretendía tumbar el régimen de Libia, nadie acudió al socorro de esta embarcación (nunca esta zona del Mediterráneo había estado tan vigilada). A la vista de ese drama, queda claro que los Estados implicados no respondieron a sus obligaciones[68].

Por otra parte, al remplazar la operación de rescate Mare Nostrum por una operación de vigilancia en el marco de Frontex, la UE ha deliberadamente priorizado la disuasión por encima de las vidas humanas. Las capacidades, así como los recursos, de la operación Tritón no han sido pensadas para el salvamento. Haciéndolo, los Estados europeos sabían perfectamente cuáles serían las consecuencias de esta negligencia[69].

Lejos de incitar a los “políticos” a cambiar de paradigma, la multiplicación de estas “tragedias migratorias” – fruto de decisiones conscientes – son instrumentalizadas para echar toda la responsabilidad sobre las “redes mafiosas” y justificar así un nuevo endurecimiento de las políticas migratorias. Las autoridades europeas esquivan de esta manera su parte de responsabilidad al mismo tiempo que cortan toda posibilidad de acceder legalmente a Europa a las personas migrantes – a menudo en búsqueda de protección – fallando a su deber de prestar socorro y solidaridad.

A día de hoy, la UE y los países vecinos, que encarnan el rol de gendarmes de Europa, no han asumido nunca su parte de responsabilidad en estas tragedias.

Más allá del coste exorbitante en vidas humanas, la aplicación de todos estos obstáculos a los movimientos migratorios atañe igualmente un elevado precio en términos económicos.

Fondos extraordinarios a disposición del alejamiento

Si ha habido un sector beneficiario de la “crisis migratoria”, de la militarización de las fronteras y los mares, éste es el de la seguridad.

Desde hace 15 años, los países europeos emplean recursos económicos colosales para mantener a distancia a los migrantes, disuadiéndoles e impidiéndoles el acceso a la UE. Así, desde los años 2000, la UE ha gastado 13 mil millones de euros en la lucha contra la inmigración irregular (vigilancia, detención, expulsión)[70].

Son esencialmente los grandes lobbies industriales de defensa y seguridad, así como las grandes empresas privadas especializadas, los que sacan provecho de la gestión de la seguridad de las fronteras.

Desde 2003, la UE ha creado grupos de trabajo y reflexión sobre la definición de los objetivos de Europa en materia de control de fronteras. Aprovechando el efecto post 11 de septiembre 2001 en Nueva York, los dirigentes europeos legitiman el refuerzo de la lucha contra el terrorismo y los controles de las fronteras exteriores.

Entre 2003 y 2010, la Comisión Europea organizó varios think thanks con el conjunto de expertos en tecnología punta sobre la seguridad de las fronteras: empresarios, investigadores, militares, profesionales de la industria aeronáutica etc.

Gracias a los presupuestos en “investigación” desembolsados por la UE, estas mismas empresas y profesionales que habían aconsejado sobre esta línea, son los primeros beneficiarios de estas políticas de seguridad. Son los encargados de desarrollar la tecnología punta que será vendida a los Estados miembros para el control de las fronteras europeas y/o de aquellos países terceros quienes cooperan con la UE en la lucha contra las migraciones.

Estos grupos de trabajo y estas negociaciones van a influir enormemente en el proceso de construcción del régimen de inmigración y asilo común en el seno de la UE[71].

El mercado de la seguridad es de hecho extremadamente dinámico, puesto que los dispositivos quedan rápidamente obsoletos y necesitan mejorarse constantemente.

La industria de seguridad y defensa representa así el 25% de la industria europea. Esto justifica igualmente el aumento del presupuesto de la UE para la compra de dispositivos cada vez más eficaces.

La agencia europea Frontex ha sido asociada desde el principio a estos trabajos de investigación, de los que se ha beneficiado igualmente. Desde su creación, el presupuesto de la agencia está en constante aumento. Es la agencia más financiada de la UE. Su presupuesto ha pasado de 19 millones de euros en 2006, a 118 millones en 2011 y 254 millones en el presupuesto provisional de 2016, lo que equivale a un incremento de más del 1236% en diez años… Por otra parte, un presupuesto de 322 millones[72] ha sido anunciado para la agencia, una vez revisado el mandato de Frontex.

En 2015, el presupuesto en seguridad de la UE se estimaba en 15 mil millones de euros, y está previsto que aumente hasta los 29 mil millones en 2022[73]. El financiamiento total de la UE para las medidas ligadas a la seguridad de las fronteras se sitúa alrededor de los 4,5 mil millones de euros entre 2004 y 2020.

Finalmente, la parte esencial de los recursos desembolsados por la Unión Europea – con el consentimiento del Parlamento europeo – está destinada a reenviar o alejar los migrantes mediante la colaboración de los países terceros. Es decir, la UE exporta su lógica y sus métodos en seguridad más allá de sus fronteras.

  1. El alineamiento de los países terceros

Para contener los potenciales migrantes que quisieran venir a Europa y fijarlos en sus regiones de origen, Europa está dispuesta a realizar todo tipo de concesiones. Con el pretexto de la cooperación y la ayuda al desarrollo, la UE se presta a un auténtico mercadeo con los Estados de origen y de tránsito con el objetivo de subcontratar el control de sus fronteras y de restringir las posibilidades de libre circulación para los extranjeros.

Apropiación de las medidas “securitarias” europeas más allá de sus fronteras:

Los controles fronterizos y las capacidades represivas de los países terceros son reforzadas bajo el impulso, apoyo y financiamiento de la UE, especialmente en Níger[74], Mali[75], Mauritania[76], Senegal, Nigeria[77], Angola[78] y Sudan[79]. Estos acuerdos se negocian con países conocidos por pisotear los derechos humanos o por poner en cuestión la libertad de circulación de determinados espacios subregionales, como la CEDEAO, despreciando las necesidades de sus habitantes y la legislación en vigor. Así, En Níger, país de tránsito por excelencia, un paquete de 75 millones de euros ha sido negociado con la UE para reforzar los controles en las fronteras y evitar que los migrantes lleguen a Libia. Además, este país clave acepta la readmisión de sus ciudadanos interpelados en situación administrativa irregular en el territorio de un Estado europeo, así como de cualquier extranjero que haya pasado por Níger en su itinerario hacia Europa.

La biometrización de los documentos de identidad de los nacionales del Sur también empieza a generalizarse, una vez más bajo el impulso de la UE, que contribuye a que los países terceros puedan identificar y trazar los movimientos migratorios en su territorio. Así, en 2012, las autoridades mauritanas crearon el permiso de residencia biométrico para todos los extranjeros viviendo en el país. Senegal y Mali también siguen el mismo proceso de biometrización de los documentos civiles y permisos de residencia de los extranjeros.

La privación de libertad de las personas en migración también tiende a reforzarse fuera de los Estados europeos. Ya existe un centro de detención en Agadez (Níger), que podría ser destinado a organizar “retornos” antes de que os migrantes alcancen las fronteras europeas, como resultado de la Cumbre euroafricana de La Valeta de noviembre de 2015. Recientemente, el Comité de la ONU para la protección de los derechos de los trabajadores emigrantes y de sus familias también animó Senegal a crear centros de retención[80].

Algunos países, como Mauritania no esperaron para detener personas en condiciones deplorables, primero en el tristemente famoso “Guantanamito” de Nuadibú, y luego en Nuakchot, en el centro “Bagdad”, o para practicar devoluciones “en caliente” en las fronteras.

En Sudán, uno de los regímenes más represivos del mundo – con el cual colabora sin embargo la UE en el marco del “proceso de Jartum”-, se creó otro campo[81]. El 13 de mayo de 2016, el periódico alemán Der Spiegel[82] desvela la existencia de negociaciones europeas con Sudán y divulga un proyecto de construcción de dos centros de retención y la entrega de sistemas de vigilancia (escáner y materiales de identificación) que podrán ser utilizados contra la oposición política, en una dictadura cuyo Presidente tiene varios órdenes de detención por genocidio y crimen contra la humanidad dictados por el Tribunal Penal Internacional.

Es también de temer que el fortalecimiento de las capacidades represivas de los países terceros y el deterioro de los derechos y condiciones de sus nacionales contribuyan a transformar potenciales migrantes en solicitantes de asilo, procurando huir de su país para encontrar protección en un país seguro[83].

No obstante, y esa también es una consecuencia de la externalización, algunos países – como Marruecos – criminalizan la salida no autorizada de su territorio creando un delito de “emigración ilegal”, aunque la prohibición de salir del país del que uno es nacional contraviene al derecho internacional[84]. Esta disposición recibió sin embargo el aval de la conferencia de los ministros del Interior del Mediterráneo occidental, (Niza, mayo del 2006), que en un comunicado “saluda[ba] los esfuerzos de los países de la orilla meridional del Mediterráneo para contener la emigración ilegal hacia Europa“. Los ministros del Interior del Mediterráneo occidental respaldaban así la idea de que sería normal que una gran parte de la población mundial estuviera bajo arresto domiciliario[85].

***

Desde más de 20 años, Europa ha demostrado su incapacidad en responder a los imperativos de acogida y de protección internacional reforzando un conjunto de medios casi-militares que pone en peligro a las personas en migración, en contra del derecho y de los valores que pretende defender.

A pesar de su impacto devastador en Europa y más allá de sus fronteras, la UE acentúa la lucha contra la inmigración irregular, convertida en su leitmotiv, y convierte el extranjero el chivo expiatorio ideal de los males de Europa.

Finalmente, la llamada crisis migratoria” no sólo sirve los intereses de los lobbies industriales y de los partidos de extremo-derecha, sino que permite útilmente desviar la atención de la opinión pública de las numerosas dificultades políticas, económicas y sociales sufridas al diario.

III/… Reveladora de una Europa en crisis

Bajo pretexto de responder a una supuesta “crisis migratoria”, y en contra del sentido común, los dirigentes europeos usaron las mismas herramientas que la originó, y que revelaron sin embargo su ineficacia y peligrosidad (1). Esta crisis, que no es otra cosa que una crisis de las políticas migratorias y de la acogida, desvela una Europa sin aliento y dividida, profundamente en crisis, y cuyos fundamentos se están desmoronando (2).

  1. Una política migratoria usada e ineficaz y en contra de los derechos:

Estancada en una postura rígida y securitaria en el ámbito de las migraciones y del asilo, la UE no ha sabido renovarse ni adaptarse a los desafíos de nuestro mundo globalizado y a la evolución progresiva del fenómeno migratorio. Desde los años 90, no ha modificado en nada sus políticas represivas para “luchar contra la inmigración clandestina”.

Su programa, su método y su discurso, basados en el rechazo y el alejamiento de los “indeseables”, son repetidos y declinados desde hace 25 años, sin tener en cuenta la multiplicidad y la evolución de los factores de salida de las personas en migración.

La UE vive en una constante repetición

Al contrario de lo que se desprende de los discursos oficiales y la Agenda europea de migración, el año 2015 no representó una ruptura con el precedente programa en el ámbito de la migración y del asilo. Los dirigentes europeos reforzaron recursos ya existentes en el programa de lucha contra la inmigración irregular bajo la forma de estrategias supuestas innovadoras: aumento de los medios financieros asignados a la lucha contra la “inmigración clandestina” y las redes de traficantes, identificación y selección en las fronteras, detención de los indeseables, colaboración incrementada con los países de origen y de tránsito.

Tantas recetas represivas implementadas para contener las migraciones que hasta aquí nunca han funcionado y que se revelaron en contra de los derechos fundamentales de las personas. A pesar de no haber realizado ninguna evaluación oficial de estas políticas y de su impacto devastador sobre las personas en migración, y del fracaso en contener las migraciones en los últimos 25 años, la UE persiste en su lógica securitaria.

¿Por qué se empeña la UE con herramientas soberanistas que no funcionan y que violan los derechos? Sera porque las respuestas securitarias y supuestamente « novedosas » frente a las llegadas de personas en migración permiten comunicar sobre un balance político de rendimiento securitario, afirmando que la situación está bajo control, y restaurar así la autoridad europea. Para hacer olvidar una Europa que sufre una profunda crisis existencial.

  1. Una crisis moral o el cuestionamiento de los fundamentos de Europa:

Si la crisis europea se ha cristalizado alrededor de las cuestiones migratorias, es en realidad mucho más profunda porque toca los principios y valores que pretende defender la UE.

Los dirigentes europeos desarrollaron una comprensión totalmente retorcida de la “crisis migratoria”, a partir de la cual ya nadie es sujeto de derechos universales (distinción entre el “bueno” y el “mal” migrante y entre el “bueno” y el “mal” solicitante de asilo), y donde los movimientos migratorios son criminalizados, penalizados y reprimidos. Eso, cuando el derecho internacional – que reconoce el derecho de toda persona a salir de cualquier país, incluso del propio – debería ser la única brújula de una Europa protectora de los Derechos humanos.

Al aliso de esta supuesta “crisis migratoria”, la UE parece haber renunciado a sus fundamentales universalistas demasiado molestos. Al privilegiar en 2015 una lógica represiva y mortal, Europa se convirtió en una tierra de inhospitalidad y de violaciones de los derechos de los migrantes y solicitantes de asilo.

Haciendo eso, la UE pisotea sus propios logros, desdeñando sus obligaciones internacionales.

Cuestionamiento del principio de libre circulación en el espacio Schengen

No es la primera vez que se reintroducen los controles en las fronteras internas de Europa. Ya en 2011, el principio de libre circulación en el espacio Schengen había sido cuestionado a la iniciativa de Italia y de Francia, en reacción a otra “crisis migratoria”, la de las Primaveras Árabes.

En 2015, asistimos de nuevo a un fortalecimiento de las barreras internas, en nombre de la protección de la soberanía nacional, pero también de la integridad del territorio europeo. También es una medida de desconfianza entre los Estados miembros. Así, Grecia ha sido marginada a causa de su vulnerabilidad y de su incapacidad para “detener los flujos migratorios” hacia su territorio. Fue acusada de negligencia y de fallo en el control de sus fronteras exteriores por la UE y estuvo a punto de verse expulsada del espacio Schengen en 2015.

Esta crispación reveló una Europa desunida, sin ninguna solidaridad. Los muros fueron edificados/restablecidos en las fronteras internas y la mayoría de los países de Europa se negaron a acoger a solicitantes de asilo/refugiados reubicables, en un contexto de brotes de xenofobia y terrorismo, una ganga para los populistas de todo tipo.

Esta misma “crisis” reveló una Europa replegada sobre sí misma y sus “soberanismos”, cuya política de inmigración común no está basada en la acogida, sino en la lucha contra la inmigración irregular. En esta situación, sólo Alemania dio muestra de modo temporal de solidaridad abriendo sus fronteras a 500 000 personas y suspendiendo el Reglamento Dublín para los nacionales sirios. Pero concedió al mismo tiempo el estatuto de “país seguro” a Macedonia, Albania y Kosovo, permitiendo así facilitar el examen de las solicitudes de asilo y el retorno de los nacionales de dichos países. También decidió reintroducir en septiembre de 2015 los controles en sus fronteras, y rebajar los derechos de los solicitantes de asilo y refugiados presentes en su territorio[86] (Ayudas en especie en lugar de dinero en efectivo, revisión de seis a tres meses del efecto suspensivo de las medidas de expulsión en caso de denegación de las solicitudes de asilo). Por último, la canciller alemana Ángela Merkel desempeñó un papel determinante en la negociación que llevo la Unión Europea a la firma del acuerdo con Turquía, que permite a la UE soslayar sus obligaciones respecto a las personas en busca de protección. Esto ha sido posible al subcontratar a Estados terceros la gestión de los migrantes y solicitantes de asilo.

Violación del derecho de asilo y del principio de no devolución

La “Declaración” del 18 de marzo entre la UE y Turquía permite rechazar a los refugiados fuera de sus fronteras. Sin embargo, este proceso de externalización del asilo a un país fuera de la Unión Europea se hace en violación del principio de no devolución previsto por el Convenio de Ginebra. Además, al subcontratar sus obligaciones a Turquía, los Estados miembros huyen de sus responsabilidades en violación del derecho de asilo.

Por otra parte, al validar la devolución hacia Turquía de todos los migrantes y solicitantes de asilo cuya solicitud fue declarada inadmisible a trámite, la UE da por sentado que Turquía es un país “seguro” tanto para sus nacionales como para los extranjeros que son ahí reenviados.

No obstante, numerosas ONGs se elevaron contra esta apreciación[87]. Por el contexto represivo que prevale hoy en Turquía (amordazamiento y criminalización de la oposición política y de toda forma de protesta, detención de periodistas, de catedráticos de universidad y de juristas asimilados a terroristas), o el hecho de que sólo concede el estatuto de refugiado a nacionales europeos[88]. Sin hablar de las condiciones discutibles en las que alberga a más de tres millones de exiliados[89]. Más preocupante aun, las organizaciones de defensa de los derechos han alertado sobre graves violaciones del principio de no devolución[90], pero también sobre graves violencias en contra de solicitantes de asilo[91] en las fronteras de Turquía. Por último, para facilitar las devoluciones desde su territorio, Turquía también firmó acuerdos de readmisión con Grecia, Yemen, Bosnia Herzegovina, Kirguizistán, Paquistán, Rumania, Ucrania, Bielorrusia, Montenegro, Moldavia, Kosovo, Noruega, Siria, Rusia, Uzbekistán, Egipto y Nigeria. Otros acuerdos están en proceso de negociación con China, India, Irán, Iraq y Marruecos[92].

Colaboraciones perniciosas

Además de Turquía, o Afganistán, los Estados europeos se giran hacia los dirigentes africanos para frenar las migraciones. Países estratégicos como Níger, Libia y Sudán son unos objetivos, sin que la UE se preocupe de la situación deplorable del respeto de los derechos humanos in situ. A cambio de convenios comerciales, políticos o financieros, los regímenes más represivos (particularmente Sudán y Eritrea, en el marco del “proceso de Jartum”), de los que huyen decenas de miles de solicitantes de asilo, se benefician de subsidios para retener a su población y “salvaguardar” sus fronteras. Estas negociaciones y su implementación van en contra de todas las obligaciones de la UE en materia de respeto de los derechos humanos, y de todos los principios que fundaron Europa.

Una opacidad y una marginación de las poblaciones y de los responsables políticos en la toma de decisiones

Esta política de alejamiento se implementa en nombre de los ciudadanos europeos, pero lejos de su mirada. En efecto, la sociedad civil está marginada de las negociaciones y de la ejecución de los acuerdos entre la UE y los Estados terceros de colaboración, mientras estos acuerdos tienen unos impactos directos sobre los derechos de las personas. Más grave aún, esa política de subcontratación se ejecuta sin la validación de los parlamentos nacionales de los Estados cooperantes ni del Parlamento europeo.

Esta externalización erosiona las responsabilidades

La externalización de los controles migratorios y del asilo fuera de las fronteras europeas diluya las responsabilidades a favor de un marco jurídico impreciso y de débiles controles. ¿Quién es responsable de las violaciones masivas de los derechos fundamentales de los migrantes, solicitantes de asilo y refugiados en los países de tránsito? ¿Los países miembros que actúan en violación de sus obligaciones internacionales o los países terceros que aceptan – a cambio de un verdadero chantaje político, económico y comercial – realizar las viles tareas que la UE no puede permitirse cumplir en virtud de su Carta de Derechos Fundamentales, y con las que se indigna cínicamente a posteriori?

La UE considera en cuanto a ella que no incurra en responsabilidad en cuanto a las consecuencias de sus opciones políticas (lucha contra “la emigración” con el apoyo de los países terceros, devoluciones en fronteras, expulsiones, retención en centros especializados, penalización de la entrada irregular en el territorio). Sin embargo, viola muchas de sus obligaciones internacionales al devolver personas hacia países no seguros, firmando acuerdos de readmisiones, o en su defecto un documento europeo de viaje, es decir un salvo-conducto que permite devolver hacia su país de origen a una persona sin documento de identidad válido[93].

Al considerar el conjunto de estos elementos, parece claro que Europa no se enfrenta a una crisis migratoria, sino a una crisis de las políticas migratorias de la UE y a una crisis de la acogida de sus Estados miembros.

[1] Migreurop, “Encierro de migrantes: El ‘modo de gestión’ privilegiado de las migraciones”, abril de 2013, disponible en http://www.migreurop.org/article2261.html

[2] Migreurop, “Frontex: El brazo armado de las politicas migratorias europeas”, marzo de 2014, disponible en http://www.migreurop.org/article2525.html

[3] Migreurop, “Acuerdos de readmisión: La ‘cooperación’ al servicio de la expulsión de migrantes”, diciembre de 2012, disponible en http://www.migreurop.org/article2276.html

[4] OIM, “Más de un millón de migrantes y refugiados han llegado a Europa en 2015, informó la OIM”, 22 de diciembre de 2015, disponible en https://www.iom.int/es/news/mas-de-un-millon-de-migrantes-y-refugiados-han-llegado-europa-en-2015-informo-la-oim

[5] El País, “700 inmigrantes desaparecidos tras hundirse su barco en aguas libias”, 19 de abril de 2015, disponible en http://internacional.elpais.com/internacional/2015/04/19/actualidad/1429431225_038632.html

[6] ACNUR, “El Alto Comisionado de ACNUR pide a Europa que haga más por los solicitantes de asilo sirios”, 18 de julio de 2013, disponible en http://www.acnur.es/noticias/notas-de-prensa/1362-el-alto-comisionado-de-acnur-pide-a-europa-que-haga-mas-por-los-solicitantes-de-asilo-sirios ; ACNUR, “ACNUR insta a los países a hacer más por los refugiados sirios en Europa”, 11 de julio de 2014, disponible en http://www.acnur.es/noticias/notas-de-prensa/1773-acnur-insta-a-los-paises-a-hacer-mas-por-los-refugiados-sirios-en-europa

[7] Ver http://www.acnur.org/recursos/estadisticas/

[8] ACNUR, “Con uno de cada 113 seres humanos afectados, el desplazamiento forzoso bate su cifra récord”, 20 de junio de 2016, disponible en http://www.unhcr.org/fr/news/press/2016/6/576404f7a/etre-humain-113-deracine-deplacement-force-atteint-niveau-precedent.html

[9] Frontex, “710.000 migrantes han llegado a la UE en los primeros nueve meses de 2015”, 13 de octubre de 2015, disponible en inglés en http://frontex.europa.eu/news/710-000-migrants-entered-eu-in-first-nine-months-of-2015-NUiBkk

[10] Nando Sigona (The Conversation), “¿Viendo doble? Como la UE cuenta mal a los migrantes que llegan a sus fronteras”, 21 de octubre de 2015, disponible en inglés en https://theconversation.com/quand-leurope-voit-les-migrants-en-double-ou-en-triple-49464

[11] Ver por ejemplo El País, “Las llegadas de extranjeros a Europa suman 710.000 hasta septiembre”, 13 de octubre de 2015, disponible en http://internacional.elpais.com/internacional/2015/10/13/actualidad/1444749893_894284.html

[12] Según la OIM y el ACNUR, sobre la mitad eran sirios, el 20% afganos y el 7% iraquíes. Fuente: ACNUR/OIM, “Un millón de refugiados e inmigrantes huye hacia Europa en 2015”, 22 de diciembre de 2015, disponible en http://www.acnur.org/noticias/noticia/un-millon-de-refugiados-e-inmigrantes-huye-hacia-europa-en-2015/

[13] Artículo 31 párrafo 1 de la Convención de Ginebra sobre el estatuto de los refugiados, 1951: “Los Estados Contratantes no impondrán sanciones penales, por causa de su entrada o presencia ilegales, a los refugiados que, llegando directamente del territorio donde su vida o su libertad estuviera amenazada en el sentido previsto por el artículo 1, hayan entrado o se encuentren en el territorio de tales Estados sin autorización, a condición de que se presenten sin demora a las autoridades y aleguen causa justificada de su entrada o presencia ilegales”. Disponible en http://www.acnur.org/fileadmin/scripts/doc.php?file=fileadmin/Documentos/BDL/2001/0005

[14] “Programa de La Haya: 10 prioridades para los próximos cinco años”, disponible en http://eur-lex.europa.eu/legal-content/FR/TXT/?uri=URISERV%3Al16002

[15] Comisión europea, Informe sobre reubicación y reasentamiento, 21 de octubre de 2016, disponible en inglés en http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/european-agenda-migration/press-material/docs/state_of_play_-_relocation_en.pdf

[16] Migreurop, « Con los ‘hotspots’, la UE refuerza su política de devolución de los boat people, 21 de julio 2015, disponible en francés https://blogs.mediapart.fr/migreurop/blog/200715/avec-les-hotspots-l-ue-renforce-sa-politique-de-refoulement-des-boat-people

[17] Le Monde, « Pour le HCR, les ‘hotspots’ sont devenus des ‘centres de détention’ », 22 mars 2016, disponible sur http://www.lemonde.fr/europe/article/2016/03/22/pour-le-hcr-les-hotspots-sont-devenus-des-centres-de-detention_4887931_3214.html ; Le Monde, « L’ONU réclame la ‘fin des détentions’ de migrants en Grèce », 16 mai 2016, disponible sur http://www.lemonde.fr/europe/article/2016/05/16/l-onu-reclame-la-fin-des-detentions-de-migrants-en-grece_4920442_3214.html

[18] GISTI, “51 migrantes detenidos en Grecia del acuerdo UE-Turquía: el Tribunal europeo de los DDHH mira hacia otro lado”, 25 de junio de 2016 – Disponible en francés e inglés en: http://www.gisti.org/spip.php?article5414

[19]BBC Mundo, 3 de octubre de 2013 : “Al menos 130 inmigrantes muertos en Lampedusa”

http://www.bbc.com/mundo/ultimas_noticias/2013/10/131003_ultnot_italia_inmigrants_lampedusa.shtml

[20] La zona de operación de Tritón incluye las zonas de la operación Hermes (al sur de Sicilia y cerca de las islas de Lampedusa y Pantelleria) y Aeneas (en las costas de la Calabria y de la Apulia).

[21] Sin embargo, como cualquier actor en el mar, la agencia Frontex tiene que respetar el derecho internacional marítimo, que obliga rescatar a cualquier embarcación en peligro (Convención de las Naciones Unidas sobre el derecho marítimo de 1982, Convención internacional de 1974 para la seguridad de la vida humana en mar, Convención internacional de 1979 sobre búsqueda y salvamento marítimos).

[22] The Guardian, 22 de abril de 2015: “El director de la agencia Frontex dice que el rescate de los migrantes no es la prioridad de las patrullas” (inglés) http://www.theguardian.com/world/2015/apr/22/eu-borders-chief-says-saving-migrants-lives-cannot-be-priority-for-patrols

[23] ibid

[24] El Periódico, 20 de abril de 2015,” Un fracaso cantado”

http://www.elperiodico.com/es/noticias/internacional/fracaso-cantado-4114780

[25] Charles Heller, Lorenzo Pezzani, “Muertes durante rescates: los efectos colaterales de la ausencia de asistencia en mar por los policiales europeos”, abril de 2016 – Disponible en inglés : https://deathbyrescue.org/

[26] Europa Forum Luxembourg : « La UE crea la operación “Tritón” en Mediterránea para reforzar las fronteras exteriores y ayudar a Italia para hacer frente a la llegada masiva de migrantes en sus costas, cuando Roma anuncio el fin de “Mare Nostrum” », 1 de noviembre de 2014 – Disponible en francés http://www.europaforum.public.lu/fr/actualites/2014/10/triton-mare-nostrum-frontex/index.html

[27]             Frontexit, 22 de septiembre 2016, disponible en francés y en inglés: “A reinforced Frontex agency EU turns a deaf ear to NGO’s warnings”

[28] Frontexit, “Los diputados europeos votan a favor de la creación de una nueva agencia Frontex : nueva vulneración de los DDHH », 31 de mayo de 2016, disponible en francés e inglés : http://www.frontexit.org/fr/actus/item/780-les-deputes-europeens-s-appretent-a-voter-pour-la-creation-d-une-nouvelle-agence-frontex-un-deni-des-droits-humains

[29] Frontexit, “Los diez regalos envenenados de Frontex para su 10 aniversario”, diciembre de 2015 – Disponible en francés e inglés: http://www.frontexit.org/fr/docs/73-les-10-cadeaux-empoisonnes-de-frontex-pour-son-10eme-anniversaire/file

[30] DECISIÓN (PESC) 2015/972 DEL CONSEJO de 22 de junio de 2015 por la que se pone en marcha la operación militar de la Unión Europea en el Mediterráneo central meridional (EUNAVFOR MED), disponible en http://eur-lex.europa.eu/legal-content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:32015D0972&from=FR

[31] Informe (junio-diciembre de 2015) sobre la operación EUNAVFORMED, 22 de diciembre de 2015, disponible en https://wikileaks.org/eu-military-refugees/EEAS/EEAS-2016-126.pdf

[32] Fiche d’information sur la mission EUNAVFORMED, 30 septembre 2016, disponible sur https://eeas.europa.eu/sites/eeas/files/factsheet_fr_30_september_2016_1.pdf

[33] Wikileaks, “El director de Frontex aprueba el plan de intervención militar en contra de las pateras in Libia y en Mediterránea” 25 de mayo de 2015 – Disponible en inglés : https://wikileaks.org/eu-military-refugees/EUMC/eu-military-refugee-plan-EUMC.pdf ; Wikileaks, “ El grupo político-militar europeo en favor de una intervención militar en contra de las pateras en Libia y en el sur de la Mediterránea central”, 25 de mayo de 2015 – Disponible en inglés : https://wikileaks.org/eu-military-refugees/PMG/eu-military-refugee-plan-PMG.pdf

[34] OTAN, « Ficha de información : despliegue de la OTAN en el mar Egeo”, julio de 2016, disponible en francés e inglés http://www.nato.int/nato_static_fl2014/assets/pdf/pdf_2016_07/20160627_1607-factsheet-aegean-sea-fr.pdf

[35] ACNUR, “Reacción de ACNUR a la Declaración de los Jefes de Estado de la UE y del Gobierno de Turquía de 7 de marzo”, 8 de marzo de 2016, disponible en: http://www.acnur.org/noticias/noticia/reaccion-de-acnur-a-la-declaracion-de-los-jefes-de-estado-de-la-ue-y-del-gobierno-de-turquia-de-7-de-marzo/

[36] DECISIÓN (PESC) 2016/993 DEL CONSEJO de 20 de junio de 2016 por la que se modifica la Decisión (PESC) 2015/778 relativa a una operación militar de la Unión Europea en el Mediterráneo central meridional (operación EUNAVFOR MED SOPHIA):

http://eur-lex.europa.eu/legal-content/ES/TXT/PDF/?uri=CELEX:32016D0993&from=FR

[37] Mediapart, « L’OTAN en mer Egée – une manœuvre qui a eu le temps de mûrir », Article de Yerasimos Livitsanos, publié dans ‘Unfollow’ de mars 2016, traduit par Baptiste Dericquebourg : http://unfollow.com.gr/print-edition/29186/ ;https://blogs.mediapart.fr/baptiste-dericquebourg/blog/050416/lotan-en-mer-egee-une-manoeuvre-qui-eu-le-temps-de-murir-traduction

[38] Migreurop, “Es una guerra contra los migrantes : no una fatalidad, tampoco una responsabilidad de los traficantes”, 10 de agosto de 2015, disponible en francés  : https://blogs.mediapart.fr/migreurop/blog/100815/il-s-agit-d-une-guerre-aux-migrants-pas-de-la-fatalite-ou-de-la-responsabilite-des-passeurs-0

[39] Misión civil Eucap Sahel Niger 2012 – Ver : https://eeas.europa.eu/csdp/missions-and-operations/eucap-sahel-niger/pdf/factsheet_eucap_sahel_niger_fr.pdf – Ver también las conclusiones del Consejo sobre el plan de acción regional a favor del Sahel para 2015-2020

[40] “Migration Compact: contribución para una estrategia europea para externalizar el control de las fronteras”, http://www.governo.it/sites/governo.it/files/immigrazione_0.pdf

[41] Toute l’Europe, « Schengen : la carta de los controles en las fronteras nacionales », 23 de mayo de 2016 – Disponible en francés : http://www.touteleurope.eu/actualite/schengen-la-carte-des-controles-aux-frontieres-nationales.html

[42] Numerosas vallas ya existen desde hace mucho tiempo en las fronteras exteriores de la UE, por ejemplo, entre España y Marruecos (Ceuta y Melilla) o Grecia y Turquía (a lo largo del rio Evros). Una valla está en construcción entre Turquía y Bulgaria. Una valla existía entre Francia y el Reino-Unido en Calais, para permitir la externalización de los controles fronterizos británicos.

[43] L’Alsace, « Fabrice Leggeri, director : ‘Ni Europa-fortaleza, ni Europa-filtrada », 5 de octubre de 2015, disponible en francés: http://www.lalsace.fr/actualite/2015/10/05/fabrice-ligerri-directeur-ni-europe-forteresse-ni-europe-passoire

[44] COMUNICACIÓN DE LA COMISIÓN AL PARLAMENTO EUROPEO Y AL CONSEJO Plan de Acción de la UE en materia de retorno 9 de septiembre de 2015, disponible en http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/european-agenda-migration/proposal-implementation-package/docs/communication_from_the_ec_to_ep_and_council_-_eu_action_plan_on_return_es.pdf

[45] http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/irregular-migration-return-policy/return-readmission/index_en.htm

[46] Migreurop, “Guerra contra los migrantes : arma de externalización”, Mediapart, 15 de julio de 2015 – Disponible en francés: https://blogs.mediapart.fr/migreurop/blog/150715/guerre-aux-migrants-larme-de-lexternalisation

[47] En julio de 2016, ya 511 sirios fueron readmitidos en la UE desde Turquía en el marco del acuerdo UE-Turquía del 18 de marzo de 2016.

[48] Hirsi Jamaa y otros c. Italie – Tribunal europeo de los DDHH, 23 de febrero de 2012 – Disponible en : http://urlz.fr/3QiG

[49] Arci, « Documento de analisis : Las etapas del proceso de externalizacion del control de fronteras en Africa, de la Cumbre de la Valette a hoy », junio 2016, disponible en : http://www.integrationarci.it/wp-content/uploads/2016/06/externalisation_docanalyse_ARCI_FR.pdf

[50] Migreurop, « Cumbre euro-africana de La Valette (Malta, 11-12 de noviembre 2015) : La UE constriñe sus vecinos a apoyar su política de no hospitalidad”, 12 noviembre de 2015, disponible en: http://www.migreurop.org/article2651.html

 

[51] Comision Europea, “Comunicación de la Comisión al Parlamento Europeo, el Consejo Europeo, el Consejo y el Banco europeo de inversiones sobre el establecimiento un nuevo marco para la colaboración con países terceros bajo la Agenda europea sobre Migraciones”, 7 junio 2016, disponible en: http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/european-agenda-migration/proposal-implementation-package/docs/20160607/communication_external_aspects_eam_towards_new_migration_ompact_en.pdf

[52] Carta de Roma, 31 de mayo de 2016 : “Desembarcos en Italia en 2016: algunos datos que refutan el alarmismo” Disponible en italiano: http://www.cartadiroma.org/news/slider/gli-sbarchi-italia-nel-2016-dati-smentire-lallarmismo/

[53] Amnistía Internacional, « La crisis de los refugiados sirios en pocas líneas”, 3 de febrero de 2016 – Disponible en: https://www.amnesty.org/fr/latest/news/2016/02/syrias-refugee-crisis-in-numbers/

[54] El visado de tránsito aeroportuario (VTA) está destinado a impedir a los viajeros que no disponen de una visa de entrada o de estancia de entrar de manera desviada en el territorio de un Estado haciendo escala en un aeropuerto.

[55] Para más precisiones, ver la página de la Comisión Europea sobre la política de visados :

http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/what-we-do/policies/borders-and-visas/visa-policy/index_en.htm

Una lista no exhaustiva de las obligaciones impuestas por los Estados miembro en materia de visas de transito aeroportuario está disponible en la dirección siguiente: http://ec.europa.eu/dgs/home-affairs/e-library/documents/policies/borders-and-visas/visa-policy/docs/annex_7b_atv-national_lists.en.pdf

[56] ANAFE/GISTI, « Cuando Francia intenta impedir a los sirios de huir », Comunicado de prensa, 4 de febrero 2013 – Disponible en francés : http://www.anafe.org/spip.php?article114

ANAFE/GISTI, “El Consejo de Estado abandona a su suerte a los refugiados sirios…saliendo al rescate del Gobierno francés”, Comunicado, 25 de marzo de 2013 – Disponible en francés : http://www.anafe.org/spip.php?article262

[57] Migreurop, « El libro negro de Ceuta y Melilla », informe, 2006 – Disponible en francés : http://www.migreurop.org/article981.html

[58] Combate por los derechos humanos, « Un acuerdo ítalo libio sobre la inmigración, contrapartida de la indemnización colonial italiana », 25 de octubre de 2008 – Disponible en : http://combatsdroitshomme.blog.lemonde.fr/2008/10/25/un-accord-securitaire-italo-libyen-sur-limmigration-contrepartie-de-lindemnisation-de-lepoque-coloniale-italienne-par-sara-prestianni-migreurop/

[59] Migreurop-FIDH-JSFM, « Libia : acabar con el acoso a los migrantes”, Informe de misión, 2012 – Disponible en: http://www.migreurop.org/article2208.html

[60] Ver : https://www.hrw.org/fr/news/2015/01/20/france-les-migrants-et-les-demandeurs-dasile-victimes-de-violence-et-demunis; http://www.lavoixdunord.fr/region/violences-policieres-sur-migrants-l-onu-epingle-ia33b48581n2966935;  https://passeursdhospitalites.wordpress.com/2015/10/08/le-defenseur-des-droits-rappelle-letat-de-droit/ ; https://passeursdhospitalites.wordpress.com/2015/06/30/18-juin-de-lappel-a-la-rafle/

[61] The Migrants files Project – Disponible en : http://www.themigrantsfiles.com/

[62] Base de datos Migrants Files : http://urlz.fr/3PxF

[63] http://www.lemonde.fr/societe/article/2014/12/10/un-nombre-record-de-migrants-ont-peri-en-mediterranee-en-2014_4537645_3224.html

[64] OIM, « La OIM contabiliza 3.771 muertes de migrantes en el Mediterraneo en 2015 », 1 de mayo de 2016, disponible en : https://www.iom.int/fr/news/loim-recense-3-771-deces-de-migrants-dans-la-mediterranee-en-2015

[65] OIM, “Se contabilizan 302.486 llegadas y 3.502 muertes de migrantes en el marhttp://www.iom.int/es/news/se-contabilizan-302486-llegadas-y-3502-muertes-de-migrantes-en-el-mar

[66] http://15years.morizbuesing.com/

[67] Forensic Oceanography, Charles Helles, Lorenzo Pessani y Situ Studio, Informe sobre « Left-To-Die Boat » – Disponible en : https://www.fidh.org/IMG/pdf/fo-report.pdf

[68] Comisión de las migraciones, de los refugiados y de las personas desplazadas del Consejo de Europa, “Vidas perdidas en el Mediterráneo, ¿quién es el responsable?”, 5 de abril de 2012

[69] Charles Heller, Lorenzo Pezzani, « Muerte por rescate : los efectos letales de la politica europea de no asistencia en el mar », abril 2016, disponible en :  https://deathbyrescue.org/

[70] The Migrants files Project – Disponible en : http://www.themigrantsfiles.com/

[71] Sobre esta cuestión, ver Claire Rodier, “El negocio de la Xenofobia, para qué sirven los controles migratorios”, Clave Intelectual, 2013.

[72] El País, « Bruselas crea una policía de fronteras con 1.500 agentes », 15 de diciembre de 2015 – disponible en :

http://internacional.elpais.com/internacional/2015/12/15/actualidad/1450191102_198417.html

[73] Transnational Institute, Stope Wapenhandel y Centre Delàs d’Estudis per la Pau, « Guerras de fronteras : los fabricantes y vendedores de armas que se benefician de la tragedia de los refugiados en Europa”, Mark Akkerman, mayo de 2016 – Disponible en: https://www.tni.org/files/publication-downloads/guerras-de-frontera-web.pdf

[74] Actu Niger : « Migraciones : Niger, el nuevo gendarme de Europa en la ruta contra los dlujos migratorios », 5 de mayo de 2016 – Disponible en: http://www.actuniger.com/societe/11581-migration-le-niger,-nouveau-gendarme-de-l-europe-dans-la-lutte-contre-les-flux-migratoires.html

[75] OIM : « La OIM refuerza la capacidad de gestion de las fronteras en Mauritania y en Mali », 12 de abril de 2016 – Disponible en : https://www.iom.int/fr/news/loim-renforce-la-capacite-de-gestion-des-frontieres-en-mauritanie-et-au-mali

[76] West Africa, « La OIM organiza la formación sobre seguridad en las fronteras con Mali y Mauritania », 14 de abril 2016 – Disponible en : http://westafricawire.com/stories/510714481-iom-organizes-border-security-training-with-mali-mauritania

[77] VOA Afrique, « Bruselas quiere un acuerdo de readmisión de migrantes con Nigeria”, 11 de mayo de 2016 – Disponible en: http://www.voaafrique.com/a/bruxelles-veut-un-accord-de-readmission-avec-le-nigeria-pour-les-migrants/3324868.html

[78] Agencia Angola Press, « Angola : la policía de fronteras recibe 120 vehículos », 11 de mayo de 2016, disponible en : http://www.portalangop.co.ao/angola/fr_fr/noticias/politica/2016/4/19/Angola-Police-Garde-Frontiere-recoit-120-voitures,ab78c7d5-e919-4a3e-92f1-3fd55c89345d.html

[79] The Guardian, « EU considering working with Sudan and Eritrea to stem migration”, 6 junio 2016 – Dispoonible sur: https://www.theguardian.com/world/2016/jun/06/eu-sudan-eritrea-migration

[80] Seneplus, « Le Comité de l’Onu suggère la construction d’un centre de rétention », 30 abril 2016 – Disponible sur : http://www.seneplus.com/international/le-comite-de-lonu-suggere-la-construction-dun-centre-de-retention

[81] OIM, « IOM Opens the First Migrant Resource and Response Center in Sudan”, Diciembre2015

[82] http://www.spiegel.de/international/world/eu-to-work-with-despot-in-sudan-to-keep-refugees-out-a-1092328.html

[83] Ver « Les enjeux de la sécurisation de la question migratoire dans les relations de l’Union européenne avec l’Afrique. Un essai d’analyse », Lorenzo Gabrielli, 2007 : https://www.cairn.info/revue-politique-europeenne-2007-2-page-149.htm

[84] Derecho a salir de cualquier país, incluso del propio : Art.13-2 Declaracion Universal de Derechos Humanos, Art.2 del Convenio europeo para la protección de los derechos y de las libertades fundamentales

[85] Migreurop : « « Emigration illégale » : une notion à bannir », 13 juin 2006 – Disponible en : http://www.migreurop.org/article922.html

[86] http://www.latribune.fr/economie/union-europeenne/allemagne-pourquoi-angela-merkel-est-elle-si-genereuse-envers-les-refugies-503128.html

[87] Informe AEDH, EuroMed Droits, FIDH, LDH : « Turquía: los derechos humanos bajo toque de queda », Mayo 2016 – Disponible en : http://euromedrights.org/fr/rapport-pourquoi-la-turquie-nest-pas-un-pays-sur/

[88] Turquía ratificó el convenio de Ginebra de 1951 sobre los refugiados y su protocolo adicional sobre el asilo, pero aportando una reserva geográfica, lo que implica que sólo los nacionales europeos pueden gozar del estatuto completo de refugiado.

[89] Amnistía Internacional : « Tres nuevas pruebas de que el acuerdo UE/Turquía es ilegal », 3 junio 2016 – Disponible en : http://www.amnesty.fr/Nos-campagnes/Refugies-et-migrants/Actualites/3-nouvelles-preuves-que-accord-UE-Turquie-est-illegal-18545

[90] Amnistía Internacional : « Turquía devuelve a refugiados sirios a Siria », 1 de abril 2016 – Disponible en : http://www.dw.com/fr/amnesty-la-turquie-renvoie-des-r%C3%A9fugi%C3%A9s-syriens-en-syrie/a-19158930

[91] Human Rights Watch : « Turquía : Guardas-costas han matado y herido a solicitantes de asilo sirios », 10 de mayo 2016 – Disponible sur : https://www.hrw.org/fr/news/2016/05/10/turquie-des-gardes-frontieres-ont-tue-et-blesse-des-demandeurs-dasile-syriens

[92] Medhi Rais : « Los acuerdos de readmisión de la Unión europea », Revue Migrations Forcées n°51 – « Destination Europe », enero 2016 – Disponible en : http://www.fmreview.org/fr/destination-europe/rais.html

[93] Parlamento europeo : « Documento europeo de viaje : diputados y ministros concluyen un acuerdo informal » – 23 junio 2016 – Disponible en :

http://www.europarl.europa.eu/sides/getDoc.do?type=IM-PRESS&reference=20160623IPR33673&language=FR&format=XML